Desejo
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Trecho único
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Em certa manhã, Fernando acordou e desejou ter uma namorada. Ao virar para o outro lado na cama, se deparou com uma linda moça.
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Fernando desejou ter um carro do ano, bonito, para poder desfilar pelas ruas sorrindo. No dia seguinte havia um novinho em sua garagem.
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Quando passou por um sufoco em sua vida econômica, desejou ter dinheiro, e assim aconteceu.
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Fernando entendeu que tudo o que ele desejava acontecia, então desejou receber uma promoção em seu emprego.
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Com a certeza de que tudo que queria, teria, contou para sua esposa que era abençoado pelos deuses.
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A moça riu, afirmando quem era mais fácil ele ser o bichinho de estimação deles. Fernando nada comentou.
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Dia vai, dia vem, e Fernando aproveitava de seus desejos.
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Desejou poder, sabedoria, respeito. E, como sempre, os deuses lhe concediam seus desejos.
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Até que, um dia, Fernando recebeu a notícia de que sua mãe havia falecido. Confiante de que os deuses lhe atenderiam, desejou que ela voltasse a viver, mas não foi atendido.
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Irritado, Fernando amaldiçoou os deuses, e disse que preferia morrer a ficar sem sua "velha".
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Alguns meses depois descobriu que estava com uma doença terminal. Suplicou ajoelhado, chorando como um menino, mas não foi respondido.
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Os deuses haviam se cansado, um bichinho de estimação ingrato não merecia a benevolência deles.
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E ainda haviam sido generosos em lhe conceder um último desejo?
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Já à beira da morte, Fernando novamente tentou. Pediu dessa vez sem choro, sem súplica. Seu único resquício de esperança lhe dava forças para fechar os olhos e pedir com sinceridade, com todo seu coração.
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E ele ouviu. Ouviu o riso debochado dos deuses, eles lhe sussurravam: "Havíamos sido legais com você, e o que ganhamos?"
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E caíram no silêncio.
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Se amaldiçoando por ter sido tão estúpido, calou-se e nada mais falou até seu último minuto de vida.
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E uma voz suave lhe soou aos ouvidos: "Não podemos trazer os mortos à vida, mas você nos insultou não com seu pedido, mas sim com seu tom de voz exigente. Fazíamos porque queríamos."
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E, enquanto sentia a morte lhe rondar, Fernando fez tudo o que poderia fazer no momento. A coisa mais importante, e que ele havia esquecido.
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"Me desculpem por minha arrogância e insensibilidade. Agradeço por tudo que me deram, aprendi a minha lição?"
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Mas já era tarde demais para ele?
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Pobre Fernando.
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Teve a oportunidade de ter tudo que quisesse, mas não soube administrar.
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Sua língua lhe levara a ter seu futuro arrancado de suas mãos, e ainda deixou a dor para trás?
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A bela moça, esposa de Fernando, ao descobrir que estava grávida, agradeceu aos deuses pelo presente.
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Com toda a alegria cuidava da criança em seu ventre, se alimentando bem e não ingerindo coisas que o pudessem afetar.
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Mas o pecado de Fernando não havia parado nele, os deuses eram vingativos e cruéis.
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Aquele era o fruto de seu amor para com seu esposo.
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Mas, alguns poucos meses depois, a moça teve um aborto espontâneo natimorto.
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Chocada, machucada e ferida, ela chorou copiosamente na maca do hospital.
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E desejou nunca ter conhecido Fernando, para não ter que passar por tudo aquilo.
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Seu desejo foi realizado quando, depois de acordar de um desmaio, a moça já não se lembrava de um dia ter se casado?