Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.
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INCOMPLETOS
Chiisana Hana
Beta-reader: Nina Neviani
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Capítulo III - Simplicidade e sincronicidade(1)
Rozan, cinco horas da manhã.
Shiryu saiu do hotel para fazer sua corrida matinal. Não havia neblina como no dia do acidente com a moça e o tempo estava um pouco mais frio. Seguiu pelo mesmo caminho daquele dia, passando mais devagar pelo local onde o carro do avô de Shunrei perdeu o controle e entrou na mata. Voltou dali e, ao invés de retornar ao hotel, perambulou pela cidade. Tomou um suco numa pequena lanchonete e, mais adiante, comprou mangas numa barraca de frutas. Sentou-se na calçada e saboreou uma delas. Sentiu-se uma criança descobrindo um novo sabor, lambuzando-se com o sumo doce, e riu ao lembrar que muito provavelmente ficaria com fiapos entre os dentes. Riu outra vez ao pensar na imagem que tem em sua terra: um alto executivo elegante, cortês, extremamente educado, bem casado, bom marido. Se visse a cena, Claire lhe diria: "Definitivamente isso não é adequado, honey".
Lavou as mãos e a boca num minadouro d'água e tornou a sentar-se na calçada, detendo-se a observar a vida naquela cidade. Muitos turistas passeavam pelas ruas com suas câmeras modernas, mas por ali também passavam pessoas simples, homens carregando fardos de palha descomunais, mulheres de bochechas rosadas com seus bebês mais rosados ainda amarrados às costas, crianças alegres com suas calças chinesas(2) e seus bumbuns quase congelando naquele vento de inverno. No lugar havia um grande número de mansões, quase todas vazias naquele final de ano. Entretanto, aquele movimento de pessoas simples lhe fazia sentir alguma ternura pairando no ar.
Levantou-se e resolveu andar pela vila, especialmente nas ruas com casas mais simples e, a certa altura, encontrou um grupo de homens que arrumava o telhado de uma delas. Aproximou-se e ofereceu ajuda. Não entendia nada de telhados, mas era forte e sabia que podia ajudar de alguma forma. Os homens prontamente aceitaram a ajuda oferecida e ele começou a carregar madeira e telhas, depois subiu no telhado, ajudou a colocá-las no lugar.
Perto do meio-dia, as mulheres trouxeram o almoço em pequenos cestos de bambu. Um dos homens dividiu seu almoço com ele, outro ofereceu um pouco de suco, e assim, sentou-se no chão como os outros e saboreou o arroz quentinho com peixe cozido ao vapor que lhe ofereceram. As mangas que comprara mais cedo foram fatiadas e renderam uma boa sobremesa para todos. Depois, cada homem procurou um cantinho onde se encostar para fazer a sesta. Surpreendeu-se ao ver que se encostavam em qualquer lugar e dormiam, ainda que fosse no chão frio. Ao invés de cochilar, ele escolheu andar pelas redondezas, observando bem tanto a paisagem, bela e altiva como uma deusa, quanto as casas modestas, buscando gravar tudo em sua mente. Depois, com certeza desenharia o que vira.
Quando retornou à obra, os homens já estavam novamente a postos. Tornou a ajudá-los e, ao entardecer, despediu-se de todos, agradeceu pelo almoço e pela companhia, e foi embora sentindo-se extremamente leve, como raras vezes se sentira.
Retornou ao hotel e foi direto ao quarto, tomou um banho, penteou os longos cabelos no chuveiro, sorrindo a cada palha ou folhinha que caía deles. Depois, arrumou-se e desceu para o jantar. Surpreendeu-se ao ver a moça que salvara já usando o uniforme e servindo as mesas. Ela o viu chegar e se aproximou.
? A senhorita não devia estar de repouso? ? ele perguntou antes que ela dissesse alguma coisa.
? É, devia. ? ela respondeu com um meio sorriso. ? Ainda estou meio dolorida, mas achei melhor vir trabalhar. Se fico em casa, só penso besteira.
? Ah, bom, achei que seu chefe tinha exigido que voltasse.
? Ele é insensível, mas não tanto. Inclusive, quando eu cheguei, ele disse que eu só devia voltar amanhã, mas eu quis ficar. Então, o que vai querer para o jantar?
