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Por um tempo o entusiasmo da mudança ainda ficou preso em meu peito.
Todas as manhãs eram formidáveis, os caminhos por entre a vegetação tinham uma doce novidade. Meu tempo nunca era perdido, sempre alguém estava ao meu lado, seja para se entreter ou me entreter. Eu perdi dias explorando meus presentes: aprendendo a dirigir o quadriciclo, aprendendo a caçar com arco e flecha (eu gostava do silêncio envolvido no processo, também sentia que aquilo poderia me diferenciar dos outros ? eu queria sempre tentar alcança-los em habilidade, por que sabia o quanto era deficiente em relação a eles). Testando meus talentos no xadrez, aproveitando meus minutos de silêncio em meu canto especial criado por meus avôs.
Normalmente me balançava com meus pais sentados na beira do espelho d água até perto do crepúsculo e então me dirigia ao observatório no topo da casa dos Lobos, sozinha ou com a companhia de quem se interessasse.
No começo Brady se manteve silencioso em minha presença e então certa identificação pareceu ocorrer entre nós. Como eu, ele era silencioso, mas observador e um dia nos flagramos sorrindo juntos de algo que Jacob dissera sem intenção de ser engraçado. A compreensão surgiu instantaneamente ? ele estimava Jake tanto quanto eu ? depois disso nos comunicávamos por expressões e olhares cúmplices e amigáveis de forma natural. Ele, porém se mantinha reservado na presença da minha família.
Leah continuou arisca como sempre, se escondia em seu quarto sempre que me via na casa deles, mas eu nunca deixei de gostar dela. Eu tinha uma admiração inconsciente por ela e não me sentia mal por ser tratada daquela forma. Eu sabia somente que ela era uma mulher forte e bonita, conseguia ser solitária com uma elegância que me causava inveja. A consciência criada com minhas considerações em relação a ela abandonar sua família em Forks me levou a pensar na coragem que seria exigida de mim se eu tentasse fazer o mesmo, tinha certeza de que eu não era forte o suficiente para sobreviver.
Dois dias depois de chegarmos Carlisle se apresentou no hospital da região e os outros tinham a previsão de se englobar na rotina da pequena cidade na semana seguinte. Adentrariam na F.H. Collins Secondary School, só que ninguém parecia muito empolgado com a novidade. Eu senti uma leve inveja por poderem se misturar com os humanos: como tinha dormido o caminho todo para nossa nova casa tinha uma curiosidade pela cidade nova, mas não poderia sair daqueles terrenos tão cedo.
Em comparação com Forks era uma região menos úmida, mas gelada e com ventos fortes.
Eu gostava disso, levava o aeromodelo para longe, planando com seu motor que zumbia mais alto que quaisquer barulhos da mata que nos rodeava. A minha curiosidade era abrandada pelo fato de que tudo o que eu conhecia estava ao meu redor. Que tinha eu para ver naquela cidade? Eu não tinha idéia do que poderia encontrar e aí a insegurança e o temor conflitavam com minha imaginação. O céu era o único lugar por qual eu me aventurava a ansiar, talvez por saber ser impossível conquista-lo.
Conforme os primeiros dias se passaram minha família foi ficando cada vez mais apreensiva, aquilo agora me irritava abertamente. Me sentia sufocada com a superproteção e ao mesmo tempo em que a irritação dominava meu corpo, outra parte da minha mente lutava contra ela, dizendo o quanto eu era ingrata por ter uma família amorosa e que sentir aquilo era uma coisa errada.
Ficava então acabrunhada e me recolhia nessa pequena luta por alguns momentos, antes de conseguir controlar as emoções. Jasper que obviamente havia percebido essas inquietações nunca sequer me lançava um olhar, mas só o fato de ele saber fazia meu corpo todo tremer de desconforto.
Já meu pai era uma história diferente. Edward estava me tratando diferente desde que mudamos, nunca com frieza, mas de certa forma, mais distante. Eu não entendia exatamente o que tinha mudado, se eu tinha feito alguma coisa errada, se ele finalmente tinha descoberto sobre A Profecia e que eu tinha tentado esconder o assunto. Ele não dizia e eu não tinha coragem de perguntar. Ás vezes ele me olhava de um jeito estranho, como se estivesse esperando por alguma coisa, desconfiado. Nessas horas eu ficava extremamente tímida e apreensiva.
Na manhã anterior ao primeiro dia de aula de meus pais e tios, estávamos todos na grande sala ? excluindo-se os Lobos ? e Edward me informou que eu teria aulas com Esme que ficaria em casa enquanto todos estivessem fora. Longe de mim dizer que fiquei entusiasmada, estava é ávida pelo que iria aprender. Mais do que nunca tinha a consciência de que meu conhecimento do mundo era tão pequeno quanto meu tamanho (a cena no observatório tinha sido uma pequena demonstração de meu ?vasto? conhecimento).
