- Shimizo!
Como de costume, despertei com aquela voz me chamando.
- Shimizo! Seu preguiçoso! Até quando pretende ficar dormindo?
Meus olhos ardiam, em verdade, não tinha pegado no sono até poucas horas antes.
- Levante-se, tenho de sair e você precisa cuidar de seu irmão, sabe o que ele apronta quando fica sozinho.
Era minha mãe. Não gostava de me ver acordar tão tarde. Mas por não conseguir pegar no sono à noite, a manhã era tudo que tinha. Exceto, é claro, quando ela me acordava antes. Talvez eu fosse mesmo um preguiçoso, mas o que poderia fazer? Um garoto de dezesseis anos que mal podia dormir sem a ajuda de medicamentos. Meus pesadelos eram fortes demais, minha mãe acreditava que eles tivessem ido embora, mas eles estavam lá, toda noite, cada vez mais intensos.
Não queria perturbá-la com isso, já tinha problemas demais para ter de se preoculpar com um filho depressivo e estranho. Logo que apontei na porta, ela beijou meu irmão e saiu. Olhei para o meu pequeno irmãozinho, os olhos espertos de um garotinho de pouco mais de um ano. Meu pai havia morrido fazia dois meses. Sorte de Shinji ser tão jovem, mal sentiu a dor da perda. Não era esse o caso, para mim e para minha mãe, e apesar de saber o quanto ela devia estar abalada, era incrível a força que demonstrava.
Shinji sorriu para mim e me pediu colo. Quase chorei naquele instante, eram os mesmos olhos de meu pai.
Em verdade, não era a perda recente que havia despertado os pesadelos, mas desde então, se tornavam mais terríveis a cada noite.
- Shimizo, vamos dar uma volta?
Ele sorriu e limpou sua mãozinha babada em meu rosto.
Desci todos os andares de escada. O elevador estava em manutenção outra vez, ''porcaria de prédio'', pensei.
Passei com Shinji em frente a banca de jornais, era triste, mas a manchete da morte de meu pai provavelmente ainda estava lá, ''suicídio''. Um homem com uma vida financeira razoável, e uma família consideravelmente normal. Ninguém na cidade podia entender suas razões, tão pouco eu e minha mãe.
Voltei de metrô, mal percebi que havia ido tão longe. Shinji caminhara uns poucos passos, o resto do tempo, esteve em meu colo, o cansaço me obrigou a pagar para chegar em casa antes que minha mãe voltasse. Shinji brincava no banco do metrô ao meu lado, enquanto que eu, me distraía com a janela. Sempre as mesmas imagens, passando como um filme acelerado. Então ao entrar no túnel, a janela escureceu, como sempre. Me perdi em pensamentos. Vaguei naquelas sombras.
- Maldito!
Estremeci, olhei em volta, ninguém olhava para mim ou sequer parecia ter percebido aquela voz.
- Você vai ser o próximo!