Divina Comédia

  • Kiia
  • Capitulos 4
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 1 hora

    16
    Capítulos:

    Capítulo 4

    Ato III - Cemitério

    Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Suicídio, Violência

     O vento que soprava era frio e cortante. Também pudera, era inverno, e a neve escorria com grande alegria pelo céu escuro da noite sem estrelas. Era uma cidade muito movimentada durante o diurno, porém, há àquela hora eram poucos os que já ou ainda estavam de pé, talvez um bordel ou outro aberto, não mais que isso. Três horas e exatamente trinta minutos da manhã.

     Parecia ser uma madrugada normal, exceto por um fenômeno estranho. Um vulto corria no alto dos prédios, pulando de telhado em telhado, e onde quer que ele fosse os lampiões explodiam. Logo, mais dois vultos se juntaram a caça do primeiro.

    Eram todos igualmente rápidos, porém, os outros sentiam dificuldades em alcançar o que liderava, por isso, um deles lançou uma adaga que foi facilmente refletida por uma forte parede de ar que se formou a frente enviando a arma de volta.

    - Merda. – murmurou aquele que atacava.

    - Precisaram de anos para conseguir me pegar, imbecis. – zombou uma voz grave, como um rugido. O corpo físico era enorme, e completamente desproporcional. Era uma verdadeira besta fera, apesar de rápido era também forte e incrivelmente ágil. Esse sem dúvida daria trabalho, pensou Tsuna.

     Observando o cenário ao seu redor, planejou então a melhor maneira de encurralar o fugitivo e executa-lo, afinal, este era seu dever como captare. Ao notar finalmente sua chance, fez um gesto para que o companheiro seguisse seu plano. E com este comando, ambos desapareceram, dando ao monstro a falsa sensação de vitória, era apenas um demônio sem inteligência alguma, e de certo não conseguiria compreender a estratégia, porém seu extinto de caça era surpreendente. Somente por esse motivo, estava dando um trabalho incrível para uma equipe de elite como aquela. Mas finalmente o fugitivo ia cair na armadilha.

     Quando menos esperava, Kayro Sarutobe, companheiro de Tsuna surgiu em meio ao escuro da noite e cortou o peito do animal na horizontal. Havia esperado o momento certo, para quando a besta fosse pular para o próximo prédio. Com a existência do vão, o rapaz surgiria de tal lugar, e iria desferir seu golpe. Não havia sido mais efetivo pelo monstrengo ter pressentido o ataque e ter recuado alguns passos. Mas isso não iria livra-lo da morte, não dessa vez, pois o outro logo surgiu do breu da noite, e desferiu um golpe preciso e rápido pelas costas deste que agonizou de dor. As lâminas continham água benta, e para a casta daquele bicho, aquele líquido era algo mortal. Se entrasse em contato com a pele em grande quantidade, ou durante certo tempo seria fatal.

     O gigante deformado, então cambaleou ainda consciente berrando, e o captare mais velho recolheu-se cobrindo seu próprio corpo com o manto branco que utilizava. A neve e o vento arranhavam a pele, e precisava se proteger. Queria ir embora o mais rápido possível. Kayro, por sua vez, além de não se importar com a friagem, dispensando assim agasalhos, divertia-se com a cena do troncho ogro.

    - Novatos... – pensou em voz alta enquanto observava o companheiro. Lembrava-se de ser como ele, mas isso havia sido há tanto tempo, que o captare sentia preguiça de relembrar os bons tempos. Já havia sido magoado o suficiente àquela época, e não precisava de mais recordações negativas para o seu dia.

    - Vamos, ainda não terminando por hoje, esse é apena o décimo, ainda faltam vinte. – ordenou o mais velho. Aquela sem dúvida seria uma noite agitada.

     Sem mais palavras, os dois anjos sumiram na imensidão da noite escura e sem estrelas, apenas a neve escorria dos céus.

    (...)

     Mesmo já tendo se passado quase um mês, Sophie Crows ainda não havia se acostumado com o novo penteado. Os cabelos antes negros e longos, agora não chegavam nem perto do pescoço, porém, Sirenia e Lujah não haviam poupados elogios ao referissem a nova aparência da jovem.

