"? Quando você fechar seus olhos, eu estarei aqui pra te proteger... Quando você sentir-se só, eu estarei aqui pra te proteger. Se algo te amedrontar, eu estarei aqui pra te confortar e nem em mil anos eu vou deixar... de te proteger..."
? O que?! Você só pode estar de brincadeira! O que eu fiz pra merecer isso? Sempre fui a melhor namorada do mundo pra você. Sempre fiquei do seu lado e te fiz feliz. Você não gosta mais de mim? Não está satisfeito com o meu corpo? É isso? ? Os cílios molhados de Kurenai tocavam as curvas das maçãs de seu rosto e deixavam pequenas gotículas na pele. Os dedos da menina tremulavam, Senji estava quase desabando, mas teria de se mostrar firme diante aquela situação.
? Não Kurenai. Você é perfeita. Você foi... Mas você merece coisa muito melhor do que eu. Você merece alguém que consiga retribuir todos os seus sentimentos.
? Está dizendo que não me ama? É isso então? Você deixou de me amar? ? O terraço da escola estava completamente deserto. O vento estava deixando as lágrimas que escorriam pelas bochechas de Kurenai, geladas e as secavam em seu rosto.
? Kurenai eu... ? ele fez silêncio e a porta do terraço abriu-se com força. Yuri estava parada com as mãos para trás, os olhos de Kurenai já não tinham mais brilho. Sua boca se curvou em um pequeno sorriso mostrando seus dentes brancos. O vento intensificou-se fazendo as saias das meninas voarem junto aos cabelos.
? Agora eu entendi... ? Senji olhou confuso para Kurenai e abriu a boca para dizer algo, mas Yuri o interrompeu.
? E já devia ter entendido muito antes.
? Tem razão. Era uma coisa que eu não queria aceitar. Algo que pra mim podia ser esquecido. Eu podia muito bem viver com isso, mas você quis levar isso adiante tornando esse bolo de neve ainda maior, não é mesmo Yuri.
? Do que vocês duas estão falando? ? Senji virou-se para olhar a irmã que estava com o mesmo sorriso tenebroso no rosto, as duas meninas não pareciam percebê-lo ali e não tiravam os olhos uma da outra.
? Não finja que não sabe Senji. ? disse Kurenai sem tirar os olhos opacos de Yuri. ? Você é o culpado disso tudo.
? E-eu...
? Kurenai, se você quer culpar alguém, culpe a si mesma. Sabe aquele dia no beco? Que você me disse todas aquelas coisas? Agora sabemos quem é a verdadeira vencedora. ? Os olhos de Yuri se acenderam como chama. Aqueles olhos verdes brilhavam mais que nunca e as palavras saiam de sua boca com veneno. Kurenai estreitou os olhos e o sorriso desapareceu.
? Você está maluca? Nunca me darei por vencida. ? Senji estava pasmo de mais para proferir alguma palavra.
? Kurenai, poupe-me de suas palavrinhas sujas. Quando você disse que havia voltado com meu irmão para me prejudicar, de cara eu vi que era mentira. Eu percebi o quanto mesquinha você é, que chega ao ponto de mentir para mim e achar que eu não perceberia. Ouvi toda a conversa de vocês dois antes de eu entrar, e, bem, convenhamos, se você não o amasse, não havia falado nada daquilo. Agora, me ameaçar dizendo que se eu não saísse de seu caminho, você faria com que Senji ficasse contra mim... Que joguinho sujo, hein? E outra, que tipo de namorada pede para que o irmão abandone a irmã mais nova que ficará sozinha no mundo, esqueceu de que nossos pais morreram? ? Os olhos de Kurenai encheram-se de água novamente. ? Não sei quão falsa você é, enganando meu irmão, fingindo entender-me na frente dele, fingindo ser legal comigo e nas costas fazendo o que fez. Que feio.
? Senji-kun é tudo mentira. Eu nunca faria uma coisa dessas. ? Senji estava parado olhando para os próprios pés, sua expressão era de surpresa e raiva ao mesmo tempo. Senji, devagar, levantou sua cabeça para olhar Kurenai.
? C-como você pode? Eu te amei, eu fiz de tudo. Você ameaçou minha irmã, disse que faria com que eu a deixasse? V-você tem alguma noção Kurenai? E fingiu ser amável com Yuri na minha frente... Eu...
