Os pesados portões de trás da penitenciária se fecharam atrás de si. Enfim, respirava a tão sonhada liberdade, após vários meses de batalhas judiciais travadas pelo seu advogado para garantir que não ficaria no xadrez por muito tempo. Já não aguentava mais a vida no xilindró. Ainda mais em se tratando de um xilindró tupiniquim, mesmo com todas as regalias que lhe eram ?ajeitadas?.
Mas o que importava é que finalmente estava livre. Nisso, um carro preto, aparentando ser novo, parou em frente ao recém-libertado homem loiro que tinha cerca de 40 anos, com físico atarracado. Assim que a porta do carro se abriu, convidando-o a entrar, ele sorriu.
Tudo havia corrido do jeito que ele queria. Sem imprensa, sem enxeridos, sem revoltosos. Saíra discretamente, enquanto toda aquela gente estava na porta da frente esperando feito um monte de idiotas. O homem entrou no carro após colocar os poucos pertences no porta-malas.
O carro seguiu caminho até um luxuoso condomínio, porém, no meio do caminho o automóvel parou abruptamente. A porta do motorista se abriu, permitindo a saída de um rapaz completamente apavorado. Da porta do passageiro também saiu outro homem apavorado, que abriu a porta de trás do veículo. Deparou-se com o ex-detento caído desacordado no banco de trás.
O homem não teve dúvidas: com as mãos trêmulas e tomado pelo pânico do momento, pegou o telefone celular e ligou para a polícia.
*
- É um assassinato bem peculiar, não concorda Karina?
- Parece que não estamos lidando com um assassino comum. ? ela respondeu ao perito, após este prestar relatório. ? Quem matou aquele cara já sabia os passos dele. Como era o nome do homem mesmo?
- Klaus Ritter. Ele tinha acabado de sair da prisão graças a um alvará de soltura, por conta de uma liberdade condicional.
- Ah, sim, aquele que tinha sido condenado por estupro e assassinato de uma garota de 16 anos, não é? Aquele que retalhou a menina no final?
- Esse mesmo. O mais estranho foi que encontramos este envelope ao lado do cadáver.
Karina recebeu das mãos do perito William o dito envelope. Abriu-o com cuidado e de dentro dele retirou um bilhete bastante estranho.
- ?K??
- ?K?, o quê? ? William perguntou.
- Simplesmente está escrito um ?K?. ? Karina mostrou o tal bilhete ao perito. ? Melhor dizendo, está colado um ?K?.
- É uma pista meio vaga.
- Muito vaga, na verdade.
A detetive olhou mais atentamente o papel e o virou para olhar no verso. Percebeu que o verso estava selado e descolou a parte dobrada, que revelou mais coisas:
??Killer?, assassino, matador,
Não importa o que digam que sou.
Sou ?Kira?, o ceifador,
E entrando em ação agora eu estou.?
- Parece que nosso assassino é um poeta, William. ? ela disse após ler o texto que também fora ?escrito? com letras recortadas. ? E tenho a sensação de que ele é um sério candidato a serial killer.
- O que é ?Kira??
- Não faço muita ideia. ? Karina respondeu. ? Mas vamos descobrir.
*
Karina, ao fim de sua jornada de trabalho, saiu da delegacia com o tal bilhete ainda na cabeça, mesmo tendo-o copiado para investigar a estranha morte de Klaus Ritter. Filho de alemães radicados no Brasil, Klaus ganhou notoriedade ao ser condenado por três estupros, um deles resultando em morte e esquartejamento de uma adolescente de 16 anos. Deveria continuar na cadeia, mas graças a manobras jurídicas e a um comportamento de ?santo?, conseguiu liberdade condicional.
Mas pelo jeito a liberdade durou apenas alguns minutos...
Desativou o alarme do carro azul e entrou, para já seguir para casa. Karina era detetive há pouco tempo e esse era o primeiro caso estranho que vinha às suas mãos. Aos 30 anos de idade, não era o tipo de profissional de destaque na Polícia, apesar de sua eficiência em desvendar casos menores e sem muita repercussão.