     Viver no Inferno não estava sendo tão difícil quanto imaginava de inicio, assim como tivera apoio na Cidade de Prata, também recebia seu incentivo no Segundo Ciclo. Itaro, era o tipo de comandante ausente, era raro ser visto frente a seus subordinados, deixando sempre todos aos cuidados do demônio coreano de pele vermelha.

      O tempo que possuía, era distribuído entre missões e treinos, como ainda era nova, recebia as missões mais ridículas, sendo em sua grande maioria ajudar os Domadores, uma casta de espíritos demoníacos que se divertiam torturando e capturando seres para as legiões infernais, como havia sido o caso de Sophie.

    - Faça com os outros, antes que eles façam contigo, não é assim que dizem? – indagou certa vez um espírito de horrenda aparência. Este segurava um bastão enquanto eletrocutava pavoroso ser de cinco cabeças e corpo esguio, semelhante a uma serpente, porém, possuía asas e pernas.

     Em suas horas de treinamento, havia recuperado rapidamente a facilidade para o manejo de adagas, e se mostrava em ótima forma, mas Yi Guak dizia que ela ainda não se encontrava pronta, e ele tinha razão. Sophie era totalmente dependente de suas armas, e isso era algo que ela não podia se dar ao luxo em uma batalha. Não era mais simplesmente uma espiã que consistia em deixar o oponente inconsciente, deveria aprender a não ter pena, e só parar quando tivesse certeza da morte do inimigo, sendo assim necessário que aprendesse a lutar desde mãos vazias a todos os tipos de armas. Por isso, certa vez Lujah, sugeriu uma mudança de armamento.

    - O que acha de aprende a lutar com espadas? Katanas e Claymores são excelentes em combate. – sugeriu o demônio mulherengo empolgado. – Shion é um mestre em espadas europeias, mas caso opte por katanas, sugiro o coreano lá.

     Com o polegar, Lujah indicou o robusto demônio vermelho que devorava uma enorme coxa de javali, ou qualquer coisa comestível. Quando vivo, Yi Guak era um poderoso e respeitado general de guerra, por isso, aprendera a lutar com diferentes tipos de armas, desde artes marciais a arco e flecha, só não se afeiçoava ao armamento de fogo.

    - Dizem que quando lutou com fações japonesas, pode aprender seus movimentos só com o olhar e assim dilacerou boa parte dos soldados deles. – segregou o ser infernal.

     Motivada pela ideia de melhorar em combate, Sophie foi tomada por estase e não demorou a vê-la sempre na companhia do death Knight. No final optou por katanas, que eram espadas mais fáceis de manusear em sua concepção de início, mas logo notou ser o contrário, afinal armas orientais além do charme possuíam seu poder, e dificuldade para serem domadas.

     Cinco meses então se passaram, onde todos os dias Sophie era enviada em treinamentos suicidas, cujo Yi Guak divertia-se assistindo. Porém, ele reconhecia a determinação da guerreira através de seu esforço e persistência.

     Certo dia, Itaro surgiu para seus pupilos, e qual não foi à surpresa quando descobriram ser uma missão em Arkanum? O demônio não gostava que seus discípulos fossem ao planeta, pois assim acreditava que poderiam chamar atenção de anjos ou mesmo de Lordes Infernais. O Segundo círculo não era o lar certo para aqueles seres das trevas, anjos caídos, por exemplo, eram sempre enviados ao Sexto círculo, para a Cidade de Dites. Era um local cercado por fogo, fossos profundos e por muralhas de ferro, onde anjos excomungados do céu passavam horas a fio a fitar a paisagem em ruínas.

     Itaro era alguém influente no poder do Segundo Círculo, e uma entidade próxima ao próprio príncipe das trevas, Lucífer. Apenas por esse motivo, conseguia prosperar com seu pequeno exército oculto, mas duques invejosos sempre estavam à espreita esperando pelo menor deslize do general, para assim revelar seus planos a todos, e colocar fim na existência do guerreiro.

