Capítulo Único
Inevitable
Aquele era para ser apenas mais um dia normal para mim, mas não era. Acordei alguns minutos antes de o despertador tocar e não consegui mais dormir.
Um sentimento estranho assolava minha alma, era como se me avisasse que algo iria acontecer.
Nunca acreditei no sobrenatural, aquela coisa de avisos de que algo ruim irá acontecer. Não, sempre fui muito prático e realista. Por isso, ignorei aquele sentimento estranho e levantei, indo até a cozinha e tomando um copo d'água.
Era estranho? Ontem o jornal havia dito que o dia seria quente como estava sendo ultimamente, mas porque então eu estava tremendo de frio vestindo apenas uma bermuda folgada, que usava para dormir?
E a resposta só poderia ser a mais óbvia: a meteorologia errou e feio! O dia estava nublado, frio e com nuvens no céu. Aquele dia que o seu maior desejo é passar o dia inteiro deitado na cama, embaixo das cobertas, ou simplesmente dormindo.
Funguei, colocando o copo dentro da pia, o silêncio da casa me rodeava. Meu pai estava numa viagem à negócios, e minha mãe, que trabalhava e fazia sua segunda faculdade, já saíra de casa há muito. Mas eu estava acostumado àquele sentimento de abandono, e a única coisa que poderia me ajudar estava ao meu alcance, e iria até tal coisa.
Caminhando pé ante pé, calmamente, entrei no banheiro. Tomei um banho relaxante que me ajudou a acordar das poucas horas dormidas, graças ao meu mais novo vício: o jogo de aventura que ganhei essa semana de minha mãe. E graças a ela meu PSP se tornou parte de mim.
Ao abrir a porta do banheiro, aquele clima frio me atingiu como mil agulhas afiadas perfurando-me. Eu havia esquecido a roupa e teria que ir até o quarto só de toalha.
Vencendo a vontade de continuar dentro do banheiro, caminhei rapidamente até o quarto e vesti meu uniforme escolar de inverno, sendo ele uma calça e blusão preto com o brasão do colégio na frente, do lado esquerdo, a camisa branca e o sapato preto social, e a gravata negra, o uniforme era a marca registrada da Academia Luknsforld.
Peguei minha mala com o material da escola, o cachecol negro que ganhara de meu melhor amigo e o videogame portátil com pressa, olhando para o relógio e constatando que já era hora de ir, demorei demais no banho!
O caminho até a estação foi calmo, onde algumas pessoas, apressadas, passavam ao meu lado vestindo aquelas roupas de frio, algumas conversando no celular, outras perdidas em seus próprios pensamentos.
Ao chegar na estação logo meu trem chegou, e ao entrar, pude constatar que havia poucas pessoas, mas que logo iria encher. Outra coisa que notei foi que meu amigo não estava lá. Estranhei, nós sempre íamos juntos!
Concentrei-me em meu novo jogo e lá fiquei, distraído, só voltei a mim quando a voz eletrônica avisou que minha estação chegara, e com certa dificuldade por causa do grande número de pessoas no vagão, consegui sair ? quando foi que ficou tão cheio o trem mesmo?
De sorte que o colégio era perto da estação, e em poucos minutos já estava andando pelos corredores extremamente limpos e de cor clara. Os poucos alunos conversando em grupinhos indicava que havia chegado cedo ? no horário que me acostumara a chegar depois de fazer amizade com ele.
Entrando em minha sala silenciosamente, alguns olhares se dirigiram à mim. Meus cabelos negros e muito lisos chamavam sempre a atenção das pessoas ? principalmente das garotas ?, e isso era algo que eu odiava. E meus olhos violeta, aquele tom escuro de azul, e a pele quase branca muito contribuíam, para meu infinito desgosto, claro.
Ignorando os olhares sobre mim, sentei em meu lugar. Tirei de um bolso de minha maleta um pequeno livro e me pus a ler, era sobre uma pesquisa inglesa, que muito me chamara a atenção.