? O que recomenda?
? O prato do dia é Pato Aromático(3). ? ela disse em tom pomposo e depois completou com um sussurro: ? É um dos mais caros e menos gostosos, mas somos orientadas a sugeri-lo delicadamente.
? Aceito este ? ele disse sorrindo.
? Vou providenciar. E obrigada por tudo mais uma vez.
? Não tem porque agradecer.
Ela já ia se afastando para levar o pedido dele até a cozinha quando foi chamada de volta.
? Shunrei! Não gostaria de jantar comigo? ? ele convidou.
? Não posso ? ela respondeu sorrindo. ? Agora que vim para o hotel, preciso efetivamente trabalhar.
? Tudo bem ? ele aceitou, mas sempre que ela vinha à mesa trazer seus pedidos, davam um jeito de conversar um pouco. Quando terminou de jantar, ousou perguntar, mesmo correndo o risco de parecer abusado:
? A que horas você sai?
Ela dirigiu-lhe um olhar assustado, mas respondeu:
? À uma da manhã.
? Posso levá-la em casa? ? disse e, esforçando-se para encontrar um tom que não deixasse margem para ela pensar que havia segundas intenções, continuou. ? Não seria bom ir sozinha, não é mesmo? Ainda mais depois do que aconteceu...
? É, mas não precisa, eu vou ficar bem.
? Eu insisto.
? Não precisa mesmo. Eu vou ter que me acostumar de qualquer jeito, não é? Melhor começar logo.
? Está bem ? ele se rende e se levanta da mesa. ? Então, até qualquer hora.
? Até.
Shiryu ficou um pouco no saguão, conversando com funcionários e outros hóspedes. Depois subiu para seu quarto. Dessa vez nem olhou para o notebook, estava mesmo com vontade de ficar longe do aparelho por um tempo. Pegou um livro e deitou-se na cama. Leu até pegar no sono. Acordou do cochilo e espreguiçou-se na enorme cama do hotel. Olhou o relógio na mesinha de cabeceira: cinco minutos para a uma da manhã. Shunrei deveria estar saindo do hotel àquela hora.
? Tomara que chegue em casa bem ? ele disse consigo, pensando na moça, recém-acidentada, sozinha no mundo, tal qual ele próprio. Bom, pelo menos ele podia contar com os amigos e esperava sinceramente que ela também tivesse alguns, mas não era o que parecia. Ao enterro do avô compareceram apenas velhos amigos do homem e poucos conhecidos, aparentemente nenhum amigo dela.
"Que pena", pensou ele. "Bons amigos fazem toda a diferença para pessoas como nós."
? Pessoas como nós ? disse consigo. ? Pessoas solitárias...
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Shunrei despediu-se das colegas, pegou sua bolsa e saiu. O caminho para casa era um tanto íngreme e a pé era razoavelmente longo. Subiu a escadaria a passos rápidos até chegar em casa, mais de uma hora depois. Os pés doíam do trabalho e da longa subida, mas o sono era maior que qualquer coisa, então ela apenas retirou o uniforme, pendurou-o num cabide, e se jogou na cama.
Acordou por volta de dez horas da manhã, quando o sol aparecia tímido entre as nuvens. Vestiu um conjunto de calça e blusa de algodão e preparou um chá. Bebeu sem ânimo, acompanhado de alguns biscoitos velhos que encontrou no fundo do armário e sentou no sofá. Não sentia vontade de fazer nada. Pensava no avô, no acidente, no enterro dele, de novo em quando ele ainda estava vivo, e tudo se repetia em ciclos na sua mente. Na tentativa de frear esses pensamentos, juntou as roupas sujas e pôs numa trouxa, junto com o sabão, e pôs-se a lavá-las no tanque do lado de fora da casa. "Lavar roupas cansa os músculos", pensou enquanto esfregava um lençol. "Talvez assim, eu pare de pensar". Quando acabou, estendeu-as no varalzinho do quintal e entrou em casa. Trocou a roupa molhada que vestia por outro conjunto de algodão. Ainda sem vontade, preparou o almoço e comeu sozinha o cozido de peixe com gosto de nada. Não havia razão para se esmerar, comer sozinha não tinha graça. Ainda faltavam algumas horas até chegar seu horário de trabalho e, se ficasse parada, com certeza pensaria em coisas tristes. Pegou a cesta dos bordados, havia um quadrinho inacabado. Bordar, além de ser um passatempo, era um meio de ganhar algum dinheiro a mais. Separou as linhas necessárias e deixou várias agulhas já prontas, com a linha enfiada. Trabalhava mais rápido assim. Ligou o rádio para alegrar a casa. Transmitiam um especial de Teresa Teng(4) e, ao som da cantora, retomou seu bordado. Era uma paisagem de cores vivas, alegres, que ela bordou até bem próximo da hora de descer a montanha para o trabalho. Agora Teresa cantava uma música que falava de um amor tão grande que era como a Lua, um amor como o que ela jamais tivera na vida, e quem sabe se um dia ainda teria. Sorriu nostálgica ao lembrar que aquela era uma das músicas preferidas do avô e, sob o efeito da suave canção, tomou banho, trocou os curativos do rosto e do braço, vestiu o uniforme, penteou-se e desceu.
