Liandan

  • Finalizada
  • Kiia
  • Capitulos 12
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 4 horas

    16
    Capítulos:

    Capítulo 9

    Aposta VIII

    Álcool, Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Os olhos abriram-se sobressaltados. Ofegante e com o corpo completamente dolorido, Ulric Knox sentou-se em sua cama, levou as mãos aos cabelos completamente ensopados de suor. O que havia acontecido?

    Precisava organizar as ideias, precisava se acalmar. Levantou e caminhou até o box do banheiro, a fim de tomar uma ducha gelada, tudo parecia um grande borrão em sua memória. À medida que a água escorria pelo corpo, a respiração se normalizava, e a dor de cabeça passava. Primeiro ponto, quem sou eu? A resposta demorou um pouco, mas logo surgiu, ele era Ulric Knox, filho de Claude Knox e Holly Knox. Possuía 17 anos e estava morando com o pai no Japão há algum tempo. Mas quanto era esse tempo?

    Após o banho, arrumou-se para ir a escola, talvez lá conseguisse outras informações. Na cozinha, Claude não estava. Apenas um bilhete de “bons estudos” com a assinatura do pai deixado em cima da mesa. Voltou sua atenção para o calendário de parede, que dia era? Estava na terceira semana de aula de Abril, primavera, ainda estava no início do primeiro mês do semestre escolar. Fazia então três meses que estavam naquele país. Desde que chegaram Ulric não havia saído muito, exceto há alguns dias, quando as aulas tiveram inicio. Agora se recordando dos dias anteriores, sabia disso, mas tinha a sensação de que algo estava errado, sentia como se já houvesse passado mais tempo desde sua chegada.

    Contrariado, Ulric franziu o cenho, e seguiu rumo ao colégio. Não era o melhor local para organizar os pensamentos, mas talvez conseguisse algo. Estranhamente, tudo parecia igual à antes, ou ao menos o que ele julgava ser o antes.

    - Vejam só se não é o estrangeiro! – cantarolou uma voz atrás dele.

    Por um momento Ulric parou, reconhecia a voz, era Miraini a garota que o perturbava constantemente nos corredores do colégio, às vezes durante as aulas livres. Não entendia bem o por quê ela fazia isso, mas nos últimos tempos estava começando a irritá-lo. Entrando, um sentimento estranho o tomou, parecia que algo terrível havia acontecido com a jovem, cujo rapaz se culpava. Sem entender o motivo, seu corpo se moveu abraçando com força o de Miraini Mori.

    Houve um silêncio constrangedor. A face da jovem corava enquanto eram assistidos pelos alunos que chegavam. Alguns murmuravam coisas, outros apenas assistiam surpresos. De certo, nem mesmo o rapaz sabia o razão de estar demonstrando tamanho afeto, até que houve um estalo em sua mente. A visão da amada morta, o corpo nu queimado, as risadas e vozes que zombavam... Ah como ele se culpava por isso.

    - Me desculpe... Foi tudo minha culpa... – murmurou talvez baixo o suficiente para ela não ouvir.

    - Err... Pode me soltar? – ela finalmente conseguiu dizer algo. Estava tão vermelha quanto um pimentão, ou talvez mais.

    Aos poucos, o rapaz soltou Miraini. Sentia uma forte dor no peito, ela não se lembrava dele, não como ele lembrava. Não entendia ainda o sentimento que ardia em seu coração, apenas sabia que lágrimas lhe viam aos olhos.

    Sem dizer uma palavra, Ulric separou-se da jovem, dirigiu-se ao prédio da escola, não iria comparecer as aulas, a cabeça doía e várias imagens surgiam em sua mente... Mas nenhuma com significado aparente.

    Isolou-se no terraço, poderia ter voltado para casa, mas parecia mais fácil permanecer ali. Deixou-se cair com um baque no chão cimentado, e lá ficou a fitar o céu claro da primavera. Ninguém viria a perturba-lo, havia tido o cuidado de não ser visto ao se aproximar do último andar e agora lá estava. Deixou que tudo fluísse a sua mente e aos poucos tentou ordena-las.

