VII - Marcha

Cavalgavam desde o primeiro raio de sol. Foi o que Vrael ordenou quando ficou claro que estava em boas condições para seguir a cavalo. Seus seguidores o haviam segurado enquanto estava de cama mas sabiam que assim que conseguisse montar, não ficariam mais ali. E não ficaram. Partiram em direção ao Pantano de Enxofre, não chegariam a adentrá-lo mas era preciso tomar aquela direção para chegarem ao seu destino. Vrael passou os dias de cama pensando sobre a elevação espectral e o garoto que esteve lá com ele. Pelas roupas que usava Vrael sabia de onde ele era, daquele poderoso reino onde aconteceria o tão falado casamento daqui algumas semanas. Aquele que os tinha evocado de seus corpos estava fraco demais para que obtivessem informações concretas sobre qualquer coisa exceto que algo ruim estava para acontecer, assim ele chegou a conclusão de que o melhor seria ir se encontrar com o tal rapaz. E lá ele poderia achar um bom lugar para seus seguidores e dar-lhes um lugar para enraizarem mais uma vez as suas vidas. Uma vida nômade não era lá muito agradável.

- Está bem, senhor?

- Bastante bem, obrigado. Como está meu irmão, John?

John era um jovem que teria sido seu escudeiro caso o outro irmão não tivesse feito tudo aquilo. Tinha os cabelos negros como a maioria, apesar de que os seus eram muito cacheados, os olhos castanhos e uma pele acobreada, tinha um sorriso fácil e parecia nutrir uma admiração por Vrael.

- Está montado no seu pônei ao lado da velha, que segue na liteira. Pareceu-me bastante feliz. - e deu um de seus sorrisos fáceis.

Aqueles sorrisos costumavam sempre ter a companhia dos seus próprios sorrisos, mas isso foi antes.

- Bem, volte para la então, não o quero sozinho e confio em poucos como você.

- Senhor, acho melhor acompanhá-lo um pouco, parece cansado.

E estava, o ocaso já caía àquela altura e Vrael tinha imposto um ritmo firme e constante desde o começo da marcha. Já haviam perdido muito tempo enquanto a teimosia dos outros os impedia de avançar e ele não pretendia perder mais tempo. Na verdade pretendia recuperar tanto quanto possível. Eu poderia muito bem viajar na liteira até que estivesse em condições de avançar a cavalo. Não precisávamos ter ficado tanto tempo parados.

- Estou bem John, vá acompanhar meu irmão. - a voz soou mais rude do que pretendia o que havia se tornado frequente, mas pretendia se retratar.

- Como quiser, meu lorde. - disse após um momento de relutância. Tratá-lo por lorde irritou-o como John provavelmente sabia que irritaria, mas conteve a raiva, não podia culpá-lo, não tinha feito nada de errado e fora certamente atingido pela rispidez da voz de Vrael.

Fez-se um grande e longo silencio depois daquela conversa, o que o levou a pensar no que os aguardava a frente. Para seus seguidores tudo terminaria quando chegassem ao reino mas para ele, ainda havia algo a fazer. Parecia que o velho do manto branco tinha uma missão importante para ele, e ainda tinha a própria missão.

O silêncio quebrou-se quando John retornou ao seus lado. Veio com um humor que fazia parecer que o atrito de algumas horas atrás nunca tinha ocorrido.

- Antes que pergunte, ele está bem. Desmontou e foi para a liteira com a Velha, estava exausto coitado.

- Foi bom, é só uma criança.

- Sim, e uma criança forte. Aguentar esse ritmo não é qualquer coisa, veja. Não é só ele que está cansado, já anoiteceu tem duas horas, não estão mais aguentando continuar hoje. O senhor não está mais aguen...

- Estou bastante bem, John. - aquilo fez John suspirar.

- A menos que queira perder todo o avanço de hoje amanhã, precisamos acampar agora. - foi tudo o que disse.

Ele tinha razão. Obrigá-los a continuar naquele ritmo só os tornaria lentos e preguiçosos no dia seguinte.

- Certo... vá você e mais dois bater o caminho a frente e achem um bom lugar para passarmos a noite.

- Como queira, Vrael.

- E John!

- Sim?

- Obrigado.

John sorriu e partiu para a tarefa. Agradecê-lo era o mínimo a fazer, tinha sido muito mais que um escudeiro naqueles dias.

Após levantarem acampamento, Vrael foi ficar junto de seu irmão na barraca principal. Tinham ficado um longo e cansativo dia separados. Essad estava deitado pronto para dormir.