Existem dois tipos de mentira, afinal.

Os passos de Nicolau eram bem profundos, sem nenhum motivo em especial. A tarde caía, e a noite logo chegava devagar para segurá-la. Talvez por coincidência, talvez pelo destino, o rapaz seguia pelo mesmo caminho laranja que a menina antes andava. Em certo momento, o caminho se dividiu em alguns, como se desse crias, cada um com uma cor diferente. O garoto sentou-se, sem seguir para nenhum, e colocou a garota que não se chamava dezembro no chão.

- Se tudo der certo... ? comentou, tirando um cachimbo de madeira do bolso, o qual começou a fumar de uma maneira diferente da qual conhecemos como normal. O que saía do instrumento de fumo não era fumaça cinzenta, mas, sim uma (vindo dele era até esperado) amarronzada.

Ele sentou, recostando-se em um tronco qualquer, não vivo como o Antônio, mas, uma árvore muda. Vez ou outra a fumaça do cachimbo formava formas inesperadas, como dragões ou navios. O sol se despedia devagar, o que pela mitologia, queria dizer que Ártemis se preparava para guiar a noite. Então, finalmente aconteceu. Dizem que quando se está destinado a seguir por um caminho, cedo ou tarde ele vai se colocar diante de você. Vai praticamente se curvar, e lhe estender a mão, te convidando a seguir em frente. As vezes você precisa desistir de algumas coisas para seguir por ele, mas, é preciso fazer isso sem arrependimentos, e não olhar para trás, senão, não só o caminho vai perceber que você não o quer, como vai perdê-lo para sempre, assim como Orfeu fez com Euridice. Por isso, nessa hora, umas das estradas (já chega da palavra com ??C??, não?) brilhou um pouco mais do que as outras, e as pálpebras da menina se abriram de novo. Em momentos como esse, fome e sono não fazem diferença, porque você percebe que esse tipo de coisa só acontece uma vez com cada pessoa, se ela tiver sorte. A maioria passa direto, sem reparar um brilhinho a mais, mas, naquela hora, toda a rejeição sentida antes evaporara, e ela colocou os pés nus sobre o caminho iluminado (pelo visto ela voltou.).

- Então era verdade, afinal. ? Nicolau disse, se levantando de repente. ? Você não é um sonho e nem uma muda. E o caminho da madrugada brilhou para você.

- Ah, Nico. ? ela disse, com certa surpresa. Tinha se esquecido de que o garoto estava lá. Talvez nem tenha notado antes.

Infelizmente, o espanto causado pelo brilho repentino do caminho passou rápido, e a amargura causada pelo estranho, porém familiar, sentimento de rejeição voltou. Ela podia não conhecer muitas coisas, por sempre ter ficado na exótica caverna, mas, era claro que aquele lugar era diferente do suposto normal, e agora, ela não conseguia nem ao menos aproveitar-se disso. Olhos bonitos como os dela ficam tristes nesses momentos. O rapaz se adiantou, e agachando-se ao lado dela, sabiamente soprou com o cachimbo uma nuvem de fumaça que mais lembrava ela mesma rodopiando. O encanto da cena fez, com sutileza, a tristeza adormecer de novo, pelo menos por enquanto.

Após algum tempo fazendo formas com o material de fumo, Nicolau se pôs de pé, e tirou o objeto dos lábios. Guardou-o no bolso, e colocou os óculos sobre os olhos.

- Então, vamos em frente?

- Ah...! ? ela acabara de se lembrar de todas as dúvidas que tinha. Mas, quando ela abriu a boca para falar, Nico se ajoelhou a sua frente, e disse rapidamente, prevendo um falatório:

- Eu sei que você não sabe porque está aqui, e deve estar entupida até o pâncreas de perguntas, mas, vamos pelo menor chegar ao fim da madrugada, para que você as faça, tudo bem?

- M... ? ela quase questionou, mas, acabou por lembrar de uma lição, esquecida no fundo da memória. ?? É bom saber se adaptar a situação??. ? Tudo bem em ser desse jeito. ? era uma mentira, já que ela queria saber logo, e a fome a irritava, mas, outra lição cintilava em sua memória: ?? O ruim não é a mentira. É o motivo pelo qual ela é contada. Quem decide se vai proteger ou em enganar... É você. ??

E ela resolvera mentir. Só não tinha certeza se o enganava ou protegia. Se o protegia, era da verdade? Da falta de educação?

Caminhavam em silêncio profundo pelo tal chamado ?? caminho da madrugada??. No chão havia uma linda pintura da noite, com tudo que se tem direito: Lua, estrelas, constelações... Era uma arte muito bonita. Mas, o que mais a surpreendeu, é que acima de todos aqueles elementos da fase escura do dia, havia uma menina, que muito lembrava ela mesma.

Deu certa importância ao fato.