Seus olhos seguiam atentos ao trânsito paulistano normalmente caótico, mas que, pelo horário, até que fluía bem por não ser horário de pico. Devido ao tempo a mais por conta do assassinato de Klaus Ritter, saíra às nove da noite da delegacia. A morena parou num semáforo fechado e ligou o som para relaxar. Nada de sertanejo universitário, nada que seja moda no momento. Conectou o pen drive e começou a tocar o bom e velho rock clássico para dar uma ?desestressada?.
Mesmo assim, o tal bilhete não saía da sua cabeça. As músicas dos Beatles não conseguiam tirar aquele poema estranho da sua mente. Percorreu todo o caminho para casa com aquelas palavras na sua cabeça.
??Killer?, assassino, matador,
Não importa o que digam que sou.
Sou ?Kira?, o ceifador,
E entrando em ação agora eu estou.?
Será que o autor do bilhete e do assassinato correria o risco de ser realmente um serial killer? E tinha a sensação de que já havia ouvido a palavra ?Kira? em algum lugar. Apertou o pequeno controle do seu chaveiro, que abriu o portão de sua casa. Manobrou o carro para dentro da garagem enquanto o portão se fechava.
Saiu do carro e o travou, ativando o alarme. E nada do tal poema sair da cabeça, além da informação de que Klaus Ritter fora morto por uma agulhada possivelmente de algum veneno lançado por uma zarabatana. Fora essa a teoria inicial que a perícia concluiu assim que terminaram de examinar o cadáver.
Destrancou a porta e adentrou a sua casa, acendendo a luz da sala e deixando em cima do sofá o notebook, o celular e as chaves. Foi tomar banho e em seguida jantar, ao mesmo tempo em que assistia ao noticiário da TV. O misterioso assassinato de Klaus Ritter repercutia até em rede nacional.
Quando viu a si mesma dando entrevista, recriminou-se por ter gaguejado várias vezes. Mas, oras, nunca tinha ficado na frente de uma câmera de TV antes! E nem imaginava que tal crime iria repercutir tanto.
A razão da repercussão era a suspeita que havia de a vítima ter sido envenenada à distância. A perícia não havia encontrado outra teoria mais verossímil do que essa. Se o tal bilhete encontrado em um envelope junto ao corpo da vítima fosse revelado, a repercussão seria ainda maior.
O som da porta se abrindo a tirou de seus pensamentos sobre o caso do qual começara a cuidar. Era sua prima que voltava da aula do cursinho pré-vestibular. Catarina chegava e já se sentava no sofá ao lado de Karina. A jovem tinha 18 anos recém-completados e cabelo tingido de vermelho. Estava se preparando para prestar vestibular para arquitetura e trabalhava meio expediente em uma loja no bairro Liberdade.
- E então, Karina, como é pegar um caso de repercussão nacional pra investigar? ? perguntou.
- Bem cansativo e não sai da minha cabeça. Estou com um caso digno de Agatha Christie nas mãos, uma morte possivelmente por tiro de zarabatana e um bilhete com poema. E isso não dá uma pista clara sobre o assassino.
- É bem estranho mesmo. ? Catarina arqueou a sobrancelha. ? Espero que dê pra encontrar mais pistas.
- Eu também espero, Catarina. ? Karina se esparramou no sofá enquanto zapeava a TV com o controle. ? A única coisa que posso afirmar é que o assassino pode ser um tipo de justiceiro.
Nisso, o celular de Karina tocou. E, vendo quem era na tela do telefone, atendeu imediatamente:
- Alô? Sim, aqui é a detetive Karina. Outro assassinato? Como é que é, William? A vítima foi baleada e tem um envelope junto ao corpo como foi com o Klaus Ritter? Ok, já estou indo! Chego aí em 20 minutos!
Karina desligou o telefone e logo foi se trocar. Assim que voltou à sala para pegar seus pertences, Catarina lhe perguntou:
- Tem a ver com o caso que você tá investigando?
- Parece que sim. Tô indo ao local do crime agora!
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