Segundos e minutos se passavam e eu continuei lá, concentrado em minha leitura, até a professora entrar na sala e anunciar o começo das aulas.
? Ryan Makeyce ? chamou a professora, atraindo o meu olhar para si ?, sabe dizer porque Liam Arnoldiz não está presente? Vejo-os sempre juntos! ? comentou.
Eu direcionei meus olhos à cadeira ao lado da minha para constatar que ela estava vazia. Onde estava Liam? Ele nunca faltara no colégio!
? Senhora Eloise, creio que algo sério tenha acontecido para que Liam faltasse, mas infelizmente não sei o que houve ? respondi simplesmente, a professora apenas afirmou com a cabeça, continuando o que antes fazia.
Eu realmente não sabia, mas não deixara de me preocupar com o meu melhor amigo, que era considerado o mais nerd da classe e nunca faltava.
Eu e Liam nos tornamos amigos pois, por coincidência, acabamos sentando um ao lado do outro. Fora Liam quem me fizera começar a chegar mais cedo ao colégio, já que sempre era o último antes do professor a chegar.
Deixando de lado pensamentos alheios, me concentrei na aula, de nada adiantaria ficar pensando nele, pois isso não faria ele aparecer sentado em sua cadeira. A monotonia de sempre nas explicações e um exercício/teste de conhecimento foi o conteúdo da aula, e o sinal bateu informando a troca de professores.
E qual foi a minha surpresa quando um certo ruivo de olhos verdes, um pouco mais baixo que eu, entrou sorrateiramente pela porta e sentou na única carteira vazia, atraindo todos os olhares curiosos para si, menos os meus, pois saiba que, no fim, ele me contaria o que houve.
Quando o professor de biologia entrou na sala, todos direcionaram seus olhares a ele, mas os cochichos não pararam, e as outras aulas se resumiram a isso: o Liam mais quieto que o normal, eu esperando pacientemente a resposta do meu amigo, alunos trocando sussurros a respeito do atraso do Arnoldiz e professores resmungando que os alunos estavam inquietos demais.
? O que houve para você faltar pela primeira vez durante meses, Liam? Não vai mesmo me contar? ? perguntei, com as mãos no bolso da calça.
O intervalo entre as aulas do dia havia começado e eu segui Liam que fora ao terraço do colégio. O ruivo estava muito quieto, ao ponto de não conversar nada comigo desde que chegara, e ainda, quando não fazia lição fitava o nada distraído.
O óculos fino e quadrado, de armação verde, foi tirado dos olhos, e Liam os coçava, como se pensando. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas estava preocupado com o meu melhor amigo.
? Eu me atrasei e não consegui chegar para a primeira aula ? respondeu ele simplesmente, limpando a lente ótica com um paninho branco que carregava no bolso.
? Se não quer me contar, tudo bem, não vou insistir ? dei de ombros, virando e me preparando para ir embora.
Sabia que o outro mentia. Sabia que Liam sempre acordava uma hora antes da hora que deveria acordar para não chegar atrasado. Sabia que ele não conseguia mentir olhando nos olhos da pessoa, por isso, quando ia mentir, fazia algo que lhe obrigasse a não encarar a pessoa à frente.
Dei alguns passos em direção à porta que levava de volta às salas, mas algo segurou meu punho, impedindo-me de prosseguir. Virei o rosto para ver o que já imaginava: Liam quem me segurava, mas me surpreendi ao ver o ruivo? chorar.
? Nã-Não me deixe sozinho? Ryan? Po-Por favor! ? suplicou, soluçando.
? Se não quiser contar o que houve, tudo bem, mas não minta, ok? Prefiro não saber o que houve a ouvir uma mentira! ? comentei, recebendo como resposta um aceno positivo do ruivo. ? Venha, vou lhe comprar um suco.
E me virei, voltando para dentro do colégio, mas dessa vez acompanhado de meu amigo que sorria feliz e limpava as lágrimas.
