Capítulo modificado 13/03/2014
Como sempre lá estava ele sobre o salgueiro olhando o Jardim. Seu olhar era de preocupação, já que notou que algo estava muito errado ali. Não sentia as outras ilusões. Ficou de pé sobre um galho na copa da árvore, colocou a mão esticada encostada na testa e semi cerrou os olhos, onde aquela presença estranha estava agora? Olhou ao redor procurando, mas a única coisa que viu foi mariposas voando. Um sentimento de medo e perigo invadiu seu corpo da cabeça aos pés, medo era um sentimento de proteção, agora ele sabia que estava em perigo.
Desceu habilmente os galhos grossos da árvore, pulando de galho em galho. Era um salgueiro maior que o normal, tinha mais de 200 anos porém não era a árvore mais velha do Jardim. Existia uma mais velha que todas. Ficou por alguns minutos pendurado em um galho seguindo com os olhos as mariposas. Elas pareciam estar rondando o lugar que ele estava, porém nenhuma delas se aproximava. O barulho que suas asas produziam era mais alto e irritante que o normal, voavam em sincronia fazendo desenhos nos céus. Alguns dos desenhos pareciam formar uma rachadura e a partir dessa rachadura uma figura estranha, uniforme e intrigante.
Já no chão o Amor correu em busca de abrigo, mas forçando-se a parar ele olhou para trás. O amor é protetor, por que então iria abandonar seu mundo? Olhou para trás, para o salgueiro, para aquele estranho céu tão cativante, não podia ir. Para onde iria? Ilusões não podiam sair, até onde se sabia todas tinham morrido ao tentarem acompanhar seu criador. Então, de onde estava voltou a observar os estranhos insetos. Um deles voava baixo, não acompanhava o resto do bando. Uma de suas asas estava machucada, aquela seria a mariposa mais fraca? O Amor correu em sua direção, já que ela estava bem afastada das outras. Ele deu um pulo e a pegou com as mãos, a criatura começou a bater freneticamente as asas tentando escapar.
Ela derreteu.
Transformando-se em uma estranha e pegajosa gosma, a mariposa encheu a mão da ilusão. Era uma pequena quantidade de gosma, que foi ficando mais volumosa. Tinha tanto que pingos caiam no chão, e quando entrava em contato com o solo deixava uma mancha preta fosca. Tirava a vida daquele pequeno pedaço de chão. Enojado com a visão, o Amor balançou a mão na tentativa de se livrar daquela coisa. Estava ofegante, confuso e com medo. A gosma que não queria sair da sua mão foi subindo até o punho, sua pele negra foi tornando-se avermelhada com o toque da substancia.
Estranhas linhas escarlate foram surgindo onde a gosma já tinha tomado, faziam curvas para dentro e no centro se enrolavam. Na parte superior das curvas outras linhas saiam, fazendo sempre o mesmo desenho. A gosma subiu por todo o ante braço esquerdo, tendo quinze desenhos. A cada desenho que se formava, o rosto do Amor era tomado pela dor. Ele estava perdendo as forças.
Já com o braço esquerdo totalmente tomado, ele avistou as mariposas se juntarem. Mariposa a mariposa foram dando forma a uma silhueta e depois a um homem de capa e cabeça de cabra.
- Ora ora vejo que ainda não morreu. – Hiver comentou mostrando uma falsa tristeza. – Quanto mais resistir, mais irá doer.
Então as estranhas mariposas eram a estranha presença de mais cedo. Com a mão direita o homem segurava o ombro que ainda não tinha sido tomado. Sentia uma dor insuportável, mas não gritava e nem suplicava para o outro parar. Não iria se rebaixar. Em vez disso, investiu na direção de Hiver demonstrando confiança e raiva. Desferindo chutes e socos no outro, o Amor contava com a vitória.
- Sabe o que é mais divertido nisso? – indagou Hiver desviando dos ataques do outro, foi então que segurou a perna do Amor que estava vindo contra a seu rosto. – É que eu posso produzir mais!
A gosma que anteriormente tinha caído no chão começou a brotar. Pequenas bolhas foram saindo da terra e explodindo, tinham a tonalidade de um vermelho vivo, eram quentes e pegajosas. Logo tudo ao redor deles estava morto e preto. Aquela parte estava melancólica e deprimente, nada comparado ao que a ilusão estava acostumada. O cheiro de gente morta começou a ser exalada pelo solo, tomando as narinas do Amor que foi derrubado e caiu no chão como um pedaço de madeira oca.
Cravava as unhas no chão e se arrastava, a cada centímetro que conseguia se afastar, Hiver se aproximava. Por causa da máscara era impossível ver sua feição, ele estava com um sorriso sádico nos lábios. Tinha prazer em ver o sofrimento daquela pobre e abandonada criatura. O cabeça de cabra estava do lado da ilusão e então olhou para baixo com desdém.
- Um lindo sentimento, mas sem nenhum fundamento. – afirmou enquanto se abaixava e puxava a ilusão pelos cabelos. – Um sentimento fraco, mas forte quando se tem algo a proteger. Espere – ele deu uma pausa e levantou o rosto do Amor com a mão livre para que olhasse em seus olhos – você não tem o que proteger.
Tomado quase totalmente, ele gritava insultos que não podiam ser ouvidos. Suas palavras queimavam e as cinzas eram levadas pelo vento. Não podia fazer nada. O corpo estava todo tomado pelos estranhos desenhos que exalavam uma fumaça pesada que não conseguia subir, por esse motivo o local que estavam foi preenchido de vermelho.
Os olhos negros se arregalaram, a boca se abriu, seu rosto estava sendo tomado. O globo ocular lentamente foi sendo preenchido pela gosma, ali formou desenhos menores que os outros. Hiver o largou e ficou maravilhado com a obra de arte, ainda viva, que tinha criado.
Olhando para o céu que parecia estar começando a desmoronar, Laurant contou mentalmente quantas faltavam e perguntou-se onde estaria El. Perdeu o contato com a boneca assim que entrou no jardim. Aquele lugar escondia forças ocultas que iam muito além dos seus poderes. Perguntou-se se ela estaria bem e mentalmente saudável.
- Tomei o papel de vilão para te ajudar querida, El. – murmurou olhando para o Amor morto e então desapareceu.