Indelicada

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    Capítulos:

    Capítulo 2

    Conformismo

    Desde crianças aprenderam que tudo que acontece na terra é vontade de Deus e que não há nada que possa ser feito para mudar isso. E é esse o ensinamento passado de geração em geração, até chegar à geração da Julie... E ela aprendeu direito, sempre que algo não dava certo ela abaixava a cabeça e deixava tudo como estava, nunca se preocupou em tentar mudar a situação e nem em questionar o porquê dos acontecimentos, simplesmente aceitava.

    Era uma manhã de segunda-feira, Clarice, a mãe das crianças havia saído para trabalhar. As duas meninas brincavam no quintal.

    _ Um sapo!!! - Gritou Julie de repente.

    _Onde? - Perguntou Louise curiosa.

    _Atrás do vaso- apontava com o indicador.

    Minutos depois e já estavam as duas banhando o sapo e em seguida colocando-o para dormir em suas roupas sujas.

    Repetiram a mesma coisa durante vários dias, mas sempre com sapos diferentes, porque eles sempre fugiam.

    Durante muito tempo as brincadeiras com sapos, bonecas e pequenos artesanatos que faziam com argila foram suficientes para que as meninas se mantivessem "felizes", ou pelo menos era como se mostravam para as pessoas, nunca reclamavam a falta que a mãe fazia, nunca questionavam sobre o porquê de Clarice passar o dia fora e nem porquê ela não estava lá também durante as noites de domingo, sabiam que a mãe trabalhava muito para mantê-las na escola e dar-lhes o básico para sobreviver desde que o pai as deixou, bom, pelo menos para Louise havia certa diferença desde que moravam sós com a mãe, mas para a pequena Julie era a única vida que conhecia, pois o seu pai já não estava lá desde os seus três meses de vida, portanto simplesmente deixavam tudo como estava.

    Alguns anos depois as lembranças que tinha dos sapos e os brinquedos de argila eram como mármore frio, coberto de poeira. Por alguma brincadeira do destino as meninas se separaram, se separaram de um modo afetivo, mesmo morando na mesma casa, o contato não passava de cumprimentos e algumas falas obrigatórias de quando se convive com alguém, coisas como "me passa o açúcar".

    Louise era uma adolescente comum, tinha amigas, ia a festas, namorava e tinha um vida social padronizada, Julie, ainda uma menina, tinha contato apenas com a família, um prima que considerava como a melhor amiga, e com diversos livros, ia toda tarde à casa do tio, ficava até a noite por lá, ora ajudado a fazer alguma coisa, ora escrevendo, ela tinha o sonho de escrever livros que fossem conhecidos no mundo todo, mas nem ela mesma acreditava em seu talento, e sempre que terminava de escrever algo ela rasgava e atirava no lixo. Era sempre a mesma coisa. Não importava o quanto algumas pessoas gostassem do que Julie escrevia, ela nunca gostava, mas escrevia sempre que algo acontecia, para ser mais clara, escrevia sempre que algo ruim acontecia.

    Costumava ter um comportamento estranho em relação às pessoas, não falava muito, bom, pelo menos não com estranhos. Observava as pessoas na rua com uma atenção notável, e, se passasse por alguém em silêncio, seria apenas mais uma pessoa sem importância, esquecida logo, mas se aquele estranho dissesse pelo menos um "oi", jamais seria esquecido... Ela supervalorizava as palavras.


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