    Ainda não percebeu querido? Você não existe neste mundo. Não a nada que você possa me oferecer em troca de outra existência.

    As palavras de Hel ecoaram em sua mente. Então... Se não existo naquele mundo, aquilo não passou de um sonho? Mesmo agora, ao lembrar-se de tudo, não conseguia entender. Como poderia ainda estar vivo? Aquele mundo, onde estava era diferente, mas ao ponto que também era igual ao que se lembrava. Tudo ainda parecia confuso demais.

    - De acordo com Hel, não existo, sou apenas uma parte resistente de Loki... Mas se isso é verdade, o que estou fazendo aqui? – os olhos observavam as nuvens como se elas fossem lhe dar a resposta. – Talvez... Ela esteja errada. – um bocejo forte partiu de sua boca.

    A ideia do erro da deusa lhe agradava, mas se todo aquele sonho havia sido real, o pior ainda estava por vir, havia deixado aquele mundo em um estado terrível, o mundo em que a Miraini que ele amava vivera. Os olhos azuis estavam pesados, e antes que percebesse caiu adormecido.

    ...

    O grande dragão devorador de raízes ataca a todos que se colocam em seu caminho, gritos de pavor e dor soavam como a canção da morte para todos, Fenrir lá estava igualmente membro da chacina assim como seus dois filhos e Managarm.

    Em algum lugar, Loki e Heimdall travavam sua batalha eterna, assim como antes, o som dos metais se chocando resultava em faíscas destruidoras de tudo que estava ao redor, porém, os deuses não pareciam sequer cansados, a luta estava em equilíbrio, era impossível dizer quem venceria.

    Um crá de um dos corvos de Hel soou alto até demais em meio à guerra. Ao longe era possível visualizar a mestra do alado em sua melhor forma. O ser negro cantava em seu ombro descarnado. O sorriso em seus lábios era cruel, e por um momento Ulric pensou que ela estivesse sorrindo para ele.

    - Observe jovenzinho, tudo isso, é culpa sua.

    Uma forte dor de cabeça tomou o garoto enquanto gritos de desesperos tomavam conta de sua mente, imagens de crianças e mulheres grávidas mortas. Alguns fetos atirados ao chão, mortos como todos os outros. Pobres seres, não tinham pedido por aquilo, não desejavam aquilo e muito menos tinham haver com aquilo.

    - Culpa sua. – uma voz desconhecida sussurrou ao seu ouvido.

    - Culpa sua. – outra se juntou à primeira.

    - Culpa sua. – E após a terceira, um mar de vozes gritava aos ouvidos de Ulric, que apenas podia sentir o desespero lhe dominando.

    ...

    O sinal do intervalo soou e Ulric surpreende-se, já havia passado tanto tempo assim? Os olhos ainda pesavam, havia tomado um susto ao acordar, não sabia dizer se era pelo sinal, ou por algum sonho que tivera. Tudo ainda parecia tão confuso para ele.

    - E ai, rapaz. – cantarolou um estudante que se aproximava. Era apenas um dos garotos que simpatizara com o jeito de Ulric, um colega de classe.

    - Olá... – resmungou após um bocejo. – Kazui.

    - Pelo visto você realmente deve ser alguma espécie de delinquente. – riu sentando ao lado de Ulric. Era apenas um garoto como outros no colégio, nada de diferente, apenas mais um em meio à multidão.

    Graças aos cabelos tingidos, as mechas roxas, e os piercings espalhados pela face deixavam o adolescente com o ar de irresponsável e encrenqueiro. Recentemente, Ulric estava realmente pensando em tornar realidade aqueles pensamentos de seus colegas, mas acontece que em outro mundo, aquilo se tornara realidade. Sou Ookamimun, o líder da Black Rose, não sou um simples delinquente. Pensou rindo internamente.