     Às vezes, até mesmo Lujah, ser que necessitava alimentar-se de donzelas, era recluso a aquela prisão. A única que escapava das ordens de Itaro, era Lady In Black, uma misteriosa espectro que passava a maior parte de seu tempo em uma casa abandonada em algum lugar de Arkanum. A entidade costumava se isolar, era raro ouvir sequer o som de sua voz.

     A missão implicaria em algo básico, seria para testar a união da equipe, já que o demônio de pele amarelada não esperava encontrar inimigos poderosos à frente. O objetivo seria o assassinato de um anjo caído, fraco, porém sagaz. Era um fugitivo cujo possuía informações valiosas sobre um dos inimigos de Itaro, e antes que outro colocasse a mão, ele deveria agir. Por esse motivo, Sophie e os demais logo foram enviados para o local, e lá surgiram em meio a um cemitério abandonado, ou ao menos aparentava estar esquecido no tempo.

     Lady in Black parecia sentir-se a vontade, talvez ela passasse a maior parte de seu tempo naquele lugar, pensaram alguns. Seguindo as instruções de Itaro, todos colocaram em sua face algo que lembrava uma máscara, e ao colocarem tal objeto, ganharam forma humana. Não era algo muito diferente da forma original, apenas não eram mais demônios perante a visão de muitos.

    - Já estive aqui uma vez. – confessou Sophie observando as lápides, seus dedos correram por aquelas que jaziam os nomes dos pais. Seres que ao virem a falecer não chegaram a tornarem-se anjos ou demônios, eram apenas fantasmas que vagavam sem rumo, e infelizmente, nem mesmo um celestial ou satânico poderia avistar tais criaturas, apenas espectros ou humanos com habilidades especiais. Infelizmente ela não era nenhum deles.

    - Todos nós já estivemos em um lugar como esse. – completou Sirenia revirando os olhos. E era verdade, afinal, todos eles estiveram mortos na Terra ou em Arkanum.

    - Eu sei... Mas este é o lugar onde meus despojos estão enterrados. – completou rindo com seu próprio comentário.

     Enquanto conversavam, os demônios lutadores foram os primeiros a notarem a aproximação de um homem velho, um coveiro que por ali andava. Sirenia e Sophie que eram anjos caídos sentiram os lábios secos e sentidos aguçados. Era inevitável aquilo. Dentre os caídos existiam fraquezas, assim como para os demais, e no caso das duas a alma humana era tão necessário quanto o sangue para famintos vampiros.

    - Hora do jantar. – cantarolou Sirenia, e no meio do breu da noite, quase se via presas no lugar de dentes.

     Os demais apenas sentaram-se em túmulos enquanto assistiam as duas ao ataque. O pobre homem não teve chance, e antes que morresse ambas sugaram a alma do velho, que assim simplesmente deixava de existir. Aos poucos, elas retornaram para junto dos outros.

    - Ouviram isso? – Shion, que até então se encontrava entretido em visualizar o nome dos defuntos em suas lápides, ouviu um ruído, a princípio baixo. Quase soava como um resmungo longo e sofrido.

    - Apenas o som da morte, meu caro. – Riu Yi Guak.

    - Falo sério. – insistiu apertando os olhos a fim de tentar identificar o som. Todos se calaram. Sabiam da boa audição do companheiro, e esperaram. Logo o barulho intensificou-se, seja lá quem fosse, estava mais próximo, e todos já haviam notado isso. – zumbis.

     Yi Guak foi o primeiro a se posicionar para a possível batalha, uma lança fina, semelhante a uma katana era vista na mão do death Knight. Uma lança de guerra, fez notar Sophie. Era uma Yari, uma lança japonesa.

    - As mocinhas vão só assistir é? – soltou uma risada provocativa. – Tudo bem, eu sozinho dou conta deles.

     O ser não esperou a resposta dos demais e assim avançou contra as vítimas, não parecia ser algo difícil para o demônio experiente. E logo todos partiram para o ataque, exceto Sophie e Lady In Black.

