Subiu as escadas, não gostava do cheiro das coisas guardadas que a biblioteca possuía. Não gostava de ficar muito tempo tão longe da superfície. Apreciava mais estar ou ao lado de fora, fazendo grandes explorações, ou estar em seu quarto, descansando para a próxima viagem. Pelo menos, aquela ida a biblioteca não fora de todo mal. Conseguira ver como estava seu irmão, e o primo recém-chegado. Além de saber como estava aquela boneca. Parecia mesma que o irmão estava cuidando bem, e não a usando de qualquer forma. Conhecia que aquela característica fazia parte de sua personalidade, e não se importou naquele momento.
Chegou ao grande salão, subindo mais escadas, indo em direção ao seu quarto. Pegou uma grande capa negra, e alguns pertences que seriam necessários no que estava prestes a fazer. Saiu do recinto, encaminhando-se a entrada do castelo. Andou até perto dos estábulos, que era mais afastado do castelo em si, achando a figura que iria lhe acompanhar. Parecia distraído com os pensamentos longe, observando algo distante na linha do horizonte. A roupa da guarda-real, preta com vermelha, sendo que os botões eram dourados, adornava o corpo alto e magro. Os cabelos loiro mel ondulavam perto da cabeça devido ao vento.
Cliff não notou isso, só olhava para o homem que lhe faria sua guarda durante o caminho. Na verdade, desejava ir sozinho, mas sabia que não era bom arriscar sua segurança. Ainda mais em estradas como as quais iriam cavalgar. Por isso escolheu o melhor da guarda-real, que sempre o acompanhava em suas expedições de longa duração. Assim não precisaria de muitas pessoas ao seu redor, e ainda teria proteção necessária.
- Reed, tu já selastes os cavalos? ? Perguntou enquanto se aproximava do outro, vendo-o se virar devagar.
- Sim, senhor. ? Disse em voz serena. Os olhos castanhos pairando sob os ônix do príncipe.
- Então já podemos ir, certo? ? Olhou para o outro lado do loiro, vendo dois cavalos brancos selados.
- Senhor, posso fazer uma pergunta? ? O tom usado demonstrava hesitação, os olhos pareciam inquietos e indecisos sobre mirar o chão ou o horizonte.
- Pode, é claro. ? Sorriu de canto, rapidamente encarando Reed.
- Desculpe pela intromissão, ou pela falta de confiança em suas decisões, mas não acha que apenas eu, serei insuficiente? ? Perguntou enfim, olhando o moreno.
- Não, além de tu seres o melhor da guarda, a viagem é curta. ? Aproximou-se de um dos cavalos, ajeitando a capa negra em suas costas, montando em seguida o animal.
- Claro, senhor. ? Maneou a cabeça, não se satisfazendo com aquela resposta vaga. Fez o mesmo com o outro cavalo, esperando que o moreno fosse à frente.
A viagem não era muito longa, Cliff já até conhecia aquele caminho, sendo que ele já o percorrera algumas vezes. O castelo foi desaparecendo de sua vista e a pequena cidade aparecendo. Passaram pelas estreitas e largas ruas existentes na cidade. Evitando o centro comercial, não era de seu intento chamar atenção para sua passagem por ali. Desviaram para uma das rotas diretas à floresta densa presente no reino. Havia uma trilha certa pela qual atravessavam, em algumas horas, podia-se ver uma pequena casinha objetivada pelo príncipe.
A construção era simples. Com pequenas janelas incrustadas nas paredes e uma porta branca descascada. Na frente havia um pequeno jardim com flores coloridas, rodeado com uma cerca de troncos de madeira retorcidos. As árvores ladeavam o lugar, quase o escondendo. Para alguns até poderia passar despercebido, porém Cliff havia decorado o aspecto daquele lugar. Os cavalos brancos se aproximaram logo ambos desceram destes, abrindo caminho entre o jardim.
- Devo acompanhá-lo, senhor? ? O loiro perguntou, quando chegaram à porta branca.
- Não. Espere aqui fora. Não vou demorar. ? Abriu a porta, vendo apenas com o canto do olhou, o mais alto acenar positivamente.
- Sim, senhor. ? Ouviu, antes de entrar na casa, fechando a porta atrás de si.
Estranhamente o interior da casa era oposto a sua fachada. Era ricamente adornado com todo o tipo de móveis luxuosos, e parecia ter o dobro do tamanho aparente. Na primeira vez que havia entrado naquela sala, espantara-se. No entanto, depois de algumas vezes, se acostumara com a peculiaridade do lugar. Pensava que a moradia sempre refletia o seu dono, mesmo não conhecendo o dono, imaginava como ele seria. Pois, o trabalho dele não era comum.