    - Só por que matei algumas aulas? – indagou estralando o pescoço. Não estava a fim de conversar com Kazui, tinha tantas outras coisas pra fazer ainda...

    - Claro. – Riu. – ah, a propósito, quando chegou, vi que estava abraçado com a Mori-san da nossa sala. Por acaso tá a fim dela, é? – gargalhou.

    Miraini possuía a fama de garota durona do colégio, desde sua chegada ao Usagi no Me ela ingressara no clube de kendo se mostrando uma excelente atleta. Sua vida basicamente era dedicada ao treino e estudos. Apesar de ser bonita, não costumava mostrar interesse em garotos.

    Ulric sorriu de canto, os olhos fixos no céu.

    - Quem sabe.

    ...

    Exausto, Ulric desabou sobre sua cama. A cabeça doía como nunca e após um banho, estava determinado a relaxar. Enquanto adentrava o mundo dos sonhos, viu-se no vilarejo de Miyage em Verdandi. Diferente do que se lembrava, sangue e cadáveres enfeitavam a grama, o piso de madeira das moradias e mesmo o templo. Estranhamente sentia que o tempo ali pela primeira vez passava, o sol começava a nascer.

    Apesar da paisagem, Ulric caminhava indiferente pelo local, os orbes fitavam as kitsunes, e demais criaturas até então conhecidas como mitológicas, sem vidas. Parou somente perante o portal que dava acesso a escadaria de pedras que ligava ao santuário principal do vilarejo, a casa de Kishibi Uinta. Adentrou desta vez sem se preocupar em retirar os sapatos como fazia quando estava treinando no vilarejo.

    No topo, lá estava a responsável pelo local sentada em posição de meditação, o rosto parecia sereno, talvez tenha tido uma morte tranquila, pensou, mas logo a ideia sumiu tão rápido quanto surgiu em sua cabeça ao lembrar-se dos demais. A pele antes sedosa e os cabelos brilhantes de Uinta haviam se reduzido a algo enrugado, cinza e fraco como um defunto de anos de enterro.

    Os olhos claros demoraram longo tempo na entidade sem vida. Ainda não sabia o motivo de tamanha destruição, mas sentia-se culpado, tudo parecia ser sua culpa e por um momento, Ulric riu internamente disso. Onde estava Ookamimun naquelas horas? O impetuoso líder da Black Rose capaz de matar até mesmo seus companheiros se assim fosse necessário? Talvez ele nunca tenha existido. Disse para si mesmo. Apenas mais uma farsa criada por Hel, ou mesmo Loki.

    - Por que me trouxe até aqui? – murmurou com a voz rouca. Não estava interessado naquilo. Estranhamente possuía olheiras profundas como se houvesse ficado horas acordado.

    - Porque você era necessário aqui.

    A voz era familiar, a mesma que lhe sussurra ao fim de sua vida que aquele instante era o inicio de tudo. Era como tilintar de sinos ao vento, uma voz que transmitia paz e encantava ao mesmo tempo. Ela vinha de traz.

    O rapaz procurou enxergar a dona da voz, e qual não foi sua surpresar ao visualizar uma das kitsunes do templo. Mas dessa, ele não se recordava. Tinha pele negra e macia, os cabelos eram brancos e reluzentes, os olhos penetrantes que pareciam visualizar a alma do indivíduo.

    - Não me lembro de você no meio deles. – rebateu seco.

    A kitsune sorriu bondosa.

    - Isso porque Kishibi Uinta-sama não me permitia estar em sua presença. – houve uma pausa e um aceno de cabeça foi o cumprimento, um simples olá. – Prazer em conhecê-lo, sou Yuki. – A expressão sorridente sumiu em seus lábios. – Ao menos era.

    Ulric não respondeu, não estava com saco para aquilo. Pornque simplesmente não acordava de uma vez por todas?