     A pequena caída fitou os zumbis, seres cadavéricos, mas rápidos. Uma gosma nojenta fugia de suas bocas e os olhos eram negros sem pupilas. A captare respirou fundo antes de avançar, nunca gostara daquelas criaturas, porém antes de partir avistou a companheira vestida de negro calada em seu canto com uma enorme foice em mãos.  A jovem encontrava-se com os orbes fixos em Sophie.

    - O-o que foi? – gaguejou.

     Houve um tempo de silêncio, até que finalmente Lady In Black disse algo.

    - Criaturas como você, não duram muito no Inferno. – A voz era baixa, quase um sussurro, mas era possível ouvir com clareza.

     Um frio percorreu a espinha da jovem que não entendera o que a espectro quisera dizer com aquilo, e antes que pudesse revidar, a moça já estava em campo decepando zumbis com sua foice de cabo negro e estranhas rosas no topo.

    - Estranha... – comentou antes de avançar também para o campo de batalha.

     Ao chegar, golpeou o menor dos sete mais próximos no pescoço com uma katana. Não fora uma boa escolha, ainda não sabia manejar a arma branca com perfeição. O ataque não havia sido muito efetivo, e antes que pudesse reagir, outro zumbi surgira por trás. Seus extintos haviam notado o monstro, mas não a tempo para uma esquiva, o que resultou em uma mordida nas costas. Sophie girou com a arma branca em mãos, tentando-se defender do golpe que receberá por trás, de certa forma havia conseguido, os inimigos haviam recuado, mas por pouco tempo.  Eles, então, se preparavam para um novo assalto em conjunto. Porém a jovem não seria mais descuidada, atacaria antes. Entretanto, quando o momento chegou, o corpo não obedeceu. Permanecia imóvel como uma estátua de bronze, sentia algo formigar onde fora mordida, e logo a sensação transformou-se em uma dor aguda que lhe roubava as forças.

     Algo estava errado. Os olhos agora castanhos por causa da máscara fitaram o zumbi que estava a sua frente, prestes a avançar em um salto, o de trás provavelmente fazia o mesmo. Não possuía sequer voz para gritar por socorro, e assim pensou irritada, era daquela forma tão patética que iria deixar de existir? 

    - Tão fraquinha. – cantarolou um dos aliados da obscuri, apesar de que agora ela se perguntava se realmente estavam ao seu lado.

     Lujah surgiu como um herói para a pequena, cortando os dois zumbis ao meio com uma espada fina, semelhante à de esgrima. Parecia ter sido algo tão fácil apesar de não ser uma entidade perita em batalhas.

    - De nada. – ele sorriu voltando ao trabalho, sem perceber o que ocorria com a jovem.

     As costas de Sophie latejavam de dor, era quase insuportável, notou em algum momento que seu corpo se tornava negro. Uma forte tontura a invadiu e antes que desse por conta, desmaiou caindo sobre a grama mal cuidada do cemitério.

    - Ei, Lujah, onde esta Sophie? – indagou Sirenia ao dilacerar o quarto monstro. Yi Guak matara o restante com facilidade, e agora estava ao lado de Shion. Tentava descobrir o caminho a seguir. Itaro havia prometido um guia até o agente do demônio que vivia em Arkanum, mas até o momento, este guia não havia surgido.

    - Logo atrás. Uns zumbis devem ter mordido ela, mas já está tudo bem. – As mãos alisaram os cabelos alaranjados de uma forma charmosa.

     A caída soltou um olhar furioso para o rapaz que caminhava ao seu lado, Lujah realmente era muito esquecido, ou apenas se preocupava com si próprio.

    - Idiota, não sabe que aquilo é veneno?!

     Sirenia correu até o corpo caído da jovem. Ela respirava ofegante, suava enquanto as costas já se encontravam completamente negras e necrosas, já era possível ver a carne podre por debaixo da pele. Se continuasse assim por muito tempo, aquilo chegaria ao coração de Sophie. Itaro com certeza não ficaria feliz com a perda de um membro da equipe, sendo ainda um captare, uma raça difícil de ser encontrada mesmo como anjo.

