|
Tempo estimado de leitura: 34 minutos
16 |
? Sim. Ela olha pra você a maioria do tempo, como se soubesse que você está tramando algo. Mas ela também está de olho em Olga.
? Isso é ótimo! Mas já suspeitava que eu fosse o alvo principal dela, mas mesmo assim. Se ela também desconfia de Olga, eu tenho chances de ter a confiança dela. ? Depois de algum tempo de conversa, o sinal soou e as meninas deitaram-se. Franky contou quanto tempo demorava até que uma inspetora chegasse e quanto tempo ela demorava a se afastar do quarto. Isso se baseando no barulho que as botas pretas de borracha faziam. Mas essa noite Franky não conseguiu não dormir. Aos poucos ela pegou no sono.
Uma semana depois, Francesca estava com muitas informações. Ela conseguiu calcular certo o tempo que as inspetoras demoravam em passar nos corredores e quanto tempo elas ficavam. Tudo isso ela tinha anotado em um papel. Com o tempo, ela também conseguiu perceber que a inspetora chefe ficava no corredor dos banheiros a noite. Aquela janela devia ser um escape muito fácil. Francesca levantou, em uma das noites, fingindo dor de barriga e foi levada até o banheiro. Percebeu a inspetora chefe parada em frente à grande janela de vidro. Duas inspetoras monitoravam os corredores dos quartos. Esta noite seria uma tentativa de fuga. Ela e Esme tentariam sair pela janela do banheiro. Estava tudo projetado.
? Esme, você está pronta? ? perguntou em voz baixa durante a aula de ciências. Esme concordou com a cabeça.
As duas não haviam feito nada de errado durante a semana e os olhares das inspetoras, incluindo a chefe, haviam diminuído. Olga era mais problemática agora. Sentia-se acima de todas as outras e era espalhafatosa, Anetta não gostava daquilo, dava para ver.
Francesca passou o dia todo nervosa. Seu estômago embrulhava toda vez que ela pensava em como seria. Elas estavam contando com o dinheiro que suas famílias enviavam todos os meses para que elas comessem, mas não esperariam até lá. Juntando o dinheiro das duas, tinham cento e vinte francos, o que não era muito, mas daria uma passagem de trem.
Depois do banho, as meninas entraram para seus quartos. Franky e Esme arrumaram suas roupas em uma única mochila. Pegaram comida que haviam guardado e esconderam embaixo da cama. O sinal soou novamente e as luzes apagaram-se.
? Para onde vamos?
? Quando eu estava vindo para cá com minha tia, percebi que a estação fica bem perto, nem um quilometro de distância e há um túnel por onde o trem passa. Ele é bem extenso e não tem perigo se irmos pelos cantos. Mas Esme, você quer mesmo fazer isso?
? Sim.
? Estava pensando em ir para Paris. O que você acha?
? Magnífico! Sempre quis ir a Paris.
? O trem leva mais ou menos quatro horas de Bordeaux até Paris. Espero que consigamos chegar sem que ninguém nos alcance. Quando chegarmos a Paris tenho um conhecido. Morei lá antes de vir para Bordeaux. Tenho certeza que se ajudarmos ele com o trabalho ele nos deixará ficar na pensão.
? Pensão?
? Sim. Mais tarde te explico. Finja que está dormindo e boa sorte.
? Sim. Boa sorte para você também, Franky.
Alguns minutos depois a inspetora abriu a porta do quarto e verificou se as duas estavam na cama. Francesca estava quase cuspindo o coração pela boca. Seus dedos não conseguiam parar quietos e seu estômago estava comprimindo-se a cada inspiração e expiração.
Meia hora depois, Franky não ouvia mais os passos da inspetora. Ela levantou-se de vagar e caminhou até a porta. Abriu a porta com o maior cuidado.
? Pegue a mochila e venha atrás de mim.
Nada estava as colocando em perigo. Franky segurava um pedaço de sarrafo de madeira que tinha arrancado das hastes da cama. Estava tão nervosa que chegava a tremer. Seus olhos lacrimejaram, mas ela espantou o medo e se manteve firme, pois não era apenas ela que estava em risco, mas Esme também.
Ela alcançou o isqueiro que Esme havia pegado da cozinha dois dias atrás e verificou se estava funcionando. Engoliu seco, mas continuou. Dali para frente seria mais difícil e ela teria de manter a calma para não assustar Esme que já estava com medo de ser pega.
Ela segurou a mão da amiga e disse apenas mexendo os lábios: ?Nós conseguiremos. Estou contando com você.? Esme confirmou apertando a mão de Franky. Logo após disso, Francesca olhou para o corredor. Uma inspetora dobrava para o lado de outro corredor que dava para os aposentos do segundo ano. Francesca voltou e respirou fundo.
? No três nós vamos.
? Certo. ? Franky contou até três nos dedos e olhando para Esme para tentar ter mais um pouco de coragem. Respirou fundo novamente e dobrou para a cantina. Uma inspetora estava sentada ao lado da porta da cantina em uma cadeira.
Na noite passada, Francesca confirmou que Olga sempre levantava para ir ao banheiro e levava as devidas punições, como chibatadas nas palmas das mãos. Ela tinha a bexiga frouxa. Outro dia, Franky e Esme haviam pensado em como assustar Olga quando ela saísse para ir ao banheiro. Josephine, a colega de quarto de Olga, que tinha sido acusada pela mesma, concordou em ajudar. As meninas conseguiram um galho grosso e com aparência parecida com a de uma cobra. Elas pintaram-no durante a aula de artes e Josephine colocaria o mesmo na cama de Olga e quando ela acordasse faria o maior escândalo. As meninas perguntaram a Josephine se ela queria ir embora, mas ela não podia. Sua família estava apenas em uma crise e ela não conseguiria os abandonar de jeito nenhum.
As duas esconderam-se ao lado do armário
? Ela já devia ter gritado. ? falou Esme em tom baixo. Francesca fez um gesto com a mão para que ela ficasse quieta. Momentos depois as duas prensaram seus corpos contra a parede. O grito de Olga inundou o corredor e a inspetora que estava sentada correu para o corredor.
? Agora temos que ser rápidas. Elas provavelmente entrarão em todos os outros quartos.
? De qualquer forma coloquei as cobertas por cima dos nossos travesseiros.
? Vamos. ? As duas avançaram até a cantina. Entrando na cozinha, foram o mais rápidas que conseguiram sem fazer barulho. Quando Francesca foi alcançar o isqueiro no bolso do casaco, sentiu suas mãos suando e o deixou escorregar para baixo do balcão.
? Merda!