Parados atrás da roda de conversa estavam dois adolescentes de alturas semelhantes. Instintivamente, Ukyo levantou num pulo e apontou a espada para o pescoço do mais velho.
- Quem são voc... ? O paladino começou.
- Ei ei, calma Ukyo! - Nathan disse, se levantando. ? Eles são mesmo meus irmãos.
- Você tem certeza? ? Ukyo disse, ainda meio agitado com o susto.
- Sim, claro. ? O moreno retrucou.
Devagar, o rapaz abaixou a arma. Ficou alguns segundos calado, e inesperadamente riu, estendendo a mão para os garotos.
- Desculpe por isso. ? ele comentou ? Eu achei que vocês pudessem ser P1?s ou... P2?s.
- Sem problemas. ? o mais baixo disse, apertando a mão do outro ? É perfeitamente compreensível você confundir meu irmão com uma criatura daquelas. Com uma cara dessas, até nossa mãe se assusta de vem em quando.
Zidane e Nilo soltaram risinhos. Ukyo deu um sorrisinho.
- Seu senso de humor me dá lombrigas, Pan. ? Rebateu o ofendido, também apertando a mão de Ukyo. ? A propósito meu nome é Arthur.
- Lúcia.
- Zidane.
- Nilo.
- Ukyo.
Apresentaram-se os outros.
- Então... Nilo começou ? Vocês são mesmo irmãos?
- De fato. ? Pan disse.
- Evidente. ? Arthur concordou.
Nathan fez uma pausa, como se pensasse em uma resposta semelhante a dos irmãos.
- Tipo isso.
- Realmente... Vocês são mesmo parecidos. ? Lúcia comentou, reparando que todos tinham pele morena e cabelos escuros ? Mas, tem diferenças.
- Tem? ? Nilo perguntou.
- É. Todos vocês tem olhos escuros, menos o Lia. Os olhos dele são castanho- claros. ? A mesma respondeu.
Um silêncio repentino veio com a frase. Os parentes se entreolharam, e Lia, continuou sem se manifestar.
- Você disse que a história sobre sua mãe irmã não era bem verdade. E não tinha dito nada sobre esses outros irmãos. ? Ukyo disse observador.
- A história é longa... ? Pan disse, suspirando. ? Mas, antes de contá-la, eu tenho uma pergunta. Onde está o Lia, Nathan?
- Hum? Ali. ? o irmão respondeu, indicando Lia.
- Aquele é... Não... Não pode ser. ? Arthur disse, surpreso. ? Nathan, o Lia só tem doze anos. Como ele pode estar daquele tamanho? Alias, você também está maior. Isso é algum efeito colateral daquela poção que vocês tomaram?
- Sim... ? Nathan confessou.
- Doze?! ? Os outros exclamaram, surpresos. ? Tão novinho assim?
- Yep. ? Pan respondeu.
- Bem... Nesse caso... Você podia ter nos avisado desse efeito, Nathan. Aposto que a Lúcia consegue retardá-lo. ? Zidane disse, indicando a maga.
- Posso sim! Vocês querem que eu...? - Confirmou a garota.
- Sim, por favor. Confesso que esse corpo incomoda.
Lúcia tocou a testa de Nathan, e murmurando algumas palavras, fez o corpo do rapaz brilhar por um instante, antes de voltar ao normal. Agora sua aparência era mais nova, como um garotão de dezoito anos.
- Se eu fosse você eu me pegava. ? Arthur disse, em tom de aprovação.
Mais risos. Enquanto isso, Lúcia andou até Lia, e hesitante, se ajoelhou ao lado dele. Pan e Arthur foram atrás. Como não houve protestos, a menina tratou de tocá-lo logo na testa, e em questão de segundos, o corpo dele estava de um tamanho normal para a idade antes dita.
- Ah, agora é o Lia. ? Pan comentou. ? Foi estranho ver ele mais velho.