    - Não deveria se sentir assim, Ulric Knox-san. – Novamente ela se dirigia ao rapaz. Sorriu. Havia conseguido a atenção do jovem, pode ver isso na expressão facial, mesmo aparentando desinteresse. – Não possui a culpa que pensa nesta guerra.

    Ele estava começando a se irritar.

    - Como não?! O que diabos sabe sobre isso?! O que pensa que sabe sobre mim?! É apenas uma kitsune qualquer deste lugar que conseguiu escapar com vida do massacre, provavelmente por causa de sua covardia! – grunhiu com as sobrancelhas franzidas. Estava se irritando tão facilmente, que vergonha.

    Yuki não pareceu ofendida, manteve desta vez o sorriso, mas negou com a cabeça antes de prosseguir.

    - O que sei sobre isso? Sou a causa. Afinal, Odin me criou com este proposito. Sou Liandan. Acredite, ninguém compreende melhor esse fim dos tempos do que eu.

    Ulric analisou. Hel lhe contara que a razão do caos seria algo chamado Liandan, mas não pensava que aquilo fosse surgir a sua frente com uma forma humana... Ou ao menos quase humana.

    - Continue. – Pediu após um suspiro, não tinha o porquê de se irritar, e não perderia nada escutando outro discurso daqueles, a não ser, talvez sua vida novamente.

    - Em algum momento, Odin percebeu o que ocorria a respeito do Ragnarok, e assim me criou, a fim de que alterasse esse destino, Hel descobriu e ajudou Odin a me esconder neste local. Kishibi Uinta-sama recebeu-me de braços abertos e assim criou a mim. – Com um sorriso terno, porém triste ela se dirigiu ao cadáver da mentora. – Para mim, ela era como uma mãe. Não deveria ter me aceito se sabia o que eu ia causar a vocês. – Os olhos demoravam em Uinta.

    Ulric passou a mão pelos cabelos, desconcertado, mas manteve-se em silêncio até ela retomar a fala.

    - Quanto a você, meu jovem. – Os olhos se fixaram no rapaz. – Eu te salvei da morte certa, por um motivo, diferente de mim que deu inicio a tudo, você pode por fim nisso.

    Ele não soube o que responder, ficou a encarar Yuki incrédulo, o que ele, um simples humano poderia fazer sobre aquilo? Ainda não percebeu querido? Você não existe neste mundo. As palavras de Hel ecoaram mais uma vez em sua mente. Estava farto de ouvir aquilo, cerrou os punhos irritado com o peso que aquela simples frase tinha em sua vida.

    - É verdade que outros Ulrics se encontravam com Hel, mas o motivo de você ser tão único a ponto de perturba-la, se deve ao fato de você ser uma parte do próprio Loki. – Ela fez uma pausa para ter certeza que o rapaz a escutava. – Digamos que você seria a personificação do lado humano do deus do fogo. Ao que parece, nenhum dos dois notou isso ainda.

    Houve uma pausa.

    - Confuso, não é? – indagou com sua face calma. – Infelizmente não tenho tempo para explicar com riqueza de detalhes, mas o que precisa saber é que sendo parte de Loki, você possui as mesmas habilidades que ele, mas não para sempre. A cada segundo que se passa o gigante perde a sua parte humana tornando-se novamente um deus completo, se isso ocorrer, tornara-se um mero garoto. Isso jamais aconteceu em outro momento da história, talvez seja por isso que nenhum deles percebeu os poderes que você possui rapaz. – Ela se referia a Hel e seus companheiros. - Bom, não que você e Loki já tenham sido a mesma entidade em outros mundos...

    Ulric franziu o cenho.

    - Quando estava na Casa das Névoas, não consegui sequer me aquecer, como poderia enfrentar um deus do fogo? – arqueou a sobrancelha.

    Tudo parecia tão surreal, mas Ulric já havia a muito mergulhado de cabeça naquele mundo louco. Yuki bem sabia disso, Demétrius estava sempre a observar o rapaz para ela. Lamentava-se por ter perdido tão valoroso amigo em meio à matança de Miyage.

