Incompletos

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    18
    Capítulos:

    Capítulo 5

    A Tempestade

    Hentai, Nudez, Sexo

    Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.

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    INCOMPLETOS

    Chiisana Hana

    Beta-reader: Nina Neviani

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    Capítulo V - A Tempestade

    O desejo de ver Shiryu todos os dias preenchia a mente de Shunrei de tal forma que ela começou a se sentir culpada por já não pensar tanto no avô. Ansiava pela hora de trabalhar, na expectativa de eventualmente ver o rapaz, e ainda mais pela hora do jantar, quando ele, religiosamente, aparecia no restaurante. Não podiam trocar mais do que poucas palavras nessa hora, mas a simples presença dele alegrava-lhe o dia, e quando ele insistiu mais uma vez para levá-la para casa no final do expediente ela não pôde recusar, mesmo achando que devia fazê-lo.

    Ao longo da semana, apreciaram mutuamente os preciosos minutos que passaram juntos durante o trajeto até a casa de Shunrei, onde puderam descobrir várias coisas um sobre o outro, e onde Shiryu falou pela primeira vez sobre o que sentira quando seus pais adotivos, que o tiraram do orfanato quando ele já não esperava mais sair de lá, morreram num acidente automobilístico. Só então Shunrei compreendeu que ele não estava brincando quando disse saber como ela se sentiu com perda do avô.

    Na noite de terça, combinaram um passeio para o dia seguinte, quando Shunrei estaria de folga. E na quarta, perto da hora de ir buscá-la, Shiryu subiu a montanha a pé, analisando durante a subida por que tipo de mudanças estava passando durante sua permanência em Rozan e, principalmente, quando estava com Shunrei. Certamente algo vinha mudando em seu interior há tempos, pois as decisões mais difíceis - separar-se de Claire e deixar o emprego - já haviam sido tomadas, mas ali tudo era mais intenso e ele estava se abrindo para o mundo mais rapidamente do que esperava. Sempre fora bastante reservado, especialmente com relação a estranhos, mas ali ele abaixava a guarda, conseguia falar abertamente, principalmente com Shunrei.

    ? Shunrei... ? repetiu o nome dela em voz baixa. ? Será que ela provoca isso em mim? ? indagou-se, e a pergunta não saiu de sua cabeça até ele perceber que a resposta era inevitavelmente positiva.

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    Shunrei acordou cedo, tomou um banho demorado, penteou os cabelos e arrumou os fios numa trança que depois enrolou, criando um bonito coque atrás da cabeça, o qual prendeu com um elástico. Vestiu um conjunto de calça e túnica verdes que achava particularmente bonito e cujo forro era quente o suficiente para o frio que fazia. Na cozinha, pegou um pote com biscoitos que fizera no dia anterior e pôs numa sacolinha de pano florido. Depois, sentou-se à porta para esperar Shiryu. Seu coração disparou ao avistá-lo, e quando se cumprimentaram com um abraço, ela desejou que o rapaz não percebesse a reação que causara.

    Começaram a descer a montanha pela escadaria, combinando os detalhes do passeio. Primeiro iriam ao centro comercial, onde Shiryu pretendia comprar lembrancinhas para os amigos, depois almoçariam no restaurante que ela escolhera, e então passariam a tarde no Jardim Botânico. Antes disso, porém, Shunrei fez com que tomassem um caminho à direita, embrenhando-se numa pequena trilha entre a vegetação. Caminharam um pouco e logo a trilha converteu-se em um espaço amplo, aberto, uma plataforma rochosa de onde podiam ver o lago Poyang estendendo-se ao longo da paisagem.

    Fazia frio, embora o dia estivesse claro, e naquela parte desprovida de vegetação o vento gelado fustigava as faces de ambos. Ignorando a temperatura, sentaram-se num banco rústico, esculpido grosseiramente numa tora de madeira, e bastante castigado pelo tempo.

    ? Queria trazê-lo aqui porque é onde eu costumava vir quando precisava ficar em paz ? ela explicou, olhando para o lago. ?Vê como o lago é calmo nessa parte? Quase não tem ondulações. Eu gosto de ficar olhando.

    ? É, é muito calmo. Chega a me dar vontade de entrar, de absorver essa calma... porque tudo aqui dentro voltou a ficar meio confuso...