    - Shion, vem aqui! – berrou para o daemon, que com a cara carrancuda, caminhou a passos pesados até o local. – Vamos ter que procurar um remédio pra essa aqui. – bufou.

    - Grr... – grunhiu. – Deveria ter treinado melhor essa fedelha, Yi Guak! – anunciou irritado. – O que quer que eu faça, em? Carregue ela até encontrar algo para ajudar à novata? – falava em tom irônico, mas apesar disso, Sirenia sorriu assentindo.

     Lady In Black contentava-se em apenas observar, ajeitou o manto em sua cabeça e seguiu em frente afastando-se dos demais. Não gostava muito dos companheiros, e preferia se distanciar deles.

     O death Knight veio logo atrás sem se importar muito, sua lança se encontrava bem escondida de alguma forma, presa às costas. Os habitantes daquele mundo não estranhariam por ser um ambiente mágico, repleto de guerreiros e monstros.

    - Qual o problema? – a voz soou rabugenta. Quanto notou o que se passava, respirou fundo a fim de não deixar a raiva lhe tomar o corpo. Tanto tempo de treino se reduzira... Aquilo? Havia sido uma grande perda de tempo.

     Sirenia sentia que teria inicio a uma discussão para ver quem levaria a jovem. Os dois guerreiros não costumam acatar ordens de uma casta mais fraca como ela, ainda mais Yi Guak sendo o líder da missão.

    - Boa noite.

     A voz era baixa, rasgada e incrivelmente irritante, não se assemelhava a nada humano. Os olhos de todos correram na direção do dono desta, e depararam-se com um pequenino demônio de pele enrugada e escura. Os olhos pareciam inchados, como se estivessem com conjuntivite, sequer permaneciam abertos. Minúsculos chifres brotavam de sua testa, cuja cabeça era maior do que o próprio corpo, pequeno e curvado para frente, mesmo os membros do corpo eram deformes demais para o infernal, as mãos arrastavam ao chão com suas garras ensanguentas.

    - Um Imp? – Shion foi o primeiro a se pronunciar. Em sua forma humana, aparenta ser um rapaz de pele escura e forte, porém baixo.

     Lujah por outro lado sorriu. Conhecia bem aquele diabrete, era Inllyrio, um Imp servente a um antigo conhecido seu.

    - Você deve ser nosso guia, certo? – indagou Sirenia ignorando o daemon. Sua forma atual não era tão diferente da original, apenas escondia as asas e demais características que o denunciavam, fora isso, nada havia mudado.

     Inllyrio assentiu, e antes que dissesse algo mais, seguiu em frente. Os demais o seguiram com Lujah, por fim, a levar Sophie em seus braços, a ideia de levar a jovem não o havia desagradado.

     Lady in Black já havia partido, e a essa altura já estava longe dos outros. Nenhum deles havia sentido sua falta ao que parecia, entretanto, ela não ligava, se quisesse a companhia deles teria esperado por eles. Sabia bem onde era o ponto de encontro de todos. O endereço para onde o guia os levaria, então porque não havia contado para os demais? Porque odiava a todos.

     Aqueles demônios já haviam desistido de ter uma comunicação saudável com a espectro há muito tempo, mas o que podiam fazer? Aquela era a natureza de sua casta, simplesmente viver nas sombras, e assim pretendia continuar até cumprir seu objetivo.

    (...)

     Era uma casa simples de madeira, porém bem conversava, o que indicava que alguém vivia ali. As paredes eram claras, e das janelas era possível ver luz. Inllyrio guiou o grupo para dentro, depararam-se com Lady In Black sentada em um canto da casa, quieta como sempre, somente com sua foice de companhia.

     Lujah depositou Sophie no sofá, o corpo já estava completamente necroso e a respiração começava a falhar, tinham que ser rápidos. O pequeno Imp subiu as escadas a fim de chamar o seu mestre. Não demorou em descer os degraus, estava acompanhado de um homem de longos cabelos negros presos por uma trança. Seus olhos eram de um azul claro e profundo, a pele clara era macia e bem cuidada. O rapaz de aparentes vinte e três anos já parecia saber da situação da enferma, pois em sua mão lá estava uma caixinha negra, onde dentro continha aparentemente o antidoto.