    - Porque você acredita que não é capaz. Você possui tanto poder dentro de si quanto o próprio Loki, jamais duvide disto, Ulric Knox-san. Entretanto, sei que quando chegar a hora, você fará o que for certo. Não desista. Muita coisa já foi sacrificada em prol desta loucura. – Ulric foi obrigado a concordar, sentia-se culpado pelos últimos acontecimentos, e agora surgia uma chance de se redimir, mas uma coisa ainda o intrigava.

    - Se é capaz de alterar o curso, por que não altera o seu próprio? – a voz era firme e ia direta ao ponto.

    Yuki limitou-se a balançar negativamente a cabeça com o sorriso triste.

    A Dama da Noite não serve ao escuro em si, mas sim aos astros que reinam em seu negro céu. Fez notar o rapaz. Por mais que quisesse, Liandan não poderia mexer no curso que dizia respeito ao seu ser diretamente.

    - Quando estiver em campo, primeiro deve evitar que Vidar mate os irmãos Modi e Magni. Depois se preocupe com Heimdall e Loki, por fim, Hel. Certifique-se de não enfrenta-la dentro de seu reino, nem mesmo eu poderia lhe ajudar novamente lá dentro.

    O rapaz assentiu confiante. Era bom para dar um jeito nas coisas, ao menos assim pensava. Yuki pareceu relaxar.

    - Não se preocupe. De um jeito ou de outro, procurarei te ajudar. Infelizmente não temos mais tempo. Em breve você voltará ao corpo, procure não se esquecer desta conversa, pois a próxima vez que o sono chegar para ti, estará na hora de entrar em campo de batalha.

    Ulric concordou com a cabeça, exalava uma estranha confiança, o que fez Liandan voltar a sorrir.

    - Sabe, de todas as coisas que me aconteceram, este mundo, o vilarejo de Miyage foi a melhor de todas. Gostaria de ter ajudado a todos... – A visão se demorou em cada detalhe do tão precioso local. – Espero que consiga proteger aqueles que ama, Ulric Knox-san.

    - Protegerei. – garantiu.

    Antes que desse por si, Ulric se via deitado em sua cama, os olhos bem abertos fixos no teto, e sentia que somente uma coisa lhe importava naquele momento, a certeza da vitória.

    ...

    Vidar havia dado sua cartada e estava quase ganhando o jogo. Sabia bem da inveja que Loki possuía com relação a Thor, e mesmo que este estivesse morto, entretanto suas crias estavam lá, firmes e fortes, diferentes das do deus do fogo que apenas possuía o ódio dos filhos que permaneceram.

    - Seria a chance perfeita. – garantiu Vidar, a mão alisava a espessa barba.

    Modi ainda parecia desconfiado. Dos dois, era o mais racional, e a personalidade do tio por vezes o fazia duvidar de que lado o deus estava. Magni, por outro lado admirava a experiência de batalha do parente, sendo capaz de segui-lo cegamente se assim fosse necessário.

    - Sabem que a Serpente de Midgard foi a responsável pela morte de seu tão estimado pai, honrariam meu irmão se matassem Jormungard. Infelizmente, bem sabemos que este foi levado para a tumba pelo próprio deus do trovão. – houve um pigarro antes de voltar a falar. – Bem sabem que a maior diversão de Thor sempre foi à caça de gigantes, honrariam seu falecido pai se conseguissem acabar com esta guerra matando de uma vez por todas Loki.

    Vidar mostrou o melhor sorriso que conseguiu. Mesmo com o martelo e com a força, sabia que eles jamais seriam páreos para o gigante, Loki, pois ele podia não ser o mais forte dos deuses, mas era esperto, tanto que mesmo Hel, acreditando ter total controle sobre a situação, Vidar tinha suas dúvidas. Seus olhos correram para os sobrinhos. Magni parecia pensar seriamente no assunto, já Modi apenas demonstrava uma face carrancuda.