    Shiryu soltou o desabafo sem pensar e suas palavras fizeram Shunrei acreditar que essa confusão se referia à vida dele em Tóquio. Entretanto, ele sabia que na verdade se tratava do que sentia por ela naquele exato momento.

    ? Comigo é diferente ? ela disse quando ele parou de falar. ? Eu sempre me senti em torpor, como se estivesse no fundo do lago há muito, muito tempo, e não tivesse nem forças nem vontade de sair porque fora não era seguro... Mas agora...

    Shiryu notou um leve rubor na face dela e sentiu vontade de instigá-la a continuar falando, mas não o fez. Ela então abriu a sacolinha que trazia e ofereceu-lhe alguns biscoitos, que ele prontamente aceitou.

    ? Hora do lanche ? ela disse sorrindo, e pôs um biscoito na boca. Shiryu sorriu de volta e também provou um dos pequeninos biscoitos.

    ? Nossa, mas que bom isso! ? ele exclamou.

    ? É só um biscoito simples que eu faço. Farinha, manteiga, açúcar e ovo. Só isso.

    ? É um dos melhores que eu já comi na vida.

    ? Não seja bobo. Você já deve ter comido muita coisa melhor.

    ? Juro que não!

    Seguiu-se uma animada conversa sobre biscoitos, até acabarem com o conteúdo do potinho que ela trazia. Depois, deixaram-se ficar no banco um pouco mais, em silêncio, apenas aproveitando a presença um do outro.

    ? Se não estivesse frio poderíamos nadar no lago... ? ela disse depois de algum tempo. Realmente lamentava por ele ter ido a Rozan no inverno. Nadar era seu passatempo favorito e gostaria muito de fazê-lo com ele.

    ? Poderíamos? ? ele questionou, analisando a extensão e provável profundidade do lago.

    ? Sim! ? ela exclamou empolgada. ? Do outro lado tem uma parte bem rasa e agradável, perfeita para nadar.

    ? Nesse caso, acho que da próxima vez virei no verão ? ele declarou e viu nos olhos dela uma fagulha de esperança se acender, o que, por conseguinte, fez com que ele tivesse ainda mais vontade de voltar.

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    Os dois recomeçaram a descer a montanha quando o vento aumentou subitamente, tornando o frio desconfortável até mesmo para Shunrei, mais acostumada ao clima da região. Algumas nuvens carregadas se aproximavam e os dois perceberam com desagrado que elas desabariam em breve. De onde estavam, era mais razoável ir para o hotel do que retornar até a casa de Shunrei, então começaram a caminhar rapidamente, com a nuvem negra sempre aumentando, e alguns trovões ribombando ao longe. Quando estavam próximos do hotel, a chuva começou a cair e os dois tiveram de correr. Ensopados, entraram no saguão apinhado de turistas enfastiados por não poderem sair, e passaram despercebidos pelo burburinho.

    No quarto, Shiryu deu a Shunrei uma toalha e um roupão. Enquanto ela estava no banheiro, ele aproveitou para enxugar os cabelos e trocar a própria roupa molhada por peças secas.

    Depois de vestir o roupão, Shunrei deu uma boa olhada no espelho e achou sua aparência deprimente, com a peça felpuda grande demais quase a engolindo. O cabelo desgrenhado também não ajudava, então desfez o coque e, em seguida, a trança, ajeitou os cabelos com os dedos e prendeu com o elástico. Nem assim se sentiu melhor. Quando saiu do banheiro, Shiryu estava sentado no sofá. Ele tencionou mandar as roupas dela à lavanderia do hotel para que as secassem a máquina, mas ela declinou e usou a técnica que usaria em casa: pôr as peças atrás da geladeira.

    ? Essa tempestade não deve passar logo... ? ela constatou ao afastar um pouco a cortina e olhar pela janela. O céu fechara-se rápido demais, o belo dia claro ficara cinzento, a chuva não dava o menor indício de que pararia e os trovões pareciam se aproximar cada vez mais.

    ? Não mesmo ? ele concordou. Ela se aproximou do sofá e se sentou ao lado dele.