Embora as bonecas não fossem tão raras naquele reino em especial, magos não eram comuns. Não se podia encontrar um em cada viela. E ainda que fossem encontrados, eles não anunciavam de forma livre e aberta. Uma condição tão única como aquela não podia ser tão divulgada. No entanto, como sempre, havia exceções. Como as bonecas tinham que ser fabricadas por magos, elas eram comercializadas, com o incentivo do governo local. Alguns vendiam a preços exorbitantes, clamando serem as melhores, e conseguindo a atenção desejada.
Muitos viam isso como uma corrupção de poderes mágicos, o que verdadeiramente era em essência. Todavia como citado, eram exceções, e muitos magos negavam-se a fazer qualquer trabalho como aquele. Aquele lugar que Cliff entrava, era especialmente destinado a encomendar bonecas, o que já havia feito algumas vezes. O mago em pessoa, nunca era visto, e apenas conhecia o seu assistente.
O rapaz estava concentrado escrevendo algo em um pergaminho grosso, com sua pena longa preta. Os cabelos castanhos caíam-lhe no rosto, e o príncipe perguntou-se como o outro estava conseguindo escrever algo daquela maneira. A pena parou por um segundo, porém os olhos não saíam da página que escrevia.
- O que deseja? ? Olhou para o príncipe, logo um sorriso sendo aberto em sua face. ? Oh, senhor príncipe, que bons ventos o trazem aqui? ? Ergueu-se, fazendo uma reverência longa.
- Não são bons, Loann. São muito ruins. ? Olhou-o com desprezo. ? O produto entregue é de péssima qualidade, e veio fora dos padrões solicitados.
- Os magos nunca erram. ? Afirmou convicto, sem nem ponderar sobre a frase do outro. A frase saía de seus lábios quase automaticamente, Loann não entendia todos os mistérios, contudo tinha pleno conhecimento da exatidão dos poderes mágicos. Sentou-se, voltando a escrever, como se as palavras do outro fossem irrelevantes.
- Eu pedi uma mulher, me fizeram um homem. ? Sentou-se em uma poltrona perto da mesa onde o outro escrevia de forma frenética.
- Onde está a boneca? ? Olhou para ambos os lados, como se a boneca estivesse ali, mas não houvesse percebido sua presença.
- Me desfiz dela. ? Mentiu. ? Quero reclamar com o mago em pessoa, onde ele está? ? Olhou para as várias portas fechadas que haviam distribuídas pelo cômodo.
- Ele não está. ? Olhou-o diretamente. ? Saiu para resolver assuntos importantes.
- Ele irá demorar a chegar?
- Não tenho a remota ideia, caro príncipe. ? Voltou a escrever, os olhos caramelo concentrando-se nas letras.
- Então irei esperar. ? Decidiu-se, olhando o ambiente mais uma vez, por inteiro.
- Ele pode demorar meses... ? murmurou não muito baixo.
- Mentira. ? Passou a mão pelo queixo, olhando de forma arrogante para o assistente.
- Então, fique e espere. ? Sorriu para o outro inocentemente, os cílios se fechando diversas vezes antes de voltar a olhar o pergaminho.
- Farei isso. ? Deixou uma face séria sobressair em sua face, querendo confrontar o outro, e esperar o mago. Depois, percebeu não possuir tempo para tal coisa. Suspirou.
- Algo o incomoda? ? Falou sem nem ao menos sair de sua escrita.
- Não poderei fazer isso. Tenho outros compromissos. ? Retirou um pergaminho do bolso da capa.
- Imaginei que sim. O senhor é um príncipe afinal de contas. ? Superficialmente parecia um elogio, mas Cliff sabia que estava mascarando uma ironia.
- Aqui está o que quero. ? Deixou o pergaminho em cima da mesa onde Loann trabalhava. ? E aqui... ? retirou um pequeno saco que continha moedas de ouro -... A primeira parte do pagamento.
- Certo. Avisarei ao mestre. ? Guardou em uma gaveta ambos os objetos entregados por Cliff em uma gaveta não percebida a primeira vista.
- E comunique o meu desejo de perfeição e sem defeito algum. ? Engrossou o tom, e deixou o rosto mais sério.
- Eu já disse. ? Enrolou uma mecha do cabelo, na ponta dos dedos. ? Os magos nunca erram.
- Ele errou dessa vez. ? Levantou-se dando as costas ao jovem sentado atrás da mesa.
- Até, senhor príncipe. ? Acenou, o que o outro não viu.
Apenas abriu a porta e a fechou. Vendo Reed encostado na parede da casa, olhando de forma perdida o horizonte. Ergueu uma sobrancelha, aquele homem parecia estar sempre divagando. Quando ele percebeu a presença do moreno, ajeitou sua postura.