    - É certo que a causa disto tudo seria Loki e Heimdall. – começou o mais novo dos dois, Modi. – Mas seria mesmo prudente nos metermos em sua rixa apenas em busca de vingança?

    Vidar irritou-se mentalmente, mas manteve a calma aparente. Sabia como prosseguir.

    - Ora meu sobrinho querido, sempre pensei que seu nome significasse Coragem, e não covardia. – declarou com um meio sorriso.

    Magni sempre fora famoso por suas façanhas, de todas as crias de Thor, ele era o que mais recordava o pai. Já Modi, sempre fora um rapaz que pensava nas consequências de seus atos, por vezes vivia a alertar o irmão mais velho. Alguns deuses se questionavam sobre o nome do caçula, Coragem... Teria seu progenitor escolhido bem o nome?

    Vidar notou a face do homem se tornar mais irritada, o ponto fraco de meu tão odiado sobrinho, cantarolou mentalmente. Se continuasse investindo com este argumento, venceria.

    Uma forte ventania passou balançando a tenda onde Vidar e os outros discutiam táticas de guerra. O primeiro assalto recebera trégua, após cinco dias seguidos de combate, ambos os lados se encontravam exaustos. Precisam organizar novamente suas ideias, mas algo ainda atormentava a mente de todos. Loki ou mesmo Heimdall não se moviam no campo de batalha, apenas ficavam em seus pontos, em constante meditação. Entretanto, entre eles crateras eram vistas e fortes correntes de ar cortavam a todos que tentavam se aproximar. O que eles estariam aprontando?

    ...

    Ulric jogou-se impaciente sobre a cama. Queria acabar logo com tudo. Havia ido ao colégio para uma rápida despedida, não sabia se desta vez retornaria, e por isso precisava ver pela última vez Miraini. Mas por fim, não houvera contato entre eles, sequer ela olhara para seus olhos, mas pra ele estava tudo bem, contentava-se com o fato de que ela estava viva. Para o pai, deixara apenas um bilhete sobre a mesa pedindo para que não se preocupasse com ele, pedia desculpas, e por fim deseja sucesso na carreira de Claude Knox.

    Não demorou a notar que Yuki cumprira sua promessa, pois logo se viu em um campo de batalha. Animais raivosos passaram correndo por ele, muitos não se assemelhavam aos seres terrenos, mas Ulric pode ver na multidão quatro lobos gigantes. Fenrir, Skoll, Managarm e Hati. Era a primeira vez que via os caninos juntos. Eram enormes, um gigante de quatro metros com certeza poderia usar um deles como montaria. Eles iam à frente esmagando todos que surgiam em seu caminho, logo atrás viam os gigantes humanóides, e depois os animais menores a fim de evitarem serem esmagados.

    Nenhum deles pareceu notar o rapaz estagnado em meio à confusão, o que deu a chance de Ulric escapar de ser pisotiado. Em algum momento, ele notou que da mesma forma que não era visível, também era intocado pelos demais. Os observava passar como se estivessem em câmera lenta

    Nos céus, o dragão negro Nidhogg era visto planando levando a morte com suas imensas asas revestidas de escamadas tão duras como ferro. Mesmo ele não pareceu sentir Ulric. Um calafrio percorreu seu corpo. A lembrança de sua morte era algo ainda presente e dolorido em seu corpo, não havia cicatrizes, entretanto às vezes parecia sentir a carne sendo dilacerada.

    Ao sair do meio da campanha que avançava furiosamente, Ulric avistou o acampamento de Vidar e os demais. Era algo simples, as tendas eram de pele de ursos, lobos ou mesmo couro de boi. Mas naquele momento, o lugar estava vazio, todos se encontravam em batalha. Cheguei tarde demais, pensou. Porém a peleja ainda prosseguia, talvez ainda houvesse o que fazer.