    ? Não é comum chover nessa época ? ela disse. ? Deveria estar nevando. Se fosse uma tempestade de neve eu entenderia, mas chuva? O inverno desse ano está bem esquisito, mais quente que o normal, e com chuva ao invés de neve. Que pena, não é? ? indagou a moça. Estranhava verdadeiramente aquela tempestade fora de época, mas estava principalmente aborrecida por ter de interromper o passeio por que tanto ansiara. ? Essa chuva estragou nossos planos.

    ? Pois é... ? ele concordou. ? Mas por mim está tudo bem, podemos ficar aqui. Você é uma companhia muito agradável.

    Shunrei corou. Estava feliz porque o sentimento era recíproco, mas acabou por lembrar-se que Shiryu era apenas um turista passando férias em Rozan.

    ? Quando é que você vai voltar para o Japão? ? perguntou, tentando incutir a maior naturalidade possível na voz. Esse era um assunto que ela vinha procurando evitar, mas agora desejava saber quando ele partiria.

    ? Daqui a dois dias ? ele disse, e Shunrei não gostou da resposta. Sentiu vontade de chorar, mas esforçou-se para não fazê-lo.

    ? Eu estava até pensando numa coisa... ? ele continuou, ao ver o desconforto dela diante da resposta. ? Eu vi que você não tem telefone em casa, mas talvez tenha um celular...

    ? Eu não tenho... ? ela disse chateada.

    ? Nesse caso, eu gostaria de presenteá-la com um. Faria isso hoje, mas com essa chuva... Bom, amanhã antes de você começar a trabalhar, passo na sua casa e vamos comprar um aparelho.

    ? Shiryu, não precisa... ? ela disse, com a voz embargada. Estava cada vez difícil conter o choro. ? Eu nunca tive um porque não era necessário, mas posso dar um jeito de...

    ? Precisa, sim ? ele interrompeu. ? Não quero perder o contato com você. Faço questão de lhe dar esse presente.

    Shunrei inspirou profundamente, engolindo o choro, e sorriu satisfeita. Também não queria perder o contato com ele...

    ? O que você vai fazer quando voltar, já que disse que se demitiu? ? indagou, procurando desviar o assunto de algo que novamente lhe desse vontade de chorar.

    ? Sim, é verdade, mas fiz muitos amigos nos lugares onde trabalhei, tenho bons contatos, então verei se consigo agendar algumas palestras, talvez algum curso. Não quero vínculos permanentes com nenhuma empresa. Quero ser independente. E, principalmente, não quero que pensem que sou aspirante a presidente de nada.

    ? Como a sua ex-mulher pensava...? ? Shunrei perguntou, receando entrar em assunto do qual ele não gostaria de falar. Mas, para sua surpresa, ele respondeu sem indícios de desconforto.

    ? É, como ela e a família dela. Eles sempre esperaram que eu chegasse à presidência da empresa. O problema é que isso não era o que eu queria, e mesmo assim havia uma enorme pressão.

    Shunrei sentiu-se à vontade para prosseguir no assunto e perguntou:

    ? E foi por isso que você quis se separar? Por causa dessa pressão?

    ? O que eu esperava do casamento era cumplicidade, queria que ela fosse minha amiga, que procurasse me entender, entender que eu não gostava daquela sucessão de festas e coquetéis onde o pai dela me apresentava como o genro-de-futuro-brilhante-que-em-breve-chegaria-à-presidência-da-empresa. Eu só queria viver em paz com a minha mulher. Bom, eu falei da minha vida, mas e quanto à sua? E o seu noivo?

    ? Meu noivo era engraçado ? ela disse e deu um sorriso melancólico.

    ? Era? ? surpreendeu-se Shiryu, lembrando-se de que ela havia falado antes que o rapaz era bruto.

    ? Aham. Engraçado de um jeito ruim, mas era. Ele era rude e tinha umas mãos enormes, cheias de calos, cicatrizes, mas me amava. Lá do jeito distorcido dele, mas amava... e eu acho que até gostava dele... um pouco... e apesar de tudo...

    A hesitação dela não pareceu um bom sinal, e Shiryu insistiu:

    ? Você disse que ficaram juntos por dez anos, então é meio estranho ouvir você dizer que "gostava dele um pouco."

    ? É uma história complicada...

