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Em certo momento, uma musica bonita começara a tocar e a preencher o silêncio do misterioso ??Caminho da madrugada??. Não era muito agitada, mas, lembrou a menina um baile. Alguns minutos antes, um pássaro pousara no ombro de Nicolau, que se desculpou e disse que teria de ir embora por alguns minutos, mas, que para chegar ao fim era só seguir sempre em frente. Quando aparecesse uma curva ou uma divisão, o que era raro, ela devia simplesmente seguir seu instinto. Graças a essa saída repentina, e a musica contagiante, não viu problema nenhum em andar no ritmo do som, e se perder em sua melodia. Após algum tempo, começou a achar bobo o que fazia, e meio que com vergonha, voltou a seguir em frente. Em certa hora, acabou mirando o céu, e se surpreendeu ao ver que este estava escuro. Não pela tarde que se ia, mas, pelas nuvens que o cobriam: logo iria chover. Aquela menina olhou adiante, e não viu sinal de abrigo ou sequer fim do caminho por qual seguia. A velha senhora sempre a fazia voltar à caverna quando os pingos de água desciam do céu, por isso pelo menos daquela vez ela queria senti-los por seu corpo. Animadamente, apertou os punhos, esperando por aquela sensação nova envolvente que nunca havia sentido... Quando os trovões começaram. Seu coração acelerou, e o medo a envolveu. Não tinha aonde se esconder, e ao tentar correr para frente, quebrando a paralisia das pernas, escorregou no chão recém molhado.
Colocou o xale por cima da cabeça, num último ato de tentar se proteger. Clarões repentinos surgiram e o barulho só ficava mais alto. A pele estava fria ao contato com a água também gelada que lhe percorria o corpo. Gritava para o vazio, implorando que parasse com aquele show de horrores, mas, a tempestade só parecia piorar. Agora podia entender, porque nunca lhe fora permitido estar do lado de fora ao começo da chuva. Num último suplico, uniu as mãos juntas, fechando-as, e encostou a cabeça no chão. Não era esse bebê chorão, mas, ainda era só um brotinho de gente, e tinha medo. Por isso, chorou. Não teve certeza de quanto tempo ficou embaixo da chuva, mas, foram pelo menos mais de dez minutos. Dez longos minutos. Durante esse tempo, pôde simplesmente perceber que ninguém viria ajudar. O barulho continuava, apesar de mais fraco, mas, ela se levantara. Olhara ao redor e vira que a neve, sem nenhuma razão aparente, parecia mais como a superfície de um lago congelado. Aproximou-se devagar da borda do caminho (havia azulejos em volta) e conteu uma exclamação de surpresa: Corpos do que pareciam ser mulheres misturadas a peixes nadavam formosamente. Os olhos eram levemente maiores do que o normal, e os cílios do canto destes eram maiores que o restante. O rosto era de beleza triste; Uma flor de Lótus residia presa ao cabelo de uma, que arregalou os belos olhos para a criança, agora ajoelhada em frente ao gelo. Os cabelos da que estava debaixo d?água ora pareciam pedaços de areia brilhantes ? unidos ? que podiam quebrar ao simples toque ? ora pó de ouro.
?Não eram muitos os que conheciam a história de tais criaturas. Muito confundidas com a raça daquela que virou espuma no mar, mas não eram sereias. Estas fugiram para um mar proibido a qualquer outro ser, graças à constante caçada por suas lágrimas. É dito que cada vez que uma pessoa pequena morre por falta de afeição ou negligência, dependendo do seu gênero, torna-se algo diferente. A alma pode simplesmente seguir em frente para uma nova vida... Mas, para aquelas que ainda sentem-se inseguras com a idéia de renascer, existem certas formas de vida, e as ??Espumas??, como são chamadas as criaturas encontradas pela viajante do ??Caminho da madrugada?? eram uma das opções. Ao tornar-se uma espécie assim, tudo que havia vivido antes desaparece da memória, e apenas retorna quando esta sente-se pronta para prosseguir no ciclo da vida. Ou pelo menos era isso o que estava registrado no livro daquele chamado de sábio. Mas, essa pessoa será conhecida mais adiante.
A menina sentou-se na neve fria, observando cautelosa a Espuma, que a olhava com o mesmo interesse. Devagar, a com a flor no cabelo moveu a mão em direção ao gelo, e tocou-o. Como se as mentes estivessem em sincronia, a criança ergueu sua própria e pequena mão, e colocou-a ??encaixada?? com a da meio peixe. Depois de algum tempo, outras Espumas começaram a chegar perto, nadando com suavidade, observando as duas que aparentavam estar tão concentradas. Sem aviso, todas fecharam seus olhos, incluindo a que trocava olhares com nossa ??heroina que não fez nada heróico??.
A pequenina não compreendeu, mas, não quis deixar que suas pálpebras se fechassem. E aí, ela viu, resplandecente como estrelas, as Espumas brilhavam em luzes coloridas, e com espanto, a menina notou que todas dormiam. E foi ao perceber isso, que sua fome passou, como se os sonhos tidos no Caminho da Madrugada pudesse alimentá-la. Sussurrou um obrigada, e levantando devagar, se afastou, as mãos vermelhas pelo frio. Cantarolando a canção do Amanhecer, saiu pelo chão azulado, com um pouco mais de gratidão.
Vagalumes a acompanhavam, deixando a noite segura como uma borboleta.