Mesma ambientação. Agamenon desce para a plateia.
AGAMENON (agressivo) ? Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor. (com ironia) ? Bem-Estar os cambaus. (enfático) ? U.E. 14! Unidade Educacional 14 de Batatais... Um monte de crianças... (num espanto) ? Mas e os brinquedos? Estão no depósito? (corre para o palco, parada brusca) ? Mas no depósito estão as crianças. Todas amontoadas. (contando os espectadores) ? Um, dois, três, quatro... Celsinho, Carlos Dionísio, Wilsinho, Luciano, Robson, Luizinho, Wanderley, Renato, Mauro, Maurício... (voluptuoso) ? Ah, os gêmeos Mauro e Maurício! (retrospectivo) ? Mauro e Maurício; quero ir ao banheiro. O banheiro do salão está entupido; morro de medo de ir sozinho ao pátio do catecismo. (numa inocência) ? Dizem até que tem lobisomem! (volta-se a realidade) ? Me levaram para o banheiro. Os gêmeos eram mais velhos do que eu. (enojado) ? O cheiro de urina era insuportável. Abaixei o calção e sentei no vaso. Mauro e Maurício me observavam. Não tinha qualquer tipo de papel. Vesti o calção e apertei a descarga. (apreensivo) ? Me virei e os irmãos estavam sem seus calções. (numa ingenuidade) ? Vocês também vão fazer cocô? (imitando os irmãos) ? Queremos você... Queremos cascar com você! (volta-se Agamenon, apreensivo) ? Mas não podemos ?fazer besteira?! É pecado! (assustado) ? Eles me agarraram. Me viraram e me jogaram... Cai de joelhos no chão. Um de cada vez e os dois me pegaram e ficaram atrás de mim como cachorrinhos. Seguraram minha cintura e bate e volta, bate e volta, bate e volta. (numa volúpia) ? Eram gostosos aqueles carinhos que os gêmeos faziam. Só não entendia porque era proibido fazer aquilo que me parecia ser tão saudável. Meu coração disparava. Sempre lembrava os carinhos do doutor Tarses. (volta-se enojado) ? Somente o cheiro de urina podre me incomodava. (volta-se à volúpia) ? Mas como era gostoso ?fazer besteira?... (retomada da consciência, sôfrego) ? Meus ombros doíam e cada vez mais se tornava insuportável continuar debruçado naquele chão fedorento. Me senti mergulhado em merda. (interrupção brusca) ? Chega Mauro! Chega Maurício! (assustado) ? Pode chegar alguém. À noite vocês poder ir até a minha cama. Vai ser bem melhor. (volta-se à realidade) ? Todos dormiam e o Mauro e Maurício foram me visitar de madrugada. Sinto falta de uma família. Pedi para sentar no colo dos gêmeos. Mauro foi a minha mãe e Maurício o meu pai. E eu fui o filhinho deles implorando um pouco de carinho... (volta-se a volúpia) ? Foi bom. ?Cascar? é tão gostoso. É uma dorzinha deliciosa de preenchimento que completa a gente. (pausa brusca, aterrorizado) ? Gostoso nada! (gritando para a plateia) ? Eu não sou BICHA! Bicha é a mãe! (com ironia) ? Mas o Mauro e o Maurício voltavam todas as noites. (fremente) ? Uma semana. (enfático) ? Enjoou. Os irmãos não me queriam mais... Tinha outro menino, mais novo, que também teve medo de ir ao banheiro. Mauro e Maurício me trocaram. Fui caçoado. (com ironia) ? Olha lá vai o feijãozinho... É! O feijãozinho no cu! Todos passaram a me olhar com estranheza... (cantando) ? Feijãozinho, uh, uh, uh! (para alguém da plateia) ? O Mauro e Maurício disseram que ele tem feijãozinho no cu. (cantando, sarcasmo, rebolando) ? Mariquinha, tananá... Menininha, tananá... (enfático) ? Fiquei bravo. Fui traído. Eles me enganaram! (com candura) ? Nunca mais tive os carinhos dos irmãos Mauro e Maurício. Eles foram embora para outro orfanato. Passaram da idade... Fiquei só; abandonado! (interpreta a molecada em perversidade) ? Oh moleque! (aponta para um espectador) ? Você mesmo, ?mãezinha?! Abaixa as calças, senão eu conto para o vigilante. (volta-se a realidade) ? Passei a servir de mulherzinha a todos aqueles meninos necessitados. Eram todos iguais... Xingavam, batiam e, aparentemente me odiavam. Mas nas noites frias e solitárias de Batatais, todos me queriam por perto. Apesar da dor nas noites me sentia útil, me sentia desejado... Dez da noite e me sentia uma cinderela desejada por mais de quarenta príncipes famintos por atenção, chamego e carinhos proibidos. No Natal imploraram para que eu aceitasse o papel de Nossa Senhora para o presépio vivo. Me senti em santidade vestindo o manto, o véu... (excessiva volúpia) - Todos me olhavam como se fosse a melhor ceia sempre disponível para ser devorada... Todos me querem. Todos me desejam. (deita-se no palco, explosão de sensualidade) ? Todos querem se deitar comigo. (num desalento, senta-se) ? Fui embora de lá... Transferência! (nostálgico) ? Apesar de tudo, senti muito ter deixar a minha UE 14.