    - Nathan. – começou o Incubus com um sorriso no rosto. O rapaz era um velho conhecido. – Então era você o informante de Itaro.

     Nathan era um obscuri recipere, uma das castas mais odiadas do inferno por serem castas ricas ao conseguirem dinheiro, e almas de forma ilegal, eram os chamados banqueiros corruptos, porém Lujah o adorava, eram velhos conhecidos mesmo do tempo de vivos, apesar de que este, ao morrer foi direto para os seus, enquanto Lujah foi arrastado para um dos ciclos do inferno.

     O rapaz sorriu, era tão, ou mais belo do que o ruivo Lujah, e com toda certeza mais bem sucedido. Inicialmente ele era um dos pupilos de Itaro, mas o obscuri não havia caído apenas para ficar preso em um local como aquele, sua ganância estava desperta como nunca, e preferia viver entre os humanos acumulando riquezas.

    - Aquele velho não iria se livrar de mim assim tão fácil, não é mesmo? – brincou o rapaz. Os olhos claros caíram sobre o corpo quase sem vida de Sophie. – Vejo que estão com problemas, deveriam ter mais cuidado com os zumbis.

    - Nós temos, acontece que essa notava ai, não. – rebateu irritada Sirenia. Não lhe agradava fracassar em uma missão logo no inicio.

     Nathan aproximou-se, sua expressão facial era séria, o que indicava que a garota não estava em bom estado, mas por fim ele suspirou tranquilizando a todos, ou os poucos que estavam preocupados.

    - Ela ficará bem após comer um desses, e ficar alguns dias em repouso. – De dentro da caixa negra, ele retirou uma pedra colorida em vermelho, azul e branco. Era um remédio raro, difícil de ser conseguido, cujo anulava os efeitos de doenças diversas tanto para celestiais, quanto satânicos.

     Após Nathan forçar o antidoto garganta a baixo de Sophie, sua respiração aos poucos começou a se normalizar, porém demoraria um pouco mais para ela recuperar por completo a consciência.

     Yi Guak e Shion saíram da casa, preferiam explorar o ambiente a ficar ali, sem nada para fazer apenas assistindo o regenerar lento da obscuri. Lujah por sua vez, aproveitou a oportunidade para procurar por alimento, o que implicava em uma bela noite de diversão com donzelas da cidade.

     Sirenia fora a única do grupo a permanecer, mesmo Lady In Black parecia ter algo mais interessante para se fazer. Deitada em outro sofá com a cabeça fixa no teto, a tronos cantarolava algo baixo, gostaria de ter trago sua guitarra, mas ela teria pouco uso naquele local, tendo em vista que estava em uma dimensão semelhante à idade medieval.

    - Entediada como sempre. – O mercador de almas aconchegou-se em uma cadeira confortável vermelha. A mão direita foi levada ao queijo enquanto as pernas estavam cruzadas. – Você mudou bastante, garotinha da harpa. – Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.

     Sirenia por sua vez franziu o cenho. Não gostava do mercenário, jamais gostara. Na época em que morrera, Nathan havia sido aquele quem a indicara para o posto de tronos, mas logo os negócios negros do anjo recipere vieram à tona, e ele caíra. Ela não havia chegado há conviver muito tempo com ele em nenhum dos momentos, pois logo após de se juntar as tropas de Itaro, fora ele quem saíra, entretanto, o pouco contato que havia dito com o ser maligno havia lhe ensinado a não confiar nele.

     Ela se ergueu para sentar com as pernas cruzadas, os olhos negros fixos em Nathan. Ainda podia ouvir as falsas promessas sendo sussurradas em seu ouvido por ele.

    - Já não posso dizer o mesmo de você. – as palavras haviam saído ásperas.

     Ele riu.

    - Cruel. – sorriu. – Mas tem razão, não mudei nada.