- Quantos anos vocês tem, rapazes? ? Lúcia perguntou, com certa curiosidade.
- Quatorze. ? O mais novo disse.
- dezesseis. ? O mais velho disse.
- E suponho que você tenha dezoito. ? Ukyo disse, indicando Nathan.
- Certo. ? confirmou o recém transformado.
- Não me toque! ? a voz de Lia veio de repente.
O resto do grupo se virou (a tirar pelas cópias) e a cena que viram foi essa: Lia sentado com o braço na frente do rosto, como um movimento automático de proteção, e Arthur com a mão estendida, á alguns centímetros do caçula, como se estivesse estado prestes a tocá-lo.
- Eu não ia fazer nada! ? Arthur disse, virado para a ??platéia??. ? Ele estava pálido. Só queria ver se estava frio
- Lia... ? Lúcia disse, colocando devagar a mão no ombro do garoto, temendo que esse não permitisse o seu toque. ? Por que você não quer que seus irmãos toquem em você?
- Eles não são meus... ? Lia começou, mas, Pan o segurou pela camisa antes que pudesse reagir ou terminar de falar.
- Ah, nós somos. Você pode não gostar disso, pode nos odiar ou o que for, mas, não vai conseguir mudar nosso parentesco, Lia. Ou melhor... Calliel! ? Disse com certa raiva.
Ao som daquele nome, Lia pareceu se petrificar. Os olhos se arregalaram, e a expressão agora era de surpresa. A mão que cobria o lugar machucado pareceu apertar com mais força.
- Qual é o problema agora?! Esse nome assusta você? Eu... Não, nós assustamos você, Calliel?! ? Pan continuou, agora segurando a camisa do outro com as duas mãos. ? Você acha que minha mão vai queimar você ou o quê? Desde que a gente se reencontrou você continua negando que é nosso irmão, e eu venho me segurando. Mas, isso já me irritou demais! Então ou você assume logo nosso parentesco... OU EU VOU ME LEMBRAR DOS VELHOS TEMPOS! ? Gritou o outro, largando com uma das mãos a gola de Lia, e levantando-a no ar, como se fosse bater nele.
Agindo quase que em conjunto, Arthur segurou o pulso de Pan, e Nathan puxou Lia para o lado.
- Pan! Qual o seu problema?! É assim que você quer que ele não tenha medo de você? ? O de dezesseis disse, segurando agora a gola do rapaz do mesmo jeito que este fizera com o mais novo.
- O meu problema? Esse garoto é o meu problema! Ele não quer ser da família? ÓTIMO! Eu não me impor... ? Pan gritou de volta, e meio que por acidente, seu olho bateu em Lia. O rapaz ainda estava paralisado. Então, virou os olhos para os braços do irmão, e por baixo das mangas longas que usava, pode notar as feridas que cobriam algumas partes do braço. Foi como levar um tapa na cara. De repente, ele não tinha mais raiva. As memórias dos únicos anos os quais Lia esteve presente lhe vieram à cabeça, e então, Pan finalmente se deu conta do que havia feito. ? Eu... Eu...
Estava tão atordoado com os fatos que mal conseguia formar seu pedido de desculpas.
- Calliel... Quer dizer, Lia... Eu... ? começou, mas, Arthur o sacudiu, e este voltou a encará-lo. ? Me larga. Não vou bater nele.
Antes de ser solto pelo irmão, este o encarou por alguns momentos, até finalmente largar a camisa.
- Lia me desculpe. Eu não sei o que deu em... ? Pan começou, mas, antes que pudesse terminar, Lia pareceu se dar conta que estava praticamente deitado em Nathan, por isso, levantou rápido e saiu do caminho do outro irmão. ? Ei, calma. Eu não vou perder o controle de novo...
Mas o garoto parecia não ouvir. Seu rosto estava pálido, e agora todos podiam ver que ele suava. Pan estava prestes a tentar se aproximar de novo, quando Lúcia interrompeu, aparecendo atrás de Lia, e colocando as mãos sobre seu ombro.
- Desculpe me intrometer, mas... Não acha melhor dar um tempo pro Lia? ? Lúcia disse, dando tapinhas de leve no ombro esquerdo do menino.
- Eu concordo. ? Nathan disse, erguendo a mão direita no ar. Arthur o imitou, e Pan assentiu timidamente.
Depois de alguns minutos, a roda de conversa se reformara, e os outros confessaram como não souberam como agir quando a briga começou. Os únicos fora dela eram Lia e Lúcia, que resolvera ficar perto do garoto, por precaução. Os dois separados estavam em uma clareira perto do local. A missão de libertar a vila acabou por ser adiada até pelo menos o dia seguinte. Afinal, eles tinham suprimentos. Depois de alguma conversa sem empolgação do grupo maior, Ukyo finalmente questionou o relacionamento que os três mais velhos tinham com Lia, e Nathan começou a falar.
-Pra começar, nós não temos nenhuma irmã. E mesmo que ele negue muito, o Lia é realmente parente nosso.
- E... O verdadeiro nome dele é Calliel. ? Pan acrescentou, meio indeciso se devia mesmo ter dito isso.
- Nós somos de uma família de certo prestígio social, por isso nós não fomos exatamente bem criados. Nossa mãe acabou que nos mimando demais, e não tínhamos muitos valores. ? Arthur continuou. ? Ela estava grávida do Lia, quando se envolveu em uma briga com um homem de artes escuras. Ele a questionou pelo modo como nos criava, e como nosso pai estava em viagem, ele ergueu os braços para o céu, e a envolveu com uma fumaça negra. Eu... Estava com ela na hora.
Deu uma pausa.
- Depois disso, ele disse que a criança que nascesse já viria ao mundo marcado pelo mal, e traria vergonha a nossa família. Nossa mãe ficou louca com isso. Digo, não literalmente, mas, ela ficou muito irritada e assustada com essa ??maldição??. Não teve coragem de matar o bebê ainda no nascimento, mas, assim que o Lia nasceu, mandou examiná-lo, para ver se encontravam alguma coisa de errado com ele, algum sinal ruim...
- E acharam. ? Nathan prosseguiu. ? Há mais de dez gerações, não nascia alguém de olhos claros na nossa família. Pode parecer um detalhe bobo, mas, essa foi basicamente a sentença do Lia. Nossos pais os renegaram, e fomos ensinados a fazer o mesmo.
- E ele foi criado com vocês? ? Nilo perguntou.
- Sim. As empregadas tomavam conta dele, mas, foram aconselhadas a não serem muito calorosas. Mas, nós fomos a pior coisa pra ele. ? Ele cobriu o rosto com as mãos, em sinal de desânimo. ? O maltratávamos muito, e não o deixávamos em paz nem por um segundo. Bater, xingar, deixar trancado em algum lugar, obrigar a fazer coisas...Tudo.
- Colocávamos a culpa nele pelas nossas besteiras, e o intimidávamos bastante. E sempre que ele se machucava, era geralmente culpa nossa, mas... Costumávamos bater mais, ou simplesmente fazer medo nele sobre alguma ferida. Uma vez a gente quase afogou ele... ? Arthur disse, em tom de arrependimento.
- Ele realmente tinha medo da gente, e com razão. Nessa época, ele ainda se chamava Calliel. Nossos pais não eram muito melhores do que a gente, mas, principalmente nosso pai. Ele sempre era muito frio com o Lia, e castigava muito ele. Era a pessoa de quem ele mais tinha medo. Até que um dia, ele se machucou sério, e começou a ficar doente. Nessa época eu tinha oito anos. ? Pan contou do mesmo jeito triste dos irmãos. ? Ele precisou ficar dentro da casa, já que ficou realmente mal.
- Ele não ficava dentro da casa? Aonde ele dormia? ? Zidane perguntou, surpreso.
- Em uma espécie de mini cabana do lado de fora. ? Nathan respondeu. ? Mas, prosseguindo... Quando ele ficou daquele jeito, nossa mãe finalmente se apiedou dele. Pediu para nosso pai procurar o homem com quem ela tinha brigado, e disse que estava disposta a pedir desculpas, e a até mesmo implorar para que ele fizesse Lia ficar normal. E ele foi, mas, já haviam se passado cinco dias sem que voltasse, e nossa mãe começou a ficar preocupada. Ah, sim, esqueci de dizer, mas, nós não fazíamos idéia de que éramos parentes do Lia. Achávamos que ele era filho de alguma empregada, ou algo assim. Enfim, mesmo depois de nossa mãe começar a tomar conta do Lia, com ele de cama, não houve muita melhora nele. Estava com medo só por estar perto de nós.
- Meu Deus... ? Ukyo disse.
- Então, no oitavo dia, ele sumiu. E foi nesse dia mesmo que ele chegou, nosso pai. ? Arthur continuou. ? E as notícias não podiam ter sido mais surpreendentes: Ele não havia feito nada com o Lia, a tirar pelo clareamento de seus olhos. O tempo todo, ele fora normal. Isso chocou muito ela. E o mago ainda mandara uma carta, fazendo-a pela primeira vez, refletir, se estava nos criando direito. Depois de mandar pessoas atrás do Lia, ela começou a nos ??desmimar?? e mesmo que a contragosto, começamos a melhorar. Alguns anos se passaram, e mais ou menos há um ano atrás, acharam o Lia em um lugar bem longe.
- Ele aparentemente estava vivendo com outras pessoas, e só conseguimos achar mesmo ele, porque aquele mago permitiu. Por isso, hum... Ela me mandou primeiro, sozinho, pra tentar conversar com ele, já que eu era o mais velho. ? Nathan prosseguiu. ? Os novos pais dele acabaram permitindo que nós conversássemos, já que sabiam que nossa mãe queria o Lia de volta, e que ela tinha mais direitos sobre ele do que eles. Então eu comecei a explicar o que ela tinha me contado há alguns dias: Que éramos irmãos, e que havíamos todos mudados. Que as coisas seriam diferentes, mas ele realmente não queria acreditar em mim. Pelo menos por aquele dia, resolvi tentar voltar no dia seguinte, dessa vez com Arthur. Fizemos isso até o final da semana, chegando ao ponto que Pan veio junto, mas... Continuou sem dar muito certo. Até o dia 22 de outubro.
- Não me diga que... ? Zidane começou.
- Sim. No dia que a guerra se iniciou, estávamos todo com o Lia. ? Nathan disse. ? As explosões começaram, e os pais dele estavam na casa vizinha. Não dava tempo de esperar por eles, senão, íamos acabar sendo atingidos. Eu precisei puxar ele, mas, estava lutando muito pra não ir, então Pan e Arthur acabaram indo atrás deles, e eu consegui levar o Lia. Aí acabamos entrando na resistência e em sinal dos dois... Mas, agora... ? Ele sorriu, indicando os irmãos. ?
- Acabamos aparecendo. ? Respondeu, Pan.
- Éum. ? Disse Arthur.
- Como? ? Ukyo perguntou.
- Gírias, amigo. Gírias.
Ukyo riu, mas, Zidane ainda estava sério.
- Se vocês foram atrás dos pais do Lia... Onde estão eles? ? O ladino perguntou, por fim.
De repente, o rosto dos rapazes estava sombrio. Uma brisa gelada veio, e aquilo bastou de resposta para o menino Lia que ouvia as escondidas. Lúcia se encontrava desmaiada ao chão, enquanto Zero e o garoto caminhavam silenciosamente pela mata fechada.