Subsistência

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    Capítulo 4

    O grito do submundo

    Ninguém poderia me tirar a vida, não assim, não era justo. Então, como que tomado por uma fúria, nadei até a superfície, empurrando aquela mão horrenda devolta para cima. Não queria morrer, não ainda.

    Ao emergir, deixei aquele mundo vermelho e vi o céu branco, pude então respirar, e finalmente vi a criatura que me segurava e me impelia àquele mar de sangue. Era enorme, deformada como que pelo fogo. Uma fera na postura de um homem. Seus olhos eram vermelhos como brasa ao vento, seu rosto era quase uma caveira negra, como se não lhe restasse muita pele ou carne, suas cavidades nasais eram escuras, profundas, e seus dentes, grandes e afiados.

    Me vi em meio a um estranho torpor, paralisado, em frente aquele ser, que me fitava com ódio. O mar de sangue desapareceu, e só restara o branco de antes, então a criatura me apanhou com ambas as mãos, me rasgando lentamente com suas garras negras no peito e nas costas.

    A princípio, não gritei, nem pela dor, nem pelo medo. Entrei em choque, e só via aqueles olhos de fogo e puro ódio. Então, despertei meus sentidos, tinha que me libertar daquelas mãos. Segurava inutilmente aquelas garras tentando me desvencilhar, quando percebi.

    Não havia mais o branco de antes ao meu redor. O cenário tomava a forma de algo familiar, era meu quarto.

    - Um sonho... - resmunguei, em meio aos gemidos de dor, e notei que jazia em minha cama.

    O peso e a dor daquele aperto não desaparecia. Havia algo errado, ele ainda estava lá. Pendurado no teto, como se ali encontrasse seu apoio, como se fosse para ele o solo em que deveria pisar. As mãos em meu corpo, ainda me pressionando, os braços longos e finos, esqueléticos esticados ao longo do quarto.

    Era o meu quarto, definitivamente era o meu quarto. Tive a certeza de que não se tratava mais de um sonho, no entanto, lá estava ele, mais horrendo e assustador do que antes, pois desta vez era real.

    Me entreguei ao desespero, com todas as forças de meus pulmões gritei, bradando, com impetuosidade todo o meu medo, ódio e desprezo, por aquela criatura, esperando que daquela forma pudesse espulsá-la para longe de mim, mandando-a devolta para o inferno ou qualquer lugar que a tivesse deixado escapar. E ela me respondeu do mesmo modo, com um grito ensurdecedor, escancarando a bocarra fétida mais perto do meu rosto do que de fato desejei. Seu hálito queimava minha pele, seus olhos eram nada além de puro ódio.

    Então, seu grito, que mais parecia um rosnado feroz, desapareceu juntamente com ele, que atravessou o teto como se nada estivesse ali para impedí-lo de subir, e fiquei ali, sentado em minha cama, de boca aberta e com a garganta ainda forçando um grito que parecia nunca ter saído de minha boca.


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