A lua cheia brilhava no céu da cidade de Fuyuki naquela noite fria de inverno. O ano havia apenas começado e um evento inacreditável para a maioria dos mortais também estava para ter início: A Guerra pelo Santo Graal. Naquela noite, uma mulher de longos cabelos loiros ajeitava os óculos na face e olhava com seus olhos azuis através das lentes para o báculo dourado que flutuava bem em sua frente sobre um símbolo místico que se assemelhava a um pentagrama no chão. Tal símbolo era um portal que ascendia uma bela jovem com longos cabelos negros e ondulados, a qual tomava o báculo em suas mãos e ficava a fitar a loira com os olhos verdes claros.
-- Mestra? És aquela que me invocou da tristeza infinita?
-- Sim, sou aquela que lhe trouxe a este mundo para que seu desejo seja realizado. Em troca, quero a sua lealdade para que eu também possa realizar o meu.
-- Meu único desejo é ter meu amado de volta em meus braços, e se isso for possível, pode contar com uma lealdade até mesmo maior a que tenho pela minha deusa Vênus.
Evento similar acontecia do outro lado da cidade, onde um jovem rapaz invocava seu servo usando um grande arco de madeira como catalizador. O invocado por sua vez era um homem moreno e forte, com um olhar que passava a aura de um guerreiro. Com o arco em mãos, ele se limitava em fazer uma reverência àquele que o invocava.
-- Seja bem-vindo, meu servo, espero que possamos nos divertir juntos nessa guerra. Afinal, o que é uma vitória sem diversão?
Eram os dizeres do homem sorridente para aquele que trazia de volta ao mundo dos vivos.
Nas sombras da floresta Einzbern, uma jovem estudante de cabelos ruivos também estava envolvida com o estranho ritual. A garota magra de aparência relaxada posicionava o cachimbo no centro do círculo e tomava distância observando o objeto entre os fios do cabelo mal arrumado. Logo, ela colocava as duas mãozinhas brancas no chão e começava a expressar dizeres com os olhos focados no círculo:
-- Você, mestre dos detetives, consegue ouvir ao meu chamado? Eu, Yani, sou a jovem maga que deseja a sua ajuda nessa guerra pelo Santo Graal e sei que tu, que sempre ajudastes todos aqueles que lhe procuraram, não irá negar ao meu pedido. Rider!
De repente, como se o chamado da jovem ruiva fosse atendido, o círculo começava a brilhar e um homem estava a surgir, com os cabelos negros bem arrumados penteados para trás e vestindo um elegante terno. Ele deu algumas baforadas no cachimbo e voltou a olhar para a jovem ruiva com um sorriso discreto nos lábios.
-- Elementar, minha cara Yani. Estarei pronto para ajuda-la a alcançar o seu objetivo.
Um sorriso largo começou a se formar nos lábios da garota que olhava para o maior com os olhos a brilhar. Em seguida, ela fitou os símbolos que surgiram em sua mão direita no instante em que o servo era invocado, os selos de comando.
Os eventos daquela noite eram observados por sete encapuzados que assistiam a tudo através de uma grande esfera de cristal que flutuava entre eles no salão escuro. O primeiro encapuzado falava com a voz rouca para os demais:
-- Os últimos servos foram invocados, os últimos mestres escolhidos. A Guerra pelo Santo Graal está para começar!
-- A partir de agora todos os mestres envolvidos e seus servos invocados lutarão entre si e os vencedores, servo e mestre que restarem, terão em mãos o maior tesouro do universo. O tesouro capaz de realizar a qualquer desejo. -- Disse a segunda encapuzada, com uma voz feminina suave.
-- A Guerra pelo Santo Graal começa! -- Disseram todos os sete em uníssono.
Na manhã seguinte o jovem André acordava em sua cama com os cabelos negros desarrumados e o olhar sonolento, o despertador tocava anunciando que eram dez horas da manhã de segunda-feira e um novo dia estava para começar. Ele escovava os dentes no pequeno banheiro do apartamento pouco espaçoso e arrumava os cabelos em frente ao espelho. Mesmo tendo o sangue da família Tohsaka correndo em suas veias, André não tinha muita noção do que estava acontecendo. Era o filho indesejado, o filho bastardo de Masao com uma brasileira e desde a morte de sua mãe foi mandado ao Japão para viver com o pai, que por não ter uma boa relação acabou indo morar sozinho.
Ser um estrangeiro no Japão poderia não ser fácil, mas Fuyuki era uma exceção e havia um grande número de estrangeiros vivendo na cidade, e estranhamente muitos outros estrangeiros haviam chegado à cidade em massa nas últimas semanas. Isso fazia com que André não se sentisse tão destacado, em sua classe mesmo havia outros três alunos que não eram japoneses além dele: Yani, uma ruiva de origem escocesa que não se socializava muito e tinha fama de esquisita; Jeffray, um norte-americano filho de militar; E Chang, um jovem chinês que era seu melhor amigo desde que se mudou para a Terra do Sol Nascente.
Depois de deixar o pequeno apartamento na zona de Miyamachou, André seguiu para Homurahara Gakuen, escola onde cursava o colegial. No caminho teve um encontro indesejado: Viu um jovem japonês pouco maior que ele e percebeu que se tratava de seu irmão mais velho e filho legítimo da família Tohsaka, Ryo. O irmão estava conversando com dois de seus colegas de classe até seus olhos se encontrarem com os de André que em vão torcia para não ser avistado.