? Não! É tudo mentira, ela está querendo te por contra mim.
? Kurenai, ela é minha família, já você? Eu queria que fosse minha família também, mas agora... ? Kurenai correu até o menino e ajoelhou-se em seus pés beijando-os.
? Por favor, Senji, por favor... Por favor... ? dizia a menina histericamente. Senji desvencilhou-se da menina dando um paço para trás.
? Não se humilhe desse jeito Kurenai! ? gritou ele. ? Não me faça ficar com mais pena e raiva que já estou de você. ? os soluços pararam e um novo sorriso formou-se novamente no rosto da garota. Os olhos novamente pacos e as pupilas dilatadas, os dedos magros de Kurenai seguraram as calças de Senji que ficou parado olhando para a expressão aterrorizante da menina que há poucos minutos antes ainda era amável.
? Senji? O que está havendo? ? perguntou Yuri que não conseguia ver muita coisa do ângulo onde estava. Kurenai ainda sorria, agora o sorriso havia aumentado de orelha à orelha. Uma das mãos segurava a calça de Senji e a outra, devagar, foi para trás das costas. Ainda olhando para ele, ela sussurrou.
? Se você não ser meu, não será de mais ninguém. ? Senji viu o brilho dos raios de sol batendo na lamina de metal da faca, um clarão branco atingiu seus olhos e a lamina passou rápida e certeira em frente suas vistas, em um piscar de olhos, Senji sentiu sua boca encher-se de um líquido denso com gosto de ferro, tentou falar algo, mas a voz não saia, quando uma dor súbita tomou conta de sua garganta, levando as mãos até o pescoço, Senji sentiu sangue escorrer por seus dedos e inundar a camisa. Caindo sentado em frente à Kurenai, ele olhou-a pela ultima vez e tudo o que conseguiu dizer, apenas movendo os lábios desferidos de voz, foi:
? Kurenai, eu te amo. ? Yuri percebendo o que havia acontecido, sentindo o cheiro de sangue e morte no ar, sentindo que ficaria sozinha para sempre, sem mais ninguém, sem mais nenhum propósito, sentindo que Senji nunca mais voltaria e olhando para a assassina do seu irmão e primeiro amor, parada em sua frente, segurando a lamina que havia aberto a garganta de Senji. Os braços e pernas moles, Yuri caiu de joelhos no chão, olhando para o corpo imóvel do irmão e o sangue espalhando-se em volta dele. Kurenai estava imóvel do mesmo jeito, só que sentada em frente ao corpo. Yuri sentiu bílis subir para a boca e levou a mão até a boca. Virando o rosto para o lado, vomitou e depois voltou a olhar para o corpo do irmão, estirado em sua frente. Engatinhou até onde ele estava. Sentindo o sangue ainda fresco tocar sua pele dos joelhos, segurou-o em seu colo.
? Senji, por favor, não morra. Eu te amo, não posso viver sem você! Eu não conseguirei. ? Kurenai levantou-se, com os músculos trêmulos, foi até a beira do terraço. Com as grades da cerca batendo um pouco acima dos joelhos, os olhos olhando a esmo e a faca ainda nas mãos. Ouvia os soluços de Yuri.
? Eu não queria ter chegado a esse ponto. ? Yuri parecia não ouvi-la, balançava o irmão nos braços e cantarolava uma canção de ninar, lágrimas escorriam em suas bochechas. Toda suja de sangue, ela continuava a olhar para o rosto pálido do irmão. ? Foi você... Sempre foi você. Você se enfiando em nosso caminho, você me obrigou a matá-lo Yuri. ? Percebendo que Yuri não a ouvia, virou-se e berrou: ? Sua puta! Não finja que não estou aqui! Você vai pagar caro por isso! ? Yuri levantou os olhos sem levantar a cabeça, olhou para Kurenai, mas dessa vez não sorriu. Voltou a baixar a cabeça e olhar para o irmão morto. Beijou sua testa e falou quase em um sussurro:
? Eu esperava mais de nós dois. Queria poder ficar com você mais tempo, eu poderia ter feito você feliz. ? lágrimas caíram na testa dele e escorreram para os olhos, fazendo parecer que ele estava chorando, escorreram pelo canto dos olhos e perderam-se nos cabelos loiros. ? Kurenai virou-se novamente. Yuri beijou os lábios do irmão, suavemente, soltou-o e levantou-se sem fazer nenhum barulho. Aproximando-se tremula ainda, Yuri chegou perto de Kurenai que não havia percebido-a.