    ? Desculpa, mas é que eu não entendo porque passar dez anos com uma pessoa que você não amava. Não estou julgando você, nem dizendo que é certo ou errado, apenas quero entender. Só pelo pouco que você me contou eu já diria que eram totalmente incompatíveis... ? ele constatou, e pensou em si mesmo e em como a história dela era relativamente parecida com a sua. Também tinha casado com Claire sem amá-la, a diferença era que desfizera o erro antes que se tornasse realmente grave, pois não se imaginava arrastando um casamento fracassado por dez anos...

    ? Sabe, no começo eu era muito menina e achava bonitinho ter um namorado ? ela começou a falar, e ele observou que seu tom revelava mais mágoa do que gostaria. ? Depois... bem, depois eu comecei a pensar que era bom demais haver um rapaz que se interessasse por mim, que eu devia ser grata por isso porque talvez eu não tivesse outra chance. Só quando ele morreu é que entendi que as coisas não eram exatamente como ele me fazia pensar que eram. Foi por isso que no final das contas eu me senti aliviada por não ter de me casar com ele: porque com ele morto, eu pude descobrir que eu... era normal... que tinha outra chance...

    ? Digamos que ele não tivesse morrido, não era só terminar tudo? ? perguntou, mesmo sem entender completamente o que ela queria dizer com ser "normal".

    ? Não é tão simples... ? ela respondeu e fez uma longa pausa, como se procurasse as palavras certas para continuar. Não as encontrando, disse: ? O que eu sei é que se ele não tivesse morrido o casamento teria acontecido. Só isso. Eu não teria coragem de terminar tudo.

    ? Eu sei que é difícil, mas quando me vi completamente infeliz e incapaz de fazer a Claire feliz, tive de pôr um fim em tudo.

    ? Eu não conseguiria...

    ? Tudo bem ? ele disse. ? Mas se é assim, então que bom que ele morreu.

    Shunrei sorriu de novo o mesmo sorriso melancólico e concordou com ele.

    ? É, eu já disse que foi um alívio. O triste é que agora meu avô também morreu e eu fiquei terrivelmente sozinha ? ela disse e por um momento vislumbrou imagens desconexas de um futuro com Shiryu. Viu-se em Tóquio, que ela conhecia apenas da tevê, num apartamento no último andar de algum prédio bastante alto, preparando o jantar numa cozinha daquelas de revista, enquanto ele mexia num computador. Depois, viu a mesma cena passando-se na sua velha casinha no alto da montanha. "No que estou pensando?" perguntou-se em pensamento. Uma pequenina lágrima que ela não foi capaz de conter brotou no cantinho do olho e ela fingiu coçá-lo para que Shiryu não percebesse. O gesto, entretanto, foi inútil, pois ele não só percebeu, como sentiu vontade de abraçá-la e dizer que não estava sozinha, que ele estava ali e gostaria de ficar para sempre, mas não ousou fazê-lo.

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    O barulho da chuva lá fora aumentou e um trovão ressoou muito próximo, levando ambos a pensarem a mesma coisa: dificilmente poderiam retomar o passeio.

    Shunrei foi além e pensou que não queria mesmo sair. Estava bem ali, na companhia do rapaz por quem já nutria muito mais que um grande apreço e queria aproveitar esse resto de tempo que teria sozinha com ele, porque quando ele fosse embora não lhe restaria nada além da lembrança desses momentos.

    ? Posso lhe mostrar algumas fotos? ? ele perguntou. Queria quebrar o silêncio, mas também desejava que ela conhecesse um pouco mais da sua vida, e começasse a se sentir parte dela.

    ? Claro ? ela assentiu com um sorriso. ? Adoraria.

    Ele então abriu seu notebook e começou a mostrar a ela fotos de seus amigos, do antigo trabalho, e muitas outras que tirara lá mesmo em Rozan. Shunrei notou que frequentemente apareciam fotos com quatro rapazes que ele explicou serem seus melhores amigos, praticamente irmãos, já que tinham passado parte de suas vidas juntos num orfanato. Ela constatou com tristeza que só tinha a Hu como amiga, e mesmo assim nem eram tão próximas.

    ? E sua ex-mulher? ? ela perguntou sem conseguir controlar a curiosidade.

    ? Não guardei nenhuma foto dela, mas ela era modelo, então é muito fácil encontrar na internet ? disse, já abrindo o navegador e digitando o nome "Claire Thompson" num site de buscas. Receou aparecerem algumas matérias escandalosas cuidadosamente engendradas por Claire, mas foi adiante e encontrou dezenas de fotos da moça, inclusive várias onde ele mesmo aparecia.