     Sirenia observou ele levantar-se, subir as escadas para depois escutar ele descer novamente. Em suas mãos havia outro objeto, desta vez não era uma caixa com a cura para Sophie, mas sim um alaúde.

    - Não é uma guitarra, mas creio que pode te ajudar a passar o tempo enquanto estiver por aqui. – o instrumento foi depositado no sofá, depois disso, Nathan se recolheu aos seus aposentos. Tinha negócios a tratar com seus compradores.

     A mulher-demônio permaneceu a encarar o alaúde aos seus pés, era diferente do que estava acostumada, mas poderia servir, apenas precisava fazer algo, e música sempre fora seu passatempo favorito. Sua voz era suave como a maioria dos tronos, e por mais que optasse por músicas pesadas, cantou algo mais suave àquela noite em respeito à obscuri captare que repousava tranquilamente. Logo amanheceria.

    (...)

     Tsuna inspirou e expirou pela terceira vez. As mãos passaram impacientes pela pele parda do rosto, o vento assobiava forte e cruel do lado de fora. Kayro, seu mais novo parceiro era impaciente demais e estava farto daquilo. Enquanto ele ficava de vigia sentado em um canto qualquer do casebre abandonado, o outro dormia tranquilamente após o trabalho realizado.

     O captare mais velho franziu o cenho, para ele todos os servos do senhor estavam no mesmo nível, e como tal não suportava aqueles que se julgavam superiores. A noite estava fria, normalmente não se importaria com aquilo, mas desta vez quis sentir um pouco de calor a tocar-lhe a pele.

     Perto da lareira havia lenha, e jogando-as na boca da lareira, o fogo surgiu ao faiscar de pedras entre si. Ele ficou então sentado encarando as chamas crepitando, o barulho lhe parecia nostálgico, lembrava a ele há alguns anos atrás quando Sophie, ele e Allan formavam uma equipe... Éramos indestrutíveis, refletiu.

    - Vamos logo Tsuna. – a risada da morena ecoou em algum canto de sua mente.

    - Aposto que mato mais que você desta vez. – desafiou Allan.

      Mas aquilo não passava de meras lembranças.

    - No final das contas você foi o único morto, idiota. – rebateu para seus fantasmas particulares.

     Na época do julgamento da jovem, Tsuna tentara de todas as formas defender a amiga, mas no fim... O conselheiro não havia aceitado suas ideias, e quase o considerara também um traidor. Ele fora tão tolo... E agora era obrigado a fazer aquilo.

     Realmente, os fantasmas do passado aquela noite estavam inquietos demais para o seu gosto, gostaria de poder se livrar de todos eles e assim, seguir simplesmente com suas missões como sempre fizera.

    - Então me ajude em minha causa. – Oferecera Jiro certa vez ao ter conhecimento do jovem. – Assim, você poderá conquistar sua vingança.

     Lá longe, em algum lugar nascia lentamente o sol, em algum ponto, Tsuna devia ter cochilado, sonhou um sonho antigo, um sonho repleto com as coisas esquecidas pelo tempo, às recordações que agora tanto odiava. Passou as mãos nos olhos a fim de afastar o cansaço, ainda tinha coisas a fazer, seus inimigos estavam a alguns dias de viagem e precisa alcança-los o mais rápido possível, não podia permitir que eles completassem seu objetivo.

     Kayro despertou logo em seguida, era um cara alto com 1,80 de altura e corpulento. Sua pele negra combinava com os olhos profundos e ameaçadores e a careca, era um ser que dava medo, mas aqueles que o conheciam bem sabiam o quão amigável era o novato. O completo oposto de Tsuna, que com seus 1,84 de altura era um rapaz franzino de curtos cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Possuía um carisma razoável, mas não gostava de ser socializar desde o último ocorrido com sua equipe.

    - Pronto para partir, princesinha? – indagou Kayro com seu bom humor de sempre.

     Tsuna por outro lado apenas suspirou, seria um longe dia.

    - Sempre. – Já de pé ele escondeu seu estoque de armas brancas na roupa. Eles estavam prontos para executarem suas vítimas do dia.


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