Depois daquele dia, toda a nossa rotina voltou ao normal, Liam chegava mais cedo que eu, como sempre acontecia.
Com o tempo, todos esqueceram do acontecido, mas eu, que não conseguia tirar da cabeça o motivo do meu amigo não ter me contado, não esqueci.
Todos os dias que se seguiram àquele foram frios, antes de uma sequência de dias chuvosos e desanimadores abaterem a cidade. E foi em um desses dias que eu descobri algo que me surpreendeu?
? Ryan! ? ouvi meu pai me chamar, o som vinha da escada, alguns segundos depois eu apareci lhe encarando. ? Vá até a loja de conveniência e compre aquele suco que sua mãe gosta ? mandou.
? Pai, tá chovendo e já é mais de onze horas, por que eu tenho que ir até a loja de conveniência? ? perguntei, entediado. Por que meu pai sempre tinha que inventar uma?
? Pare de reclamar e vá antes que fique muito tarde. Eu comprei tudo para fazer aquele bolo pra ela, mas esqueci o suco, e ela só toma aquele, você sabe ? comentou e foi na direção da cozinha, não deixando eu com outra alternativa a não ser ir.
Xingando mentalmente os céus por me amaldiçoar tanto, vesti meu casaco, um tênis e peguei o guarda-chuva, saindo rapidamente. A loja de conveniências não era muito longe, mas por causa da chuva forte, estava com pressa para voltar logo para casa.
Caminhava com uma mão no bolso e a outra segurando o cabo do guarda-chuva negro, o capuz da blusa erguido escondia parte de meu rosto.
Os passos rápidos na noite fria e chuvosa era o único barulho nas ruas, não havia mais ninguém por ali, mas era fácil imaginar o motivo.
Eu andava perdido em meus pensamentos pensando em coisas banais, mas repentinamente parei. Meus olhos se focaram numa loja em um pequeno beco onde alguns jovens se escondiam da chuva e? usavam droga.
? Tsc. Não chegarão a lugar algum ? murmurei baixo, me preparando para continuar meu caminho, mas um ponto vermelho me chamou a atenção e forçando as vistas, distingui os fios ruivos parcialmente escondidos pelo capuz.
Não conseguia acreditar, não podia!
Mas a confirmação veio no momento que o jovem virou-se para falar com o outro ao lado, deixando o rosto exposto aos meus olhos. Era?. Era?.Liam!
Temendo que o outro me visse, segui meu caminho até a loja de conveniência, e ao chegar, deixei meu guarda-chuva num carrinho já posto na entrada da loja com esse propósito e entrei, caminhando rapidamente até o corredor dos sucos de caixinha e parando, me encostando na prateleira.
Não conseguia acreditar? Não podia? Não era possível?
Mas meus olhos não me enganariam, e praticamente não existiam pessoas de cabelo ruivo naquela cidade, fora Liam e sua família.
O que meu melhor amigo estava fazendo no meio de jovens se drogando?
Não, por que meu melhor amigo estava se drogando? Sim, ele estava!
Não conseguia acreditar! Liam sempre fora saudável, um menino alegre e sorridente, bom com as pessoas, tinha uma vida boa? Será que algo havia acontecido em sua família?
Confuso e preocupado, peguei o suco que minha mãe gostava e me dirigi ao caixa, pagando e saindo, dando a volta e indo pelo outro lado apenas para não ver a cena novamente.
No dia seguinte Liam agiu normalmente comigo, como se nada tivesse acontecido na noite anterior, o que muito me preocupou. Há quanto tempo meu melhor amigo estava usando drogas e eu não sabia?
Os dias iam passando lentamente, e eu cada vez mais me preocupava com meu amigo que emagrecera um pouco e aparecia sempre de cachecol ? embora tenha contado para mim, no verão, que odiava usar cachecol.
Minha preocupação era tanta que, na primeira oportunidade, decidi tentar tirar a verdade do meu amigo, e a oportunidade veio quando precisamos fazer um trabalho em dupla na minha casa.