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Shiryu acordara cedo como de costume e, depois de sua corrida matinal, juntou-se a um pequeno grupo que praticava tai chi numa pracinha. Divertiu-se ao ver gente de todas as idades executando os graciosos movimentos que exaltavam as forças da natureza. Era fácil demais para ele, um experiente lutador de kung fu, mas o que lhe valia ali era a experiência coletiva. Depois de sua aula, dera mais um de seus passeios pela vila. Garotos jogavam tênis de mesa numa tábua improvisada, com raquetes artesanais, provavelmente confeccionadas por eles mesmos. Sentou-se para assistir o jogo, que também era assistido por meninos que esperavam sua vez de jogar. Um deles desafiou o executivo para uma partida. Ele respondeu em chinês que não sabia jogar, mas o garoto insistiu até convencê-lo. Começou desajeitado e perdeu o primeiro set, recuperando-se no segundo ao pegar o jeito. No terceiro, o garoto, que não devia ter mais que doze anos, massacrou-o com uma vitória e ainda zombou: "Eu deixei você ganhar o segundo", disse. Shiryu sorriu, agradeceu aos meninos e voltou para o hotel.
? Melhor que tênis! ? repetiu sorrindo enquanto andava de volta para o hotel.
Pediu o almoço no quarto. Salmão grelhado com arroz chinês e salada de acelga. De sobremesa, um figo em calda. Depois de comer, pegou seu bloco de desenho, seus lápis e pôs-se a desenhar as cenas dos últimos dias, não só as belezas naturais do lugar, mas sua gente simples. As crianças jogando tênis de mesa, o telhado que ajudou a fazer, a hora da sesta. Entrou numa espécie de transe e desenhou sem parar por horas. Depois, deitou-se no chão e pôs-se a alongar os membros. Ligou o rádio. A canção que tocara era vagamente familiar, mas nunca tinha parado para prestar atenção nela. Sentou-se em posição de lótus e apurou os ouvidos. "Você pergunta o quão profundo é meu amor por ti, o quanto eu te amo. Meu afeto é real, meu amor é real. A Lua representa o meu coração.", dizia a canção(5). Sorriu. Era isso que procurava: alguém a quem pudesse dizer algo assim. A canção acabou e agora o radialista falava qualquer coisa sobre um certo festival da seda, ou algo parecido. Voltou aos seus alongamentos. Esticou-se tanto quanto pôde, em movimentos impensáveis para alguém sem treinamento. Estava de cabeça para baixo quando o telefone tocou. Atendeu.
? Senhor, uma ligação do exterior ? disse a telefonista. ? Devo transferir?
? Sim ? respondeu sem entusiasmo, acreditando que a ex-mulher descobrira seu esconderijo e já pensando em trocar de hotel. Alegrou-se ao ver que não era ela.
? E aí, cara? ? a voz conhecida de Seiya perguntou do outro lado da linha.
? Seiya?
? Eu mesmo! Saori e eu ficamos preocupados, já que você não respondeu nosso último e-mail.
? Desculpa, Seiya. É que eu nem tenho vontade de abrir a caixa de entrada. Noventa por cento das mensagens são da Claire.
? Ela ainda insiste?