    ? Ela é bonita ? Shunrei disse. ? Vocês formavam um casal muito bonito...

    ? Sim, ela é muito bonita, mas nós não éramos felizes.

    Dentre as fotos, Shunrei notou uma do casamento, que pediu para ver melhor, e ele prontamente ampliou. Achou que ele ficava muito bonito de fraque, com os longos cabelos negros presos, e que os olhos incrivelmente azuis destacavam-se na fotografia. A noiva não ficava por menos, era de uma beleza exótica para os olhos orientais, tinha olhos azuis como os dele, mas de um tom mais claro, e os cabelos loiros. Shunrei reparou principalmente no sorriso luminoso, com dentes perfeitamente alinhados e sentiu-se feia, com seu canino direito levemente torto, a fronte grande que ela tanto odiava, a pequena estatura e os seios pequenos que jamais preencheriam um decote como o que a loira usava. Essa sensação de inferioridade era algo que ela conhecia há muito e fê-la lembrar do noivo...

    ? Shunrei, você não tem jeito mesmo ? o rapaz dizia enquanto vestia as calças. ? Por mais que eu tente, por mais que eu ensine, por mais que eu mostre as coisas você não aprende. Continua fria como uma pedra de gelo, mulher! Nem parece que gosta de homem!

    Deitada na cama, Shunrei olhava para ele resignada. Estava acostumada a ouvir isso, era sempre a mesma ladainha que ela já sabia de cor.

    ? Isso ainda é por causa daquela coisa que aconteceu? Foi há tanto tempo! Já disse que não estava no meu juízo perfeito. E você também não facilitava as coisas, admita! Eu sei que foi errado, mas já pedi perdão, não pedi? Eu amo você, mulher! É por isso que eu agüento essas coisas. Não é qualquer um que agüenta uma mulher como você. Você tem que dar graças a Deus por ter um homem que queira casar com você, mesmo você sendo fria e seca. Sim, seca, porque não engravidou até hoje! Mau sinal, mau sinal. Mas eu o que faço? Eu não me importo. Estou aqui, esperando pacientemente você resolver esse problema aí. Por mim já tinha casado há tempos, você sabe que eu não me importo, mas não, você inventa essa porcaria de só casar quando tiver certeza de que pode me dar filhos.

    ? Você sabe que estou me tratando...

    ? É, eu sei. Quero saber é quando você fica curada. Já faz anos que você vai a esse maldito médico.

    ? Não vai demorar mais, eu prometo.

    ? Acontece que eu cansei, Shunrei. Cansei. Da próxima vez eu vou nessa droga desse médico com você e se ele disser que você não pode engravidar a gente casa logo e pronto, caramba. Se eu me importasse com isso já tinha largado você há muito tempo!

    Shunrei sentiu todos os seus músculos retesarem-se. Inventara essa desculpa para retardar o casamento, e ao invés do suposto tratamento de fertilidade, tomava injeções anticoncepcionais, mas ele não podia saber...

    ? Tem certeza que esse médico que você vai é bom? Por que até agora nada!

    ? O médico é ótimo ? ela disse, sentando-se na cama.

    ? É o que veremos na próxima consulta. Seja como for, desse ano não passa. Caso com você com filho ou sem filho, porra. Já disse que aceito você com esse defeito. E com os outros... Agora eu vou indo. Tenho umas coisas pra fazer lá embaixo.

    ? Vê se não arranja briga, por favor. Toda vez que desço pra trabalhar alguém fala das suas confusões.

    ? Ah, mulher, você quer um homem frouxo? ? indagou e saiu batendo a porta com força. Shunrei embrulhou-se nas cobertas e passou o resto do dia ali, lamentando-se. Queria desejá-lo, mas tudo que conseguia fazer era esperar que ele se satisfizesse logo. Queria de verdade amá-lo, mas passava todo o tempo pensando numa maneira de arranjar coragem para se livrar do noivo. Já que não o amava, queria saber se o amor era como ela via nos filmes, porque com o noivo não havia nada do encanto e da paixão que supunha ter.

    ? Agora eu não vou ter como escapar do casamento ? resignou-se. ? Chega de injeções. Eu me rendo.

