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o ultimo olhar
Sentiu o vento soprando mais forte em seu rosto, afastando seus cabelos louros como se quisessem levá-los. Sentiu o som e o cheiro do mar como se pudessem tocá-la, mas estava a uma distância segura, numa das calçadas mais famosas do mundo.
Adorava o Rio. Visitava-o mais de uma vez por ano, quando podia livrar-se dos Volturi e de seu irmão. E a praia de Copacabana era a sua preferida. Havia um encanto no ar, algo que não podia descrever.
A lua cheia completava o cenário, mas de certa forma a irritava. Jane gostava da escuridão. Gostava de contemplar o mar e sentir o breu em sua alma. Como se aquela negritude pudesse engoli-la para sempre. Calar para sempre os gritos de dor que escutava em sua mente. Mas não. O luar quebrava o encanto, iluminando alguns pontos no mar, pontilhando ondas, pedras, e um barco que tentava inutilmente livrar-se das amarras da âncora.
E sentindo a dor alcançar seu coraçao já frio e inutilizado pelo tempo, imaginou-se como o barco: à deriva, lutando contra as ondas e, ao mesmo tempo, presa. As pesadas correntes e a âncora forçavam-na a permanecer com eles: com os Volturi. Ah, se eles soubessem. Se eles imaginassem por um segundo o quanto queria ser livre, o quanto queria voar...
Seus pensamentos foram interrompidos por um vulto que saia do mar. Por um segundo, imaginou que criatura sairia assim da escuridão, dentre as ondas, mas sorriu ao perceber que não havia nada de místico num surfista da noite. O homem, alto, moreno e musculoso, deixou-se cair na areia da praia depois de fixar sua prancha em pé, ao seu lado.
Jane quase o invejou. Ser tão livre a ponto de banhar-se no mar à noite, deitar-se na praia deserta, a não ser por uns poucos turistas que transitavam em pares ou grupos. Da calçada, pôde ver que o homem contemplava o mar como ela, tinha os pensamentos distantes, enquanto o vento suave secava seu corpo.
Desejou-o por alguns minutos. Desejou provar daquele sangue quente e suave em seus lábios. Desejou drená-lo ate que o último suspiro de sua alma se esvaísse com o sangue. Desejou olhá-lo nos olhos enquanto via sua angústia em morrer vagarosamente em seus braços. Era o preço por fazê-la sentir-se tão presa, enquanto ele era tão livre... tão livre... meu Deus! Ah, Deus... Deus a banira para sempre do paraíso, como a outros vampiros. Mas enquanto alguns clãs como os Cullen eram uma verdadeira família, os Volturi eram a personificação dos demônios do inferno na terra e seu irmão, o próprio AntiCristo.
Um barulho interrompeu seus pensamentos novamente. Um mendigo havia derrubado uma latinha no chão, a uns cinco metros de distância dela.
Sem se preocupar com o mendigo, Jane voltou seu olhar ao homem da praia. Percebeu que ele olhava para onde ela estava. Provavelmente, o barulho havia chamado também a atenção dele. Por alguns segundos, Jane sentiu-se incomodada ao perceber que era alvo do olhar daquele homem, mas depois lembrou-se que ela estava contra a luz que o poste emitia, então ele provavelmente não podia ver nada além de uma silhueta feminina.
- Moça, tem dinheiro aí??? ? perguntou o mendigo com uma voz gutural.
Jane não prestou atenção. Estava inquieta, pois o homem da praia havia se levantado e olhava fixamente para onde ela estava.
- Moça.... ? dizia o mendigo.
Ah, maldito infeliz. Será que ele não percebia o perigo? Será que não podia perceber que em segundos ela poderia esquartejar seu corpo, ou fazê-lo passar pela pior dor que alguém poderia sentir, apenas com um pensamento?
Mas quando Jane virou-se para o mendigo, a fim de fazê-lo pagar pelo simples fato de viver, sentiu uma dor profunda em seu estomago: O mendigo havia enfiado um canivete em sua barriga.
- Passa todo o dinheiro, vadia! ? disse o mendigo agora com uma voz mais forte, emitindo um hálito podre de comida estragada e cerveja.