- Já terminei por aqui. ? Fez uma pausa. ? Podemos ir.
- Sim, senhor. ? Disse esperando o príncipe subir no cavalo branco, fazendo o mesmo.
Cliff começou a cavalgar para longe daquela casa estranha, sendo acompanhado de perto pelo guarda. Toda vez ao retornar aquele lugar pedia para algum guarda diferente acompanhá-lo, não querendo nenhum tipo de intromissão em negócios particulares. Todavia, todos pareciam ficar muito curiosos, menos Nathan Reed, sempre calado. Talvez devesse chamá-lo sempre, assim não revelaria o endereço do mago a muitas pessoas.
Aliás, só voltava aquele lugar remoto e estranho, pois dos poucos que tinha conhecimento de endereço de fabricação das bonecas, aquele era o melhor lugar. Antes da boneca que havia sido trazida com defeito, havia comprado uma de ótima qualidade. E mesmo que aquela boneca fosse um garoto, havia se divertido com ele. Era apenas uma sensação diferente, que nunca havia experimentado. Um sorriso malicioso se desenhou em seus lábios carnudos, quando pensou em Sweetz.
Diminuiu o ritmo da cavalgada, percebendo que estava ficando excitado com as lembranças. Olhou para o volume que se formava, pensando em como resolveria aquilo. Ouviu que o cavalo do outro também estava diminuindo o passo e soube o que fazer. Sempre achou que Reed tivesse um rosto afeminado, e sua linha de raciocínio começou a trabalhar de forma frenética na maneira de usá-lo. Parou o animal e desceu, aproximou-se de uma árvore, e deixou suas costas se encontrarem com o tronco. O outro parou de cavalgar também, estranhando a atitude do príncipe. Desceu do cavalo branco e se aproximou do moreno.
- O senhor está bem? ? Perguntou no tom de preocupação em que um amo fala com seu mestre.
- Pelo que me contaram, e me corrija se estiver errado... Tens uma mãe doente e uma irmã mais nova, não é? ? Perguntou sorrindo de canto para o mais alto.
- Tenho sim, senhor. Porque a pergunta? ? Estranhou a situação.
- Tu as sustentas com o seu trabalho como membro da guarda-real, certo?
- Sim... ? não sabia onde aquela conversa iria parar.
- Então não podes perder esse emprego, certo?
- Certo... Senhor. ? Estreitou os olhos.
- Para que eu não tenha que fazer isso, eu quero que tu te ajoelhes.
- Senhor... ? não estava entendendo o intendo de Cliff.
- Só o faça. ? Disse sério.
O outro acatou o pedido, pondo-se de joelho próximo ao príncipe. Este sorriu despindo as peças que cobriam sua ereção. O loiro ficou pasmo com o decorrer daquela situação, não acreditava que aquele homem iria fazer uma chantagem por algo assim.
- Reed... ? puxou o cabelo do loiro que quase caiu com o súbito movimento. ? Tu vai me ajudar com isso aqui... ? olhou-o com um sorriso de canto, lambendo os lábios e brincando com o acessório nos lábios.
Nathan queria acabar com aquela situação. No entanto, não podia. Ele sabia que não podia perder um trabalho tão bem remunerado como o de um guarda-real. Observou com repúdio a face do príncipe, achando-o o ser mais desprezível que já tivera o desprazer de conhecer. Não queria fazer aquilo, mas já que estava sendo chantageado, que o príncipe, sentisse-se bem como nunca antes.
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O moreno encarou o castelo onde morava. A noite já tinha chegado, enquanto descia do cavalo branco. Olhou para o loiro, o qual estava com o semblante mais sério do que o habitual. Sabia o quanto aquilo deveria ter sido ruim, e por incrível que pareça, havia se sentido incrivelmente bem.
- Não conte a ninguém. ? Pronunciou em voz alta, sua voz chegando se perdendo na noite de céu azul escuro, de lua branca e pálida.
- Não o farei, senhor. ? Um murmúrio foi ouvido, consequentemente o moreno sorriu. Afastou-se do estábulo procurando o caminho para castelo, em meio à escuridão da mesma cor de seus olhos.
O loiro esperou o outro se afastar um pouco, antes de cambalear e vomitar tudo o que tinha no estômago. Sentia seu corpo dolorido e fraco, seu rosto ardia, a garganta reclamava, entretanto não era o pior. Sentia-se sujo e impuro. Limpou o canto da boca, sentindo um gosto amargo e foi à procura de água. Bem longe do homem que um dia, se tornaria rei daquele reino.