    "Mas ele morreu naquela noite...", pensou, e voltou a atenção novamente para a foto de Shiryu e sua ex-esposa. Imaginou como seriam as crianças nascidas de um casal tão bonito e perguntou:

    ? Vocês não tiveram filhos?

    ? Não ? ele respondeu. ? Claire não queria e eu, embora tenha vontade de ser pai, achava que realmente não era hora. Ela ainda era muito imatura pra ser mãe.

    ? Eu... ? Shunrei começou a dizer, mas refreou-se. ? Eu... ? ela recomeçou. ? Eu ia ter um filho... Já faz muitos anos isso. Ia ter um bebê e realmente queria tê-lo, mas o perdi ainda no começo da gravidez. Depois dessa perda, procurei me assegurar de que não engravidaria, mas hoje me arrependo. Eu não estaria sozinha agora se eu tivesse um filho.

    Novamente Shunrei deixou Shiryu sem saber o que dizer, mas ele dirigiu-lhe um olhar tão terno e compreensivo, que ela sorriu. Também não sabia o que dizer depois de falar no filho. Nem o noivo nem o avô ficaram sabendo da inesperada gravidez, interrompida antes que ela tivesse coragem de contar a alguém e, no entanto, agora ela contava a Shiryu.

    ? Bom, acho melhor pedirmos o almoço aqui no quarto ? ele disse, a fim de quebrar o novo instante de silêncio que se fez entre os dois. ? A chuva não dá trégua e provavelmente você não vai querer almoçar lá no restaurante, não é mesmo?

    ? Sim! Por favor, vamos comer aqui mesmo ? ela pediu. Queria continuar a sós com ele, mas também queria evitar comentários do chefe e dos colegas.

    ? Claro. Quer alguma coisa especial?

    ? Pode escolher ? disse. ? Confio no seu gosto.

    ? Está bem ? ele disse e pegou o telefone. Shunrei ouviu Shiryu pedir um peixe e um vinho caro. Depois, tornou a pensar no filho que perdera. "Já faz tanto tempo... Tanto... Será que a minha vida seria mesmo diferente se ele tivesse nascido? E se depois de perdê-lo eu não tivesse começado a me prevenir? Eu teria engravidado novamente?"

    ? Enquanto o almoço não vem, deixe-me mostrar alguns desenhos ? ele disse, já pegando uma pasta acinzentada que estava sobre a mesa e puxando para fora seu conteúdo. Ela sorriu, afastando os pensamentos acerca do filho, quando ele tornou a sentar-se a seu lado, e olhou encantada para as belas reproduções das paisagens de Rozan em grafite, exceto por alguns detalhes propositalmente escolhidos para ganharem cor. Reconheceu todos os lugares que ele desenhara, e não pôde deixar de perceber que era a mulher desenhada na última folha.

    ? Sou eu? ? indagou, embora soubesse a resposta.

    ? É você ? ele admitiu com um sorriso. ? Fiz no dia do acidente. Achei que era assim que você se sentia... sangrando de tristeza...

    ? Era... ainda é... algumas vezes... Mas agora me sinto melhor...

    De súbito, veio uma vontade de dizer o quanto se sentia bem ao lado dele, como sua simples presença a confortava. Ela queria aninhar-se nos braços dele, sentir o perfume dos seus cabelos mais de perto, tocar o rosto bem barbeado, beijar-lhe a face e a boca. "Queria tanto que ele ficasse aqui", pensou. "Vai ser tão triste quando ele partir. Eu vou sentir tanta falta dele."

    Shiryu notou o olhar sonhador da moça e sorriu. "Eu gosto dessa expressão", pensou. "Ela fica bonita, muito bonita." E, olhando-a, ele não pôde ignorar o fato de ela estar apenas de roupão. Flagrou-se imaginando o corpo que a peça felpuda escondia. Balançou a cabeça devagar, censurando-se e procurando afastar os pensamentos, mas tudo que conseguiu foi constatar que imaginá-la despida mexia consigo mais do que deveria.