? Liam, vou te fazer uma pergunta e quero que me responda ? pedi sério, trancando disfarçadamente a porta do quarto e colocando a chave no bolso, para meu amigo não fugir
? Claro, o que houve Ryan? ? Perguntou ele, brincando com um enfeite que estava ao lado do meu computador.
? Por que está usando cachecol? ? perguntei seco e direto, vi as mãos dele tremerem por segundos e um suspiro disfarçado fugir de seus lábios.
? Porque está frio ? disse simplesmente, de costas para mim.
? Mentira! Você disse que odiava cachecol e que não iria usar mesmo se estivesse dez graus negativos! ? acusei, em tom um pouco mais alto para intimidá-lo.
? Mas está muito frio ? desconversou, olhando para a janela.
? Liam, me conte a verdade ? pedi, dando a volta e me aproximando dele, mas Liam correu pelo outro lado e pegou sua mochila, correndo até a porta e girando a maçaneta, mas estava trancada.
Pude ver que o desespero se apossou dele, pois mexia na maçanete com insistência, tentando abrir a porta.
? Não vai funcionar, eu a tranquei ? comentei, entediado.
? Por favor Ryan, me deixe ir, por favor! ? pediu, com lágrimas nos olhos.
? Não adianta chorar, você não sai daqui até me contar! ? declarei, sentando em minha cama e encarando as costas do meu melhor amigo, que ainda tentava abrir a porta.
? Você disse que não me forçaria a falar! ? gritou, acusando-me.
? Isso foi até eu te ver num beco com caras que não prestam! ? gritei também, assustando ele que me encarou, incrédulo.
? Vo-Você? você? você-cê? ? gaguejou Liam, perdido e temeroso.
? Por que não me contou o que estava acontecendo? ? perguntei, manso.
? Você ficaria com nojo de mim ? sussurrou, encarando o chão.
? Nojo de você? Eu não sou seu amigo, Liam? Por que eu iria ter nojo de você? Eu tentaria te ajudar! ? exclamei, eufórico. ? Venha, sente aqui na cama e me conte o que houve!
Hesitante, mas obediente, Liam colocou a mochila no chão e se aproximou da cama, sentando.
? Você promete que não vai parar de falar comigo depois de ver e ouvir o que aconteceu? ? perguntou ele, me deixando ainda mais preocupado.
? Claro que não, sou seu amigo! ? declarei, incitando-o a continuar.
Liam suspirou e levantou, tirando lentamente toda a sua roupa, ficando apenas de cueca. Cada vez que ele tirava uma peça, mais eu me surpreendia. Ele estava mais magro do que eu havia notado, haviam marcas, muitas marcas em seu corpo e cicatrizes em pontos que eram perigosos, como pulso, pescoço e em uma das pernas que possuía a veia principal do coração.
Seu corpo estava cheio de hematomas e seu pescoço estava roxo, muito forte, o que me alarmou.
? Por Deus, o que houve com você Liam? Porque está com uma parte da perna enfaixada? E esses hematomas, machucados e marcas? ? perguntei, alarmado.
Ele hesitou, mordeu o lábio, torceu os dedos, encarou todas as paredes do quarto, o chão, o teto, até conseguir coragem e começar a falar:
? O meu pai me estuprou dois dias seguidos, o fim de semana completo, sem parar. Eu tentei me matar, me jogando na frente de um carro, por isso estou com a perna enfaixada e os cortes foram feitos com uma faca, mas, mesmo conseguindo cortar, não morri, apenas perdi muito sangue ? ele respondeu, fechando os olhos. Eu fiquei fitando-o incrédulo.
Ele havia sido estuprado, ele havia tentado se matar, ele havia se jogado na frente de um carro? as coisas faziam sentido.
? A droga? ? comecei, mas não consegui terminar.
? Estava tentando esquecer o que estava acontecendo, chegando tarde em casa, às vezes só indo quando meu pai não estava, mas mesmo assim... ? os olhos dele se encheram de lágrimas.
