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Escrever ou receber uma dedicatória transforma um momento simples em algo imprevisível e especial logo que abrimos as primeiras páginas de um livro. As dedicatórias impressas ou escritas à mão tornaram-se comuns em várias publicações, repletas de intimidade e testemunhando diferentes relações.
Na literatura brasileira, textos produzidos por Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto representam bem esse aspecto. Segundo Juscelino Pernambuco,Professor em Linguística e Literatura Portuguesa da Universidade de Franca, no interior de São Paulo, esses autores, seja na obra em prosa ou em versos, têm em comum um olhar irônico sobre o homem e imprimiram na criação literária a marca da expressão verbal em harmonia com a sua visão de mundo.
DEDICATÓRIAS FAMOSAS
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o personagem de Machado de Assis deixa a clássica dedicatória, uma saudosa lembrança ao verme que irá devorar suas frias carnes.?A atmosfera romanesca começa a se delinear já por essa dedicatória do defunto-autor.Se os vivos fazem dedicatórias, por que os mortos não haveriam de fazê-las?Machado deixou, como marca, uma forma de preparar o leitor para compreender melhor o sentido da obra?, frisa Pernambuco.
Drummond preparava dedicatórias em verso e guardava todas de forma meticulosa e compulsiva. Em A Rosa do Povo, ao presentear Rosita de Souza, escreveu: ?A Deus peço em meigo tom,como quem pede uma cousa,que prepare um ano bom para Rosita de Souza?.
Dedicatória de Guimarães Rosa no livro Sagarana para o amigo Luis Edmundo
João Cabral de Melo Neto levava a sério as dedicatórias e lançou sua Antologia Poética como uma afirmação de vínculo. ?Ele se distingue dos demais pela economia de palavras, mas não deixou de dedicar algumas de suas obras a amigos como Drummond, Manuel Bandeira e Augusto de Campos?, explica Juscelino Pernambuco, também autor do livro De bem com a língua, de bem com a vida: Crônicas linguístico-literárias e do romance Um laço, um anzol.
Guimarães Rosa deu provas de amor à esposa ao dedicar-lhe Grande Sertão: Veredas: ?A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro?. A obra, traduzida em diversas línguas, causou impacto na literatura brasileira pelas inovações formais e por retratar de forma pura certos temas.
OUTRAS ASPAS
Drummond deixou como herança literária,em três cadernos de anotações, 295 dedicatórias para amigos e familiares, sendo 229 inéditas,escritas entre 1951 e 1968. O acervo organizado pelo Instituto Moreira Salles (IMS)originou Versos de Circunstância, livro que reúne quase 400 fac-símiles das páginas amareladas dos cadernos.
?Poeta magro, livro magrinho, sobrepairando os horizontes, ofertam seu melhor carinho ao bom casal de Martins Fontes?, escreveu Drummond em dedicatória à escritora Lygia Fagundes Telles e a seu marido.O IMS,na sequência lançou, Alguma poesia - O Livro em seu Tempo e Uma Pedra no meio do Caminho - Biografia de um Poema, completando três volumes com as dedicatórias.
Em 1965, Guimarães Rosa revelou o quanto gostava da escritora paraense Eneida de Moraes. Dedicou-lhe a terceira edição de Noites do Sertão com ?Querida, querida, querida, e o (gato) JOS?. Colocou dois pontos e fez o desenho de um gato de costas e de uma estrela, acrescentando: ?homenagem do grato, grato, grato (gato) Guimarães Rosa?. O gato era uma obsessão do escritor.
João Cabral de Mello Neto, em um exemplar de Museu de Tudo (1975), escreveu: "A Carlos Drummond de Andrade, seu sempre discípulo (embora mau), João Cabral de Melo Neto". Em Sevilha Andando(1989), dedicou à esposa Marly de Oliveira, escrevendo apenas ?Para Marly?. Em Cão sem plumas(1952): ?A Joaquim Cardozo, poeta do [rio] Capibaribe? e em A educação pela pedra (1966): ?A Manuel Bandeira, esta antilira para seus oitent´anos?.
Machado de Assis recebeu várias dedicatórias ao longo da vida. Elas foram reunidas em 2008 na homenagem ?Machado Vive: Dedicatórias?. A exposição da Academia Brasileira de Letras (ABL) virou álbum de luxo, considerado obra rara com 68 dedicatórias.