    Desde que se separara, não tinha sentido real interesse por nenhuma outra mulher. Na verdade, nos últimos meses de casamento, não sentira desejo nem por Claire. Por isso, gostou de perceber o quanto Shunrei mexia com seus sentimentos, embora não quisesse levar adiante aquela situação. "Preciso parar por aqui", pensou. "Ela sofreu um trauma tão grande recentemente e tem uma vida tão dura, que eu me sentiria como se me aproveitasse dessa fragilidade. É preciso ser prudente." Ele estava certo de querer evitar envolver-se demais, mas ao mesmo tempo queria deixar que as coisas acontecessem. Não sabia o que fazer e não gostava de se sentir confuso. Felizmente o telefone tocou, dispersando seus pensamentos. Ele atendeu. A telefonista comunicou-lhe uma ligação internacional, que ele aceitou. Era Hyoga.

    ? Oi, Hyoga! Já está de volta ao Japão? ? perguntou com entusiasmo. Estava gostando muito de ficar em Rozan, mas sentia falta de seus amigos.

    ? Sim, voltei ontem ? o rapaz disse e acrescentou enfático: ? Com a Freya.

    ? Com a princesa? ? Shiryu perguntou, imaginando em que tipo de confusão o amigo se metera, afinal, até onde sabia a moça estava noiva de outro homem.

    ? É, com ela. Gostaríamos de passar uns dias na sua casa de praia. Que tal?

    ? Claro, fique à vontade. O caseiro está lá. Vou ligar avisando que vocês estão indo, mas como é que foi isso?

    ? É uma longa história. Conto tudo quando você voltar. Adianto, meu amigo, que na vida tem momentos em que a gente precisa fazer esse tipo de loucura, e você vai me entender quando se encontrar irremediavelmente apaixonado. Mas me diga, como estão essas férias?

    ? Muito bem ? disse e olhou para Shunrei. ? Tinha planejado um passeio com uma amiga para hoje, mas está chovendo torrencialmente e acabamos ficando no quarto.

    ? Amiga? ? Hyoga perguntou irônico. ? No quarto? Sei... Sei, Shiryu. Por acaso é a chinesinha que você salvou?

    O amigo deu uma gargalhada e Shiryu conteve-se para não responder às insinuações. Shunrei notou que ele se envergonhara e imaginou que o amigo dissera alguma gracinha sobre o fato de eles estarem sozinhos no quarto, o que a levou a pensar sobre isso outra vez. "E se eu e ele... bom, se nós... ele vai embora, talvez eu nunca mais o veja... Seria bom? Eu teria coragem de me insinuar? Logo eu que não tive outro homem na vida além do meu noivo? Mas... e se eu for anormal como ele dizia? Se o Shiryu pensar a mesma coisa?" Balançou a cabeça quando achou que os pensamentos tinham ido longe demais, e tornou a prestar atenção nele o mais discretamente possível, enquanto fingia rever os desenhos.

    ? É, acabamos deixando o passeio para outro dia ? Shiryu tentou disfarçar. ? Estava aqui mostrando a ela umas fotos.

    ? Aham, Shiryu. E pelo seu embaraço quase não se nota que você tem segundas intenções, né?

    ? Hyoga, não seja inconveniente ? disse baixinho. Do outro lado da linha, o amigo deu outra gargalhada.

    ? Ok, ok. Bom, não se esqueça de ligar para o caseiro avisando que vou para lá com a minha digníssima esposa. E muito obrigado.

    ? Não vou esquecer, mas... esposa? Como assim?

    ? Pois é, esposa. Nos casamos lá em Asgard. Agora só falta o consulado japonês reconhecer o casamento, mas é claro que reconhecerá.

    ? Claro, claro ? Shiryu disse, perplexo com a notícia.

    ? E, meu amigo, vai fundo com a sua nova "amiga"! Você precisa mesmo viver um grande amor, um amor que deixe você sem fôlego, sem rumo, que lhe vire a cabeça, que o faça suspirar, que o faça arder de paixão. Um amor de verdade, não aquela coisa morna e insossa que você tinha com a Claire.

    ? Hyoga, por favor...

    ? Tá, não falo mais nada, mas pense muito bem no que eu disse. Há momentos que não devemos deixar passar. Se você estiver mesmo apaixonado por ela, deixe rolar.

    ? Vou pensar ? disse, e desligou o telefone, mas as palavras do amigo não podiam ter feito mais sentido. Ressoaram dentro dele como um dos trovões que ecoavam lá fora. "Um amor que me faça suspirar?", indagou-se em pensamento e seu olhar se voltou para Shunrei. "Acho que já encontrei..."

    Continua...


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