? Mesmo assim? ? incentivei-o, sabia que era difícil para ele, mas precisava saber tudo.
? Mesmo assim, ele ainda continua abusando de mim ? e eu vi meu melhor amigo se desmanchar em lágrimas.
Ele estava realmente passando por um momento difícil e eu não poderia ficar de braços cruzados sem fazer nada, mas o que poderia fazer? Não sabia ao certo como ajudá-lo, mas uma ideia me veio à mente.
? Liam, se vista e deite, tente descansar. Vou buscar um copo de chocolate quente e pensar num jeito de te ajudar ? o vi confirmar com a cabeça e começar a recolocar suas roupas antes de sair do quarto e ir preparar a bebida para ele.
? Pai, você melhor que qualquer um sabe que não sou de te pedir favores ? falei, calmamente.
Estava sentado na mesa, de frente para o meu pai, que me encarava curioso. De fato, eu dificilmente pedia algo para meus pais, já que ambos me davam mesada, então o que precisava comprava com esse dinheiro, inclusive meu PSP foi comprado com a mesada de alguns meses.
? Vamos Ryan, diga logo ou vou morrer de curiosidade! ? exclamou ele, excitado.
? Um amigo meu pode morar naquele quarto de hóspedes ao lado do meu? ? perguntei de uma vez, surpreendendo-o.
Bem, essa era a minha ideia: trazer o Liam para cá, para morar comigo, já que seu pai abusava dele sem a mãe saber, ele não tinha para onde ir.
? Ryan, como assim?
? Pai, aquele meu amigo Liam, o ruivo, está sendo abusado pelo pai e não pode continuar morando em casa, por isso estava pensando se ele não pode ficar por aqui. Eu divido a minha mesada com ele para suprir os gastos e ele pode ficar naquele antigo quarto de hóspedes, já que não tem nada lá ? comentei, torcendo para ele aceitar.
? Filho, é uma responsabilidade muito grande. Tem noção do que está fazendo? ? perguntou, meu pai parecia preocupado.
? Pai, ele é maior de idade, já responde por si mesmo. Se quiser eu posso pedir para ele mostrar as marcas físicas, estão realmente muito profundas ? comentei, eufórico, precisava que ele aceitasse ou teria que apelar para um plano B.
? Eu vou conversar com a sua mãe, ok? ? disse ele, meio aéreo.
? Mas ele pode, ao menos, dormir aqui hoje? ? perguntei, com um pouco de esperança.
? Sim, ele pode ? comentou e se levantou, me deixando sozinho na cozinha remoendo minha ansiedade contida.
Agora era só esperar!
? Ei Liam, não vai acompanhar-nos até aquele lugar hoje? Você não foi ontem, estranhei ? comentou uma voz atrás de nós.
Estávamos no colégio, na realidade, indo para a minha casa. Havia desafiado Liam num jogo de videogame e ele aceitou, estávamos indo jogar.
Ao ouvir a voz atrás de nós, Liam mordeu o lábio inferior se virando, acompanhei-o para dar de cara com três gangsters vestindo roupas estranhas, o loiro parecia ser o líder.
? Nã-Não, não poderei ir hoje, Louis ? gaguejou, arqueie a sobrancelha.
? Qual é, Liam! Você estava indo muito bem cheirando o pózinho ? zoou rindo, batendo a mão na mão de um dos comparsas, comemorando a frase dita.
? Olha, peço que não mais importunem o Liam, ele não irá mais acompanhá-los nisso, então deixem-no em paz! ? rosnei irritado, estranhamento o loiro riu.
? Ele não pode fugir, todos irão saber que ele é um veado viciado! ? comentou o loiro rindo, fazendo os amigos rirem.
? Escuta aqui! ? gritei avançando nele, mas Liam me segurou e quando encarei-o, balançou a cabeça negativamente.
? Vamos pra casa Ryan ? ele pediu e eu me calei, dei uma boa olhada para o gângster que deu de ombros virando.