    Ulric respirou fundo, os olhos bem fechados e deixou que tudo se esvaísse. Se sou mesmo parte de um deus, refletiu, irei conseguir derrota-los, por isso, vamos Ulric, concentre-se, encontre-os.

    Loki costumava passar boa parte do tempo apenas meditando, e agora Ulric finalmente entendia o motivo, assim ele estaria sempre ciente do prosseguimento de Asgard assim como ele estava agora. Mesmo com os olhos fechados, ele sentia a presença de cada um dos guerreiros, quem era, e o que estavam fazendo no momento. Ele abriu as pálpebras, sobressaltado com o que vira. Começava finalmente acreditar no que Yuki lhe dissera, talvez fosse mesmo capaz de enfrentar todos aqueles seres. Um sorriso surgiu em seus lábios ao pensar na possibilidade de uma vitória.

    - Primeiro os filhos de Thor. – disse para si. Precisava ser rápido.

    Tudo continuava a mover-se como se estivesse em câmera lenta, e mesmo o temível dragão não lhe parecia mais tão ameaçador. Encontrou os irmãos sem muita dificuldade, porém Vidar lá estava a sua frente como uma barreira. Eles não estavam sozinhos, o tio havia enchido a cabeça dos dois com seus planos e agora tanto Magni quanto Modi marchavam para a morte certa, já começam a ficar longe. A impressão de que tudo se movia lentamente não existia quando colocara os olhos naqueles deuses, eles eram ágeis, e logo sumiram de seu campo de visão. Vidar, entretanto os comtemplava partir com um sorriso de vitória no rosto, estava de costas para Ulric a poucos seis metros de distância, mas o deus vingativo sabia que o rapaz estava ali.

    - Pensei que Hel tivesse cuidado de você, garoto. – A voz era áspera, mas aquilo não surpreendia mais o rapaz. Vidar cuspiu no chão ao ficar de frente a Ulric. – Ela sempre foi fraca pra essas coisas. – Por baixo das barbas surgia um sorriso sarcástico. – Mas não se preocupe, eu irei dar conta de você.

    O deus sacou uma espada de sua cintura e avançou. Os passos eram pesados e rápidos, o golpe era preciso, entretanto Ulric não se moveu, tinha um plano, ou ao menos pensava ter. Precisava conseguir uma arma e aquela espada nas mãos de Vidar parecia perfeita. Quando ele tentou realizar a estocada no estômago, Ulric desviou para o lado agarrando o pulso que segurava a arma branca, fez uma força para torcer o pulso, até que por fim Vidar derrubou a espada no chão.

    Infelizmente, o inimigo era ambidestro e antes do esperado, um corte surgiu no ombro do rapaz, era leve, sendo que Ulric havia conseguido desviar parcialmente do golpe.

    - Não pense que será tão fácil. – cuspiu as palavras irritado, de todos os deuses, ele era o mais vingativo sendo o que jamais desistira de uma batalha, era a segunda entidade mais forte de Asgard, seu orgulho não permitiria ser derrotado por um simples humano.

    O rapaz por sua vez, rolou para agarrar o cabo da arma, um tilintar de metais reluzentes teve início, e agora com Vidar furioso, era difícil conseguir manter o equilíbrio em alguns momentos. O inimigo não dava trégua, sendo que a cada golpe ele pressionava mais. A lâmina era resistente, mas Ulric não sabia dizer se duraria por mais tempo, precisava conseguir escapar do golpe para realizar uma estocada fatal. Enquanto defendia-se começou a observar a guarda de Vidar, os golpes eram rápidos, mas quando voltada a espada para preparar um novo ataque, sua guarda ficava completamente desprotegida, foi então que quando surgiu à oportunidade perfeita, perfurou um pouco acima dos quadris do deus que guinchou de dor.

    - Nada mal para um mero humano, hein? – alfinetou o rapaz.