-- Vejam só se não é o meu irmãozinho bastardo!
O tom de voz de Ryo ao referir-se ao irmão sempre saía de maneira pedante e irônica, o que André de fato odiava. O irmão mais velho envolveu o pescoço do irmão mais novo com um dos braços forçando-o um pouco para baixo e em seguida dirigiu-se aos colegas:
-- Vejam só, ele não é esquisito? Baixinho, gordinho e com esses cabelos que mais parecem esponjas de aço. Meu pai me decepcionou ao ter ajudado a fabricar essa aberração.
Os outros estudantes riram com Ryo que empurrou o mais novo no chão em seguida. Olhando-o de cima com a expressão arrogante de sempre na face, o mais velho simplesmente seguiu caminho, aparentemente satisfeito por ter humilhado mais uma vez o irmão. André estava se sentindo humilhado, mas sabia que nada poderia fazer contra o maior. Se ousasse rebelar-se contra o irmão, a família Tohsaka iria certamente cobrar por isso, e infelizmente André não tinha mais com quem contar financeiramente. Não só por questões financeiras, mas sabia que eles eram uma família de magos e suas habilidades mágicas eram bem limitadas, por isso não queria arrumar encrenca com eles, preferia respirar fundo e ignorar as provocações do irmão mais velho. Seguindo essa linha de raciocínio, André levantou-se limpando a poeira de seu uniforme escolar e seguiu o caminho da escola.
Em uma das ruas próximas dali um círculo mágico brilhava no chão e dele começava a ascender uma figura que lembrava bastante um cowboy dos filmes de faroeste americanos. O poder que aquela pessoa emanava era tão intenso que as luzes dos postes começavam a explodir uma a uma até o final da rua. Tratava-se de uma mulher alta que ajeitava o chapéu de couro negro na cabeça com naturalidade enquanto observava a rua deserta ao redor. Ela caminhava para o norte enquanto continuava sua observação até cruzar com dois estudantes que conversavam entre si.
-- Que mulher peituda...
O comentário sutil de um dos garotos com o amigo não escapou dos ouvidos treinados da mulher que imediatamente levantou um dos garotos pelo pescoço, encostando-o na parede de uma das casas. O outro ao ver aquilo apenas saiu correndo deixando o colega para trás.
-- Onde estamos? -- A mulher dirigia-se ao jovem de maneira séria sem desviar os olhos dos do estudante.
-- Fu-fuyuki! Me deixa ir embora! -- Respondeu o garoto em desespero.
-- Fuyuki? Nunca ouvi falar... Aqui não é o México.
-- Claro que não! Aqui é o Japão!
Em espanto com o que o outro disse, a mulher soltou o estudante que imediatamente caiu no chão e fugiu em desespero. Ela levou a mão aos lábios vermelhos e sorriu sutilmente.
-- Não sabia que iria acabar tão longe de casa...
Chegando na escola, assim que pôs os pés no terreno, André foi imediatamente cumprimentado com um soco de leve no braço pelo amigo Chang. Chang Lin era um jovem que nasceu e cresceu na China, mas há alguns anos morava no Japão com a família Matou. André não sabia ao certo os motivos do amigo viver com uma família estranha a qual ele nem mesmo mostrava algum afeto e que aparentemente não tinha nenhuma ligação sanguínea com ele, mas como Chang sempre desviava o assunto quando questionado sobre sua ligação com os Matou, André resolveu parar de tentar entender.
-- Olha só quem está distraído!
-- E aí, Chang, tudo bem?
-- Tudo bem sim, dormi como uma pedra! Quem não parece estar nada bem é você, está com o traseiro todo sujo de poeira.
-- Vou tentar não tirar conclusões precipitadas sobre o motivo de você estar olhando para o meu traseiro...
-- Tá me estranhando, André? Você sabe que o meu negócio são as mulheres maduras, como a Hiromi.
-- Deixa só a Shimada-sensei saber que você fica a chamando pelo primeiro nome como se vocês fossem íntimos...
-- Ainda não somos, mas vamos ficar!
A conversa descontraída dos amigos era interrompida quando Chang avistava a pessoa que motivava o assunto dos dois. Deixando o amigo para trás, o chinês correu na direção da bela mulher que carregava alguns livros nos braços se candidatando a ajuda-la, em resposta a professora sorriu gentilmente e entregou alguns livros para o jovem que caminhava ao lado da mais velha com um sorriso bobo no rosto. André apenas observava tudo de longe suspirando com desdém.
Enquanto isso, os passos da estranha mulher que surgiu na cidade eram observados pelos encapuzados através da esfera de cristal. Uma figura mais alta que os demais se dirigiu ao grupo:
-- Um servo de classe desconhecida acabou de ser invocado!
-- Não, ele não foi invocado. Esse servo simplesmente apareceu do nada! -- Corrigiu a voz feminina.
-- O que será que o Santo Graal pretende?!
Os encapuzados se voltaram em direção à urna de vidro posta sobre a mesa forrada por um tecido vermelho onde uma jovem de cabelos prateados parecia dormir em sono profundo.