? O tempo inteiro.
? Nossa. Pior do que eu imaginava. Mas e você, como se sente?
? Estou ótimo. Acho que nunca me senti tão bem!
? Que bom, meu amigo. Você sabe que assustou todo mundo com essa mudança radical.
? É, eu sei, mas realmente estou bem assim. Estou até pensando em comprar uma casinha aqui. Não virei morar de vez, vai ser só uma casa para onde eu possa fugir de vez em quando.
? Haha! Grana é que não lhe falta, então vai fundo!
? Digamos que ainda me restou alguma reserva, embora a separação tenha sido bem cara. Mas não posso esquecer que não estou trabalhando e que dinheiro voa fácil...
? Na mão de qualquer outro, com certeza, mas você é controlado. Bom, já que está tudo bem, vou desligar. Saori está mandando um abraço.
? Obrigado, Seiya. Outro para ela. Até mais.
? Até. Nos veremos no mês que vem! Até lá, juízo!
? Terei!
Ao desligar, lembrou-se de outro telefonema, ocorrido meses atrás.
? Como é, rapaz? Você se separou da Claire? ? Seiya perguntava incrédulo, ao telefone, depois que o amigo contou da briga que tivera com a mulher horas atrás.
? Por enquanto só saí de casa. Estou num flat. Vou ficar aqui por uns tempos, depois verei o que fazer.
? E ela?
? Fez escândalo, chorou, brigou... mas que se há de fazer? Ela é muito nova, vai esquecer, vai conhecer alguém que a ame de verdade. E eu espero conhecer um alguém assim também.
? Você acha que ela não te ama?
? Ama lá do jeito dela, mas também é orgulho de me exibir, sabe? Marido rico, bonito e bem sucedido. Não dava mais, Seiya. Não quero mais ser o bonequinho de ninguém.
? Se é para o seu bem, então pronto, vai até o fim.
? E que fim. A bomba vai explodir daqui a pouco na minha cabeça. A essa altura ela deve estar contando para os pais, aumentando a história, com certeza. O que vem aí é uma bela tempestade, amigo.
? Pode crer. Mulher irritada vira bicho.
? Por falar nisso, já começou. O pai dela está ligando para o meu celular.
? E daí? Você não deve nada a ele. Inclusive seu cargo na empresa é maior que o dele.
? É, Seiya. Eu vou atender. Ligo para você depois.
? Ok. Ligue mesmo e me conte o que rolou.
? Pode deixar ? disse e recolocou o fone no gancho. Atendeu o celular.
? Alô ? disse sem entusiasmo.
? O que é que você fez com a minha filha? ? o outro homem perguntou aos berros. Parecia irritado, mas não tanto quanto Shiryu esperava.
? Fala da separação? ? ele retrucou sério.
? Lógico! Que história é essa?
? Eu estou me separando da Claire. É isso.
? Mas por que razão? Vocês se casaram há apenas um ano!
? Posso enumerar centenas de razões, mas a principal é esta: porque eu quero.
? E ela, como fica?
? Eu sinto muito, mas ela vai ter que aprender a lidar com isso.
? Você arrumou outra?
? Não é da conta do senhor, mas se faz diferença, não, não arrumei.
? E quanto aos bens? ? o homem perguntou sem rodeios.
Shiryu riu quando o sogro mencionou os bens. Sabia que ele não estava preocupado com a filha, mas com o dinheiro e o status que ela perderia com o fim do casamento, apenas não imaginou que ele fosse deixar isso tão claro.
? Resolveremos na justiça, quando da assinatura dos papéis ? disse e pôde ouvir Claire gritar ao fundo: "Diga a ele que eu não assino a separação! Não assino!"
? E quanto à casa de campo? E o dinheiro? ? o sogro perguntou.
? Podemos dividir, não sei. Veremos isso com o meu advogado. Olha, não é assunto para se discutir por telefone, certo? E para o bem de todos, fale com a Claire. É melhor que a separação seja amigável, sem brigas, sem baixaria, sem traumas.
? Certo, certo ? o homem disse, mas Shiryu teve a certeza de que naquele momento ele estava contabilizando quanto poderia arrancar para evitar os escândalos que a filha certamente gostaria de dar.
Continua...