    Uma máscara de ira surgiu na face de Vidar, e com toda a sua força, a espada veio para ele, dificilmente conseguiria escapar da investida. Sua lâmina ainda se encontrava presa à carne do vingativo deus, tentou escapar com um rolamento, o que pareceu dar resultados, pois a lâmina de Vidar foi de encontro ao chão, o golpe fez o chão tremer e uma cratera abriu-se ao redor deles. Ulric não conseguiu se erguer a principio.

    Vidar arrancou com facilidade a espada encravada acima do quadril com o pulso dolorido, e agora portava ambas as lâminas, o membro dolorido parecia não ser mais problema, e ele seguiu a fim de acabar com Ulric enquanto este se erguia, a tentativa de acerto desta vez vinha pelas costas, o garoto estava meio tonto devido ao tremor.

    - Morra logo, inútil! – berrou Vidar antes de concluir seu assassinato.

    Houve então uma explosão atrás de Ulric. O deus jogou-se ao chão, seu corpo começava a pegar fogo, gritos começaram a fugir involuntariamente de sua garganta, logo tudo seria reduzido as cinzas. A roupa de couro de animais já não estava mais lá, o corpo nu rolava na terra em sinal de desespero, logo se via a pele derretendo, os ossos começavam a ser expostos, os gritos eram ouvidos mesmo no campo de batalha, mas ninguém veio em seu socorro, estavam todos ocupados demais.

    Ulric encarava o deus carbonizado, faltava pouco agora para partir para um dos reinos de Hel, com isto ela saberia que ele estava ali, bem vivo para estragar seus planos. Mas o rapaz se mostrava curioso, quem o auxiliara?

    - Desculpe a demora. – As palavras pareciam rugidos ou mesmo uivos ao vento. Era Skoll, o lobo negro que caçava Sigel, a deusa do sol.

    Estava em sua forma original, um gigante animal selvagem que poderia facilmente esmagar Ulric com as patas. Logo atrás, ele viu Managarm e Hati. Apesar de ambos serem perseguidores de Mani, a lua, suas pelagens eram diferentes. Hati era completamente branco, mesmo seus olhos eram de um azul quase sem cor, o irmão por sua vez era negro com orbes em um tom azul cintilante assim como as garras, mesmo a aura ao redor do lobo era de um frio azulado.

    Ulric a principio surpreendeu-se ao visualizar os três ali. O que estariam fazendo? Até onde tinha conhecimento, estavam do lado de Hel, porém Skoll havia destruído Vidar e agora apenas o cadáver carbonizado estava lá, esticado sobre a terra.

    Sem saber como reagir, o rapaz franziu o cenho, estava desarmado, mas não achava que conseguiria derrotar os três do mesmo jeito que batalhara com Garm. Porém as lâminas de Vidar estavam a poucos metros, e mesmo que ainda estivessem quentes, se fosse preciso, as usaria para matar os lobos.

    - Por que me ajudaram?

    Foi Hati quem respondeu, as palavras pareciam rugidos, grosserias lançadas ao vento.

    - Sinceramente? Não sabemos. Por mim você poderia ter simplesmente morrido. – Os olhos eram fixos no chão, o filho de Fenrir estava claramente mentindo. Ulric relaxou.

    - Kishibi nos alertou certa vez das loucuras de Hel, na época não sabíamos bem em quem confiar, e tendo nosso pai ficado ao lado da deusa, preferimos continuar com nossa tia, mas agora... Vendo tudo isso... – Skoll vez uma pausa. – Não temos mais certeza. Liandan apareceu para nós esta noite, ela nos pedia para ajudá-lo.

    Não se preocupe de um jeito ou de outro, procurarei te ajudar. A frase de Yuki ecoou em sua mente, e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Realmente, começou Ulric, você quer tanto assim que Hel seja derrotada? Pois fique tranquila, farei a maldita pagar por todas as mortes realizadas em seu nome.

    Fim Aposta VIII.


    Somente usuários cadastrados podem comentar! Clique aqui para cadastrar-se agora mesmo!