Eu teria vergonha de confessar se me perguntassem, mas havia um leve entusiasmo preso em mim ? uma voz severa parecida com a do meu pai tinha surgido na minha cabeça me condenando. ? É que eu nunca tinha ficado realmente sozinha e uma natural ansiedade se formou como uma bola que ameaçava me sufocar de vez em quando.
Bella começou a ficar frenética em relação a minha presença, me dando uns abraços entusiásticos e apressados e largando-me logo em seguida, um pouco envergonhada. Rosalie me seguia como a uma caça e Alice sorria para mim o tempo todo, nervosa. Edward ficou um pouco frio, mas parecia me observar com olhos mais perspicazes e do nada passava a mão em minha cabeça. Na noite anterior ao primeiro dia de aula nós fomos caçar ? meus pais, Jacob e eu. O espírito de meus pais estava quase beirando à animosidade quanto a ele. Imagino que o fato de Jake ficar se vangloriando e fazendo planos comigo para a manhã seguinte teve alguma influência no assunto. Sinceramente ele parecia ofensivamente radiante até para mim.
De qualquer forma o dia seguinte finalmente chegou e a despedida foi bem calorosa, Bella teve de ser praticamente arrastada por Edward. Depois que todos saíram inclusive (Carlisle para ir ao trabalho) eu e Esme nos olhamos e sorrimos uma para a outra.
As primeiras quatro horas que se passaram em sua companhia eu fiquei sentada em uma mesa muito antiga de madeira, encurvada sobre alguns livros e um caderno. Eu já sabia ler, mas não tinha ainda exercitado minha escrita. Cada meia hora Esme passava uma lição diferente, sempre amorosa e entusiasmada e eu correspondia ao entusiasmo dela com afinco, absorvendo o máximo que podia e considerando tudo o que era dito.
Então depois de quatro horas meu espírito começou a ficar impaciente por algo diferente, ela notou e não se ofendeu. Se aproximando de mim ela pegou minha mão e alisou minha bochecha direita.
- O que você quer fazer Nessie?
Eu estava ligeiramente confusa, não estava acostumada a ficar sem muitas pessoas ao meu redor. Então um grande e forte desejo se apoderou de mim e eu coloquei minha mão sobre a dela.
- Você que ler alguma coisa? ? ela perguntou meio em dúvida. Eu sacudi a cabeça em afirmação.
Eu queria ler alguma coisa não didática, algo que não precisasse de um intermediário para me ajudar a compreender.
Ainda segurando minha mão, nós corremos em direção a biblioteca de Carlisle, ela correndo no meu ritmo. Nós paramos juntas na porta, que ela abriu para mim. Eu olhei para seu rosto terno em forma de coração, ela ainda segurava minha mão.
- Esme...
Ela se abaixou para ficar da minha altura, eu havia crescido apenas alguns centímetros desde que chegamos.
- Pode falar minha preciosa.
- Eu, eu acho... ? minha voz horrivelmente aguda soou aos meus ouvidos. Olhei minhas mãos criando coragem ?... Eu acho que queria ficar um pouco sozinha.
Se ela ficou espantada, não demonstrou. Quando olhei para ela estava sorrindo, bondosamente, como sempre.
- Eu entendo.
Então, ela se levantou.
- Se precisar de alguma coisa, você sabe que é só pedir, não é?
Novamente sacudi a cabeça.
- Ótimo.
E então, ela não estava mais lá.
Eu ainda estava do outro lado da porta, senti meu coração bater anormalmente mais rápido. Finalmente poderia desfrutar do que eu quisesse sem interferências, eu tinha consciência de que os livros que tinham neste local não eram os que meus pais liam para mim antes de eu adormecer.
Então eu suspirei e entrei.
Não sei quantas horas se passaram, só sei que de repente senti uma inquietação que parecia pertencer ao meu espírito, acho que eu não tinha sido feita para ficar mais do que algumas horas concentrada em qualquer coisa que fosse.
Apesar de relutante deixei a poltrona onde havia me acomodado. À minha frente dois livros lidos: Razão e Sensibilidade e a biografia de André Breton. No momento estava na metade de um terceiro livro que achei interessante pelo título que era O retrato de Dorian Gray.
Eu havia lido esses livros tão rapidamente quanto tinha sido capaz, na minha cabeça mil imagens, manifestações e possibilidades. Agora que finalmente tinha parado, a biblioteca parecia estranhamente silenciosa comparada com as vozes em minha cabeça.
Quantas horas... Quanto tempo eu havia perdido? Era como se eu observasse o mundo depois de um longo sono.
Semi?inconsciente caminhei até o quarto de tia Rosalie. Enquanto andava tentava não olhar para meus próprios pés, cheguei até a dar alguns passos de olhos fechados, controlando a respiração como se pudesse controlar também o meu estado de espírito confuso e então, não sem antes hesitar por um segundo, finalmente entrei no quarto.
O que eu queria, o que eu ansiava ao mesmo tempo em que temia, estava logo à minha frente.