Aquele menino, de doze anos, com o olhar abatido, face lívida de certa melancolia mórbida, não jazera mais em sua casa, agora o céu era seu teto, e o chão era o seu alicerce que o mantinha em pé. Depois de uma morte traumatizante, agora só sua alma habitava aquele local, ao lado de uma lápide de Haldis aquela pobre alma penava em busca de paz.
Agora ele estava com a mente perturbada, pensamentos confusos e memórias apagadas, mas ele sabia quem era, tinha o conhecimento de si mesmo, sabia que não pertencia àquele mundo.
Alguns viajantes passavam pelo caminho ao lado do obelisco de Haldis, mas logo eram abordados pelo espírito inoportuno, que vinha em direção dos viageiros soltando seus gritos e berros de horror os assustando, todos passavam, mas ninguém ficava, e ele permaneceria abandonado condenado à solidão eterna.
Até que certo dia uma menina se aproximou do local, como era de costume a criatura veio correndo em sua direção, nem ele sabia por que assustava as pessoas, ele queria pedir ajuda, mas só sabia berrar e aterrorizar quem por ali passava, pois suas palavras não saiam de sua boca ao invés disso apenas um urro sádico.
Ao se aproximar da menina uma surpresa, ela não demostrou medo com o berro da alma penada, apenas um susto passageiro, seguido de uma voz meiga e doce de uma menininha de dez anos:
- Você me assustou menino.
Visivelmente impressionado o menino pergunta:
- Você não está com medo de mim?
- Claro que não, porque estaria?
Ele se calou, não podia acreditar, pela primeira vez conseguira pronunciar palavras, das outras vezes o som soava em meio a berros e gritos, se impressionava mais ainda com aquela menina de cabelos negros que não se intimidava com sua presença, ao contrário ela podia estar até confortável com aquela situação, mas o que o perturbava era aquele olhar vazio, olhos negros miravam o vácuo em meio à situação toda.
- Meu nome é Nina, e o seu?
O menino olhou ligeiramente para ela, não sabia o que dizer, por mais que tentasse lembrar ele havia esquecido sua vida como humano, havia esquecido até seu próprio nome, não conseguia inventar nada, correu os olhos pelo lugar tentando achar alguma referência, e finalmente pode avistar a lápide, o monumento que cultuava o espírito de pedra, como um sinal lembrou apenas de uma palavra, então respondeu:
- Haldis!
- Bonito nome Haldis, então você vai me dizer por que eu devo ter medo de você?
Ele pensou, e antes que pudesse responder ela ainda conclui:
- Sou cega, mas nem por isso fico com medo à toa.
A revelação abateu a face do espírito do menino, agora tudo se encaixava, Nina não podia temê-lo, pois não sabia que Hadis era uma alma penada, ela nem imaginava que aquela criatura já não pertencia mais ao seu mundo. Em um momento de descuido ele pensou em falar a verdade, revelaria sua identidade, mas hesitou, pois era a primeira vez que um humano falara com ele, e aquela menina cega poderia mostrar a luz para ele, Nina era sua única chance para encontrar a paz, e mentiria para ela até obter o que queria. Então ele sorriu e disse.
- Não queria te assustar, eu quero ser apenas o seu amigo.