Eis que avisto, caucasiano e alourado mancebo, que, mal agasalhado, repousa ao lado da vidraça do metrô. Protege-se do frio e da chuva da urbe com vestes de segunda mão; uma touca branca cobre-lhe os cabelos e um cachecol verdoengo e esburacado envolve-lhe o cachaço, usa uma blusa com coloração que já fora alva e menos puída, as mangas já não existem, sobre as pernas, vestidas por uma calça jeans, segura uma bela flauta transversal com as mãos enluvadas de cinza. Empapado pela chuva que o alcançara antes que descesse o fosso do metrô, tremia e parecia não sonhar pela grande fadiga evidente, na efígie clara o rastro das lágrimas recém perdidas mostrava sua tristeza.
Ao observar esta figura parcialmente insueta, movi-me em direção a este, mas sentei-me um assento adiante com receio de interromper-lhe o sono. O metrô acua n?uma de suas muitas estações. Uma velha senhora de cabelos já grisalhos, a postura côncava, o andar macio, adentra o portal do metrô; os olhos cianóticos e a expressão metediça encontram o mancebo letargo. Seus movimentos precipitam-se na direção do infante; vestia-se com garbo, um vestido flórido negro e sapatilhas claras. Ela aproxima-se e senta-se logo ao lado do menino exausto despertando-o, talvez sem querer ou talvez por bisbilhotice ou necessidade de conversar; eu, sentado logo à frente, apurei a audição, esperava saber sobre o mancebo.
Senhora - Desculpe-me. Não quis acordá-lo.
Menino - Não há problema, senhora.
Senhora - Qual a sua idade, pequenino?
Menino - Eu não me recordo.
Senhora - Como não? Onde estão os seus pais?
Menino - Eles já não estão.
senhora - Onde vives, então?
Menino - Vivia em um orfanato, mas apenas vivo agora, sem lugar.
Senhora - E esta belíssima flauta? De onde vem?
Menino - Eu não sei. Sempre a tive, senhora.
Senhora - Sabes tocá-la?
Menino - Sim, senhora.
Senhora - Onde aprendeste a ser tão polido?
Menino - No orfanato aprendi a ler, a escrever, a somar e subtrair.
Senhora - Ainda assim, falas bem demais.
Menino - Sabendo ler, aprendi mais nas bibliotecas da cidade, senhora.
Senhora - Como te sustentas?
Menino - Eu toco flauta para quem me quer ouvir, senhora.
Senhora - E quando não lhe querem ouvir, o que lhe fazem?
Menino - Mandam-me ir trabalhar, senhora.
Senhora - Como te chamas, menino?
Menino - Eu não sei lhe dizer... Senhora! Eu preciso ir, adeus!