? Sabe aonde eu fico, só que a partir de agora será o dobro do preço pra você, te espero lá! ? e se foi como se nada tivesse acontecido.
? Sujeitinho arrogante hein! ? reclamei, fitando as costas do loiro se distanciando.
? Esqueça-o, vamos pra sua casa ? disse Liam, eu apenas confirmei.
Um clima tenso rondava a sala, onde, em um sofá, meu pai e minha mãe estavam sentados e, no outro, estava eu e o Liam. Eu encarava-os com insistência enquanto meu amigo se mantinha de cabeça baixa. Estávamos sentados aqui fazia uns dez minutos, apenas nos fitando.
Agora era o momento, o tão esperado momento em que meus pais declarariam se Liam poderia ficar em casa ou não.
? Então, mas você acha que isso pode ajudá-lo, filho? ? perguntou minha mãe, indecisa.
? Creio que será bom para você, não Liam? ? perguntei, encarando meu amigo.
? Si-Sim, a-acho que se eu ficar longe do abusador, conseguirei me afastar das drogas ? ele comentou.
? O que acha? ? minha mãe perguntou ao meu pai.
? Não sei se essa é a melhor solução ? comentou, calmo, encarando Liam com atenção ?, ?procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti.?
Pois é, meu pai, aliás, os dois, são amantes de leitura, e sempre gravam frases na mente, para serem usadas em momentos oportunos.
? ?Não ter vícios não acrescenta nada à virtude.? ? declarou minha mãe. ? Não tenho nada a perder e será bom para o meu filho, que não ficará mais tão sozinho, então, por mim, você pode ficar ? anunciou sorrindo, todos os olhares se dirigiram à meu pai.
? Mi casa és su casa! ? disse, sorrindo. Abri um enorme sorriso e encarei meu amigo, que parecia perdido em seus pensamentos.
Agarrei seus ombros e chacoalhei-o, para trazê-lo de volta à realidade e ambos sorrimos um para o outro felizes.
Depois daquele dia, eu e Liam passamos a morar juntos, a dividir a comida e o videogame. Aos poucos ele conseguiu superar seus traumas, mas às vezes chora de madrugada, acho que tem pesadelos.
No ano seguinte ingressamos na mesma faculdade, ele em medicina e eu advocacia, nos mudamos para um apartamento perto da facu e dividimos o aluguel.
Meus pais? Bem, com o passar do tempo, eles acabaram até adotando Liam como um filho, e nos tornamos irmãos de consideração muito próximos.
Ele me contou em detalhes tudo o que aconteceu naqueles dias infernais, e foi a primeira vez que eu abracei alguém. Fiquei realmente comovido e senti o quanto ele precisava de apoio para se manter em pé.
Ele passou um tempo se cortando, cortava em lugares que dava para esconder, mas eu acabei descobrindo e lhe ajudando a superar, eu passei a fazê-lo dar valor à sua vida, e todo aquele sangue que ele perdia se cortando, foi trocado para doação, sim, acabamos descobrindo que ambos temos sangues raros, e naquele tempo nos tornamos doadores.
Eu me orgulho de mim mesmo e não me arrependo de o ter trazido para a minha casa. Tivemos problemas com seu pai e a matrícula na faculdade, mas meus pais provaram que ele viveu o último ano conosco.
? ?Todo prazer é um vício, porque buscar um prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz!? ? ditou Liam, deitado na cama ao lado da minha.
? Não, não vou deixar você beber novamente só porque te faz esquecer de seus problemas como médico! ? murmurei, concentrado em meu livro de descrição de casos demorados.
? Mas eu preciso relaxar, vida de médico não é fácil! ? reclamou ele, fazendo manha.
? Vá até o banheiro, encha a banheira e entre. Descobrirá que é muito relaxante.
E meu melhor amigo foi, amaldiçoando todos os deuses existentes e me xingando, claro. Mas isso era o melhor pra ele, e disso ele tinha plena consciência.