Jane olhou com fúria para o mendigo que titubeou ao ver a coloração vermelha em suas pupilas. ?Dor?, pensou Jane, e ele gritou levando uma das mãos à tempora, tomado pela tortura que somente ela sabia infligir.
Quando Jane pensava em destruir o mendigo, ele fez um movimento brutal com o canivete em sua direção. Desviando-se dele, Jane caiu para trás. Levantou os braços a fim de proteger-se, quando o mendigo foi atingido por um soco: vindo da praia, o homem que surfava apareceu entre eles e habilmente desarmou o mendigo que correu desesperado na outra direção. O homem titubeou, pensando em seguir o mendigo, mas voltou-se para Jane que tentava se levantar.
- Moça, você está bem? ? disse ele, segurando seu pulso com suavidade, um toque que fez todo o corpo de Jane estremecer.
Com a proximidade do homem, Jane, com um olhar, viu os olhos negros, os cabelos despenteados, e o corpo escultural daquele homem e depois fechou os olhos. Sentiu uma mão quente em sua cintura e um braço confortante envolvê-la.
- Você está ferida? Quer que chame uma ambulância? ? Perguntou aquele homem, com uma voz forte e grave.
- Estou bem... ? disse Jane, ainda com os olhos fechados. Não queria que o homem visse seus olhos vermelhos. Mais um segundo e seus olhos voltariam à cor azul original.
- Está sangrando!!! ? disse o homem, e Jane sentiu as batidas do coração dele se acelerarem. Então ela abriu os olhos e colocou a palma da mão no peito nu daquele homem. O coração havia acelerado porque ele estava com medo. Mas, pela primeira vez em toda a sua existência, não era ela que ele temia, mas temia por ela.
- Moça?? Meu Deus, você está bem?
Jane levantou a cabeça para contemplar o rosto daquele homem. Sentia uma estranha vibração em si mesma. Consternação, talvez. Nunca ninguém havia se preocupado por ela. Nunca ninguém a protegera... nunca ninguém temeu por sua vida. Sua vida era nada mais do que um vazio para os outros.
- Foi só um arranhão... nada grave. ? Disse ela, mentindo. Se fosse uma humana, já estaria morta a essa hora, mas, fora a desagradável sensação dolorida no seu estômago e um sangue gelado e já coagulado, em alguns minutos, nada mais restaria da violenta facada que havia recebido.
Jane fez um movimento para levantar-se, mas teve que ser ajudada pelo homem. De pé, demonstrando estar bem, ainda sentia uma das mãos pousada na sua cintura. O homem parecia a ponto de querer carregá-la.
- Estou bem... ? disse ela, tentando mais se convencer do que ao homem. Não estava bem. Sentia. E sentimentos era coisa que não gostava de ter.
- É melhor te levar no hospital. Meu carro está aqui perto ? disse o homem, sem se afastar dela e aquele cheiro agradável de mar que ele emitia parecia intoxicar seus sentidos.
- Não! - disse ela, confusa. ? Eu quero ir embora agora!
Surpreendeu-se ao dizer isso. Se estivesse em seu ?normal?, estaria agora experimentando o sangue daquele homem, escondida em alguma viela escura. Mas, ao invés de sucumbir ao impulso de matá-lo, que antes tivera, sucumbia ao desejo de salvá-lo. Salvá-lo de si mesma. Ele a protegera, sem saber o mostro que ela era. Agora, ela precisava protegê-lo.
- Mas... ? disse o homem, claramente preocupado.
- Não... estou bem... estou no Copacabana Palace... é aqui perto. Preciso ir, agora.
Jane afastou-se dele, caminhando da maneira mais suave possível, enquanto refreava seus pensamentos. Sentia o olhar daquele homem nas suas costas, mas não se atreveria a olhá-lo novamente. Pela primeira vez, desde que virara uma vampira, Jane havia controlado seus impulsos de morte e dor. Sentia-se bem por isso. Sentia que se um dia, sua existência acabasse, poderia enfim dizer que houve alguém, ainda que por um segundo, que havia se importado com ela.
Virou-se quando estava a uma distância segura. O homem estava parado no mesmo lugar, mas não era possível ver seu rosto. Ainda assim, Jane sabia: eles estavam trocando um último olhar.