Não são todos os seres humanos que tem o prazer de viver como queriam... E nem de morrer.
Noite de quinta feira, Júlia voltava de um passeio com a irmã mais velha, estava um pouco tarde para duas meninas tão jovens estarem sozinhas na rua. Mas andavam tranquilamente, atravessando a rua em ziguezague, calmamente... Era uma cidade pacata, Júlia não via ninguém além de sua irmã, Raquel.
Até que, olhando distraída para Raquel, não percebeu um carro que se aproximava em alta velocidade, estava atravessando novamente a rua, naquele sutil ziguezague... Olhou para frente e viu a expressão de susto da irmã. Olhou em volta, estava tudo parado, inclusive o tempo. Sentiu sua mão direita deslizando sobre o aço gélido, e, automaticamente, caminhava até o outro lado da rua, como se estivesse sendo levada. Ouvia apenas um som alto que não conseguiu identificar. Assim que estava segura, próxima de Raquel, ainda de costas para a rua, sentiu o vento agressivo, causado pela velocidade com que aquele motorista passou por elas... Foram para casa, aquele fato foi esquecido.
Anos se passaram e a menina se tornou uma moça. Não se achava bonita, mas também não se achava feia.
Era infeliz, completamente infeliz, lia bastante, escolhendo um personagem qualquer do livro, com o qual mais se identificasse, para fingir ser aquele, e esquecer-se de sua própria vida. Era confundida com estudiosa e dedicada. Não gostava que a vissem assim.