Estava um dia Luís XIV entre o padre Lanchaise e Mme de Maintemon, sua amásia e seu confessor; desposta a majestade da realeza, entretinha-se em doce familiaridade: falava-se da última comédia de Molière, da última sátira de Boileau: Mlle de Scudery estava presente. Entregam ao rei um poético requerimento em que os amantes e protegidos pelo véu da noite queiram levar os pés de suas amadas os tributos de seu amor, queixavam-se de não poder, sem risco de vida, atravessar as ruas da cidade, e imploravam a criação de um tribunal que, severo, mantivesse a segurança e protegesse os domínios de amor.
Versos e amores...O rei estava decidido, e em breve um tribunal mais arbitrário, mais bárbaro do que a câmera ardente, viria com o horror dos suplícios dobrar o terror das imaginações, confundir em suas perseguições o crime e a inocência, a justiça e a atrocidade, se feliz inspiração lhe não viesse ao espírito.
- Que deferimento daríeis a essa petição? disse Luís a Mlle de Scudery; de amor e versos sois, por certo, juiz competente.
Supere obstáculos, vença mil perigos
Quem constância reclama da beleza;
Que é indigna de amor a cobardia.
Tal seria meu deferimento, disse a sensível poetisa.
O rei caiu em si: sim, disse, bem bastam as queixas do pobre povo, pelos rigores da câmera ardente: não o devo eu sacrificar ao arbitrário, para a segurança de meia dúzia de libertinos. Seja vigilante a polícia, vigilante o presidente da câmera ardente, La Reynie; e, tarde ou cedo
os invisíveis serão descobertos.
Assim foi indeferida a súplica, e os assassinos continuaram, e ia o terror das famílias de dia em dia aumentando.