? Você conseguirá dormir com toda essa culpa Yuri? ? Perguntou Kurenai, ainda sem perceber Yuri. Os olhos de Yuri arregalaram-se e os músculos ficaram rígidos. As pupilas dilatadas e o sorriso novamente no rosto.
? Não. Na verdade, vou sentir muita falta dele e chorarei todos os dias por isso. ? Agora foi a vez de Kurenai arregalar os olhos, os dedos apertaram-se em torno do cabo da faca. ? Mas eu terei algo para me confortar. A sua morte. ? Kurenai virou-se rápida e tentou acertar a garganta de Yuri que se esquivou. Percebendo ter calculado os movimentos errados, Yuri recuou e foi para o lado. Yuri ria e não deixava abertura. Os cabelos vermelhos do sangue de Senji e grudados nas laterais do rosto pelo suor misturado com sangue. Aproximou-se de Kurenai sem deixar brechas e acertou um soco no nariz da garota que cambaleou para trás quase perdendo o equilíbrio. Kurenai sentiu o sangue escorrer do nariz e depois ir para a boca, sentiu uma dor terrível, deveria estar quebrado, mas ela não podia deixar Yuri vencer. Nunca mais.
Kurenai jogou seu peso e desferiu um golpe e a lamina da faca passou na bochecha de Yuri, que recuou, mas um pouco tarde, sentindo o corte arder e o sangue escorrer pela bochecha, sorriu e seus olhos pareceram vibrar. Yuri correu para Kurenai e segurou o nariz quebrado da menina a fazendo urrar de dor, com a abertura, Yuri deu uma joelhada no estômago de Kurenai que tossiu e depois outro soco em seu rosto, Kurenai caiu sentada e cuspiu sangue. Yuri foi para cima e segurou o pulso da mão que segurava a faca. Sabia que Kurenai era mais forte e que ela não agüentaria segurar seu pulso por muito tempo. Então mordeu o outro braço até arrancar pele e carne. Kurenai abriu a mão soltando a faca e gritando. Yuri levantou-se e pegou a faca suja de sangue. Passou a língua levemente na lamina.
? Você é patética. ? disse se aproximando de Kurenai. ? Tão patética que eu vou matá-la. Uma menina mais nova que você e menor que você. Devia sentir-se humilhada diante de mim. ? Kurenai respirava fundo, a dor era muito intensa, ela olhava para Yuri sem conseguir ver muito, os raios do pôr do sol atrapalhavam sua vista.
? Não me mate.
? Isso! Magnífico! Suplique para mim. ? Yuri ria. Segurou Kurenai pelos cabelos e a pôs de pé. Deu dois tabefes em sua cara e cuspiu. Puxou ela até a grade, olhou para baixo, a escola já estava vazia. O vento forte arrastava folhar e terra. Voltou a olhar para Kurenai. Estava prestes a dizer algo, mas Kurenai deu uma cabeçada tão forte que a fez ficar tonta e cortou seu supercílio. Mas ela ainda segurava os cabelos de Kurenai. Enfiou o indicador no olho de Kurenai fazendo sangrar e arrancando um novo grito da menina. ? Você ainda luta?! ? Prensou o corpo de Kurenai contra a grade e enfiou a faca em seu peito. O sangue manchou a camisa. Yuri chegou perto de seu ouvido e disse:
? Bons sonhos, querida ex-cunhada. ? Kurenai tossiu sangue e Yuri a jogou para baixo. Ficou mais alguns segundos para ver a queda. Kurenai espatifou-se no chão, a maior parte dos ossos quebrados, uma pequena poça de sangue já começava a formar-se em volta da menina. Yuri cuspiu e apressou-se em ir até seu irmão. Já estava quase de noite. Os raios laranja do pôr do sol estavam quase sumindo. Yuri voltou a abraçar o irmão e cantarolar a canção de ninar em meio a soluços e lágrimas.
? Quando você fechar seus olhos, eu estarei aqui pra te proteger... Quando você sentir-se só, eu estarei aqui pra te proteger. Se algo te amedrontar, eu estarei aqui pra te confortar e nem em mil anos eu vou deixar... de te proteger...