Ruki estava entre nós fazia três dias e não tinham sequer lhe arranjado uma calça para pôr.
Ele era tão pequeno, tão magro. Sua falta de banho e suas roupas desgastadas lhe davam um ar de mendigo. O cabelo loiro emaranhado sempre caía nos olhos.
Estávamos todos no dormitório nos preparando para dormir, quando ouvimos passos severos e ligeiros pelo corredor. Em seguida a porta se abriu e um homem rechonchudo adentrou o quarto com poucos passos e parou.
- Takanori Matsumoto. ? Ele chamou.
Ruki se remexeu em cima da cama e parou sentado, olhando com curiosidade.
- Sou eu.
- Venha comigo.
- Agora? Mas já está na hora de d...
- Você tem permissão para questionar um superior?
Ruki se assustou.
- Não senhor.
Se levantou lentamente e foi na direção do homem que esperou que ele passasse pela porta e em seguida a fechou e trancou.
O mais velho andava na frente. O peito estufado, o queixo erguido e o ar de superioridade fazia Ruki se sentir desconfortável a ponto de não olhar nos olhos do homem quando este lhe dirigia a palavra.
Os dois foram parar fora da catedral, e quando percebeu isso o pequeno se sentiu ameaçado.
Nos três dias que passou no lugar, explicaram-lhe que o mais longe que podiam ir era o terreno enorme que chamavam de pátio, onde os alunos passavam o restante da tarde depois das aulas.
Agora estava fora do perímetro permitido e começou a se perguntar o que iriam fazer com ele naquele lugar.
- Aonde vamos? ? Perguntou receoso, tentando demonstrar indiferença.
O homem fez uma longa pausa para só então responder:
- Já estamos chegando.
Ruki suspirou. Estava temeroso e seu corpo tremia sob o sereno. O ar frio lhe causava calafrios na espinha. Estava descalço e sentia os pés doerem ao passar pelas pedras congelantes.
Por um momento ele se arrependeu por ter pedido para entrar na catedral e esse momento vacilante deixou que os devaneios lhe enchessem de medo e ele parou de andar dando um passo para trás.
- Acho melhor eu voltar para a catedral agora, senhor.
O homem se virou devagar até ficar de frente para o menino.
- Disse alguma coisa?
Ruki continuou dando passos para trás e seguiu para o lado contrário do homem, e por segundos pensou ter conseguido escapar até sentir seus cabelos serem puxados e seu braço agarrado com força. Ele tentou se soltar sem conseguir e foi tomado pelo desespero. - Me deixe voltar, senhor, por favor.
- Pare de se debater! Continue a andar. ? O homem exclamou e em seguida colocou Ruki ao seu lado com um empurrão impaciente.
O pequeno continuou o caminhar intermitente segurando as duas mãos para tentar se esquentar. Seus lábios já se sentiam rachar, e os olhos lacrimejavam com o sopro gelado do vento.
Já nem sentia mais os pés roçarem contra as carumas no chão. Olhou para cima e pôde ver a meia lua que parecia lhe sorrir. Fechou os olhos e os sentiu queimar, depois abriu olhando para frente e notou a cor das píceas avermelhadas que circundavam uma casinha com paredes de pedra. Seu coração deu um pulo. O homem tocou suas costas com a mão, como que para se assegurar de que Ruki não tentaria fugir, e se pôs a andar mais depressa.
Os dois se puseram em frente à porta de madeira bruta e o maior forçou a maçaneta, mas esta não se abriu. Em seguida deu duas batidas na madeira, cujo som soou oco. Ouviu-se uma movimentação e o corpo de Ruki se retraiu de hesitação.
Os cadeados começaram a ser destrancados. Em seguida a porta foi parcialmente aberta revelando um rosto aquilino que levantou uma sobrancelha quando enxergou o menor.
- Ah, sim. ? Ele indicou para que Ruki entrasse, mas Ruki não entrou até que o homem o desse um empurrão de leve pelas costas.
Ele se viu dentro na casa, em um corredor iluminado com tochas, e a porta se fechou atrás de si.
A casa era de pedra tanto por dentro quanto por fora. O corredor era em forma de arco, como um túnel estreito, e o fogo aceso dava um ar medieval tenebroso, mas exímio.
Mais uma vez deram de cara com uma porta, a saída do corredor. A mesma se abriu para um quarto que parecia ser o coração da casa.
Um canto do cômodo estava muito mais claro que o outro, isso chamou a atenção de Ruki que olhou. Lá havia um altar inundado de velas brancas, no centro a imagem de uma santa e no chão, ajoelhado, havia um indivíduo de túnica preta rezando a mesma reza várias vezes. Este pareceu notar a presença dos dois que aguardavam já fora do corredor, se levantou com dificuldade fazendo o sinal da cruz e se virou enquanto retirava o capuz da cabeça.
- Vá embora e deixe-nos a sós. ? Ele falou para o outro.
- Sim, monsieur ? Murmurou abaixando a cabeça e saiu.
Ficaram apenas os dois dentro do quarto. Ruki e o monge.
O monge mandou Ruki se sentar na cama que ficava no meio do cômodo, depois tirou algumas velas de dentro de um baú de ferro e com um fósforo as acendeu e pôs na lateral da cama, do lado dos pés de Ruki e voltou a ficar de costas, revirando o baú.
- O quarto está suficientemente claro para você? ? Ele perguntou.
O menor assentiu com a cabeça e depois se deu conta de que o outro não podia ver e respondeu:
- Sim.
- Porque veio para cá, meu menino?
Ruki fez uma grande pausa antes de responder.
- Não tenho mais onde ficar e vocês me aceitaram.
- Aceitamos?
- Não aceitaram?
- Ah, sim. É claro que aceitamos. - o monge já havia se virado para o menor, com uma cinta de cilício e uma corda com três nós na ponta em mãos. - Mas você sabe, não sabe, que temos algumas etapas?
Os olhos de Ruki se continham na corda que balançava, e por um momento ele fechou os olhos tentando se manter calmo.
- Não senhor, não sei.
O monge ia ao encontro do garoto com passos languidos e o mesmo apertava os dedos nos lençóis a cada pisada no chão de barro seco.
- Somos da Igreja Católica. Somos uma congregação de religiosos que resolveu seguir prioritariamente a doutrina católica tão rigorosamente quanto possamos em nossas vidas diárias. - O monge se ajoelhou no chão pousando a corda ao lado das velas com cuidado, mas a cinta de cilício ainda era segurada. - A nossa doutrina precisa - ele deslizou a ponta dos sobre a perna macia de Ruki, que enrijeceu, e aprofundou os toques à medida que ia chegando às coxas e depois afastou as mãos pegando o cilício - incluir votos de castidade, pagamento de dízimo, compensação dos pecados pela autoflagelação e... o uso do cilício.
Ruki sentiu seu estômago formar um nó e assim que sentiu sua coxa esquerda ser envolta pela cinta de cilício engoliu em seco.
- Quer continuar aqui? - O homem perguntou.
O menor ficou receoso em responder, com medo de dar a resposta errada e o homem apertar a cinta em sua perna.
- Só porque não tenho mais para onde ir. - Sua voz embargou e ele deu um suspiro choroso.
-Você precisa pagar pelos seus pecados. - ele diminui o espaço que tinha entre a perna de Ruki e o cilício. A pele do menor se eriçou quando sentiu as farpas geladas de metal contra sua pele. - Precisa ser castigado por tudo que fez antes de chegar aqui.
- Mas não fiz nada de mau, senhor. Eu juro!
- Nem mais uma palavra. - O monge murmurou e sem que Ruki tivesse tempo de perceber ele apertou a cinta na coxa do menor, fazendo com que as farpas lhe furassem a perna.
Quando sentiu a fisgada dolorida Ruki se levantou da cama quase como num pulo e tentou correr para a porta do corredor, mas o monge, para não deixar o garoto fugir, deu um puxão no cilício que apertou ainda mais na perna do outro e as farpas rasgaram-no a carne. Ruki se ajoelhou com a dor se segurando no ombro do monge. A dor se tornou tão admoestante que ele não pôde mais se segurar e tombou para trás caindo do lado das velas. Só então percebeu a corda com nós sob sua mão e a segurou arregalando os olhos.
- O que mais você pretende fazer? ? O menor perguntou olhando fixamente nos olhos fundos do outro. ? Se não queriam que eu ficasse aqui era só terem me colocado pra fora. ? Ele se levantou bem devagar até parar sentado ? Por favor, senhor, me deixe ir embora e eu nunca mais apareço na sua frente de novo.
- Mas nós te queremos conosco. É claro que queremos. Deus te trouxe para nós e você não pode nos dar as costas agora. ? Ele levantou a túnica preta até em cima da coxa ? Veja. Também passo pelo que você vai passar.
Quando viu a carne viva banhada em sangue seco que se escondia por debaixo da cinta de cilício que o monge usava, Ruki sentiu seu estômago embrulhar e quase vomitou.
O homem desamarrou a túnica e virou de costas para o menor abaixando a mesma, ficando completamente nu.
Era albino e suas costas eram cheias de cicatrizes. Consequência da mortificação corporal.
Ele estendeu a mão para Ruki, convidando-o a se levantar. Ruki se levantou sozinho largando a corda em cima da cama e andou para a porta.
Ele é doente. O menor pensava.
- Você não pode sair. ? O monge elevou a voz para ter certeza de que o outro ouviria. Este continuou saindo. Seu corpo todo tremia e ele se continha para não chorar, não parecer fraco. Foi quando girou a maçaneta e a porta não abriu. Forçou a porta outra vez e esta continuou do mesmo jeito.
- Não acredito ? Ele murmurou e agarrou a maçaneta com as duas mãos e forçou outra vez com mais força. Mas esta tinha sido trancada por fora. Continuou forçando desesperadamente. Seus olhos já estavam molhados por chorar. Ele batia na face da porta gritando por ajuda.
- Desse jeito você vai se machucar. ? O monge sussurrou no ouvido de Ruki que sentiu um frio percorrer toda sua espinha com o ar quente e paralisou. O maior pegou a mão do outro o girando e os dois ficaram de frente. Ruki o fitava sem nada ver.
- Agora... você vai ir para o altar e se ajoelhe perante a santa, huh? Não tente fugir de novo.