Sentimentos
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Único ato
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Está escuro, muito escuro. E vazio, extremamente vazio. É como o espaço, nada tem, e o que tem não é capaz de suprir o vazio e a escuridão. No meio, sentada abraçando as pernas, estou eu. Escondo o rosto para que não vejas o quanto minha alma sofre, de vazio e de escuridão. Nada tenho, nada posso. É o meu esconderijo secreto, mas ao mesmo tempo o fundo do meu poço. É o meu paraíso, e a minha condenação.
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Ninguém é capaz de quebrar a barreira, atravessar meu sorriso falso e alcançar esse coração que bate e bate só por bater. Seu único serviço, obrigação: me manter viva até o dia da minha condenação. Porque a escuridão do meu coração já tomou posse por completo, e ninguém é capaz de quebrá-la.
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Porque morrer nunca foi a solução, e viver nunca foi uma escolha: é um dever, cujo não posso escapar. Levanto os olhos e vejo flashes da minha vida passar lentamente e reconheço que sempre foi assim, ou talvez antes estivesse escondida toda a dor e a escuridão. Ah! Mas quão bom seria que continuasse escondida! Assim eu poderia sorrir e manter bem escondido meus verdadeiros sentimentos e dores. Mas quem sou eu para falar de sentimentos? Alguém que já destruiu tantos corações hipócritas que não aceitaram que não fossem capazes de tirar-me de minha maldição?
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Meus olhos extremamente negros e opacos não refletem a luz do dia, pois não existe luz em meu interior. Tudo se resume a solidão e tristeza. Mas quantas pessoas questionaram porque meus olhos são desse jeito e não pude responder? Ou talvez não soubesse como!
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As lágrimas que rolam de meus olhos são amargas e geladas, nada mais digno para alguém que afundou seu coração em águas negras; águas essas que escondem segredos em suas profundezas, e um desses segredos é o meu coração.
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Amor? Quem sabe um dia alguém tenha o suficiente para penetrar meu duro casco. Ah! Mas muitos tentaram! É a minha condenação ver as pessoas aproximarem-se com esperanças, mas algum tempo depois afastarem-se de cabeça baixa, balançando a cabeça e sussurrando para quem tanto torcia por elas que não conseguiram livrar-me do meu mal. Meu mal, já estamos tão íntimos assim?
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Talvez seja meu destino, ver as pessoas sorrirem e brincarem enquanto eu forço meus lábios a soltarem um sorriso, ou até mesmo forço minha boca a soltar uma boa gargalhada. Isso é para não perturbar os que observam-me. Nunca vi uma tal pessoa mais observada que eu. Todos os olhos esperando um mero sorriso para sorrirem aliviados. Todos são muito inocentes! Como se a deusa da atuação não pudesse enganá-los!
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Quantos já caíram na minha armadilha? Acreditaram no meu sorriso? Mataram meu coração com suas alegrias? Machucaram meus olhos com suas luzes? Não é à toa que sei exatamente quando é um verdadeiro sorriso e um verdadeiro olhar.
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Enquanto todos correm de um lado para o outro, enchendo suas vidas de preocupações e atividades relaxantes, eu estou lá, sentada abraçando minhas pernas, no canto mais escuro do meu coração; já cansada de esperar um brilho aconchegante que tire-me de minha miserável e tosca solidão. Mas enquanto minha salvação não chega observo vocês humanos brincarem com suas vidas e as dos outros como se não fossem nada.
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Apenas esperando meu último suspiro, ou talvez nem ele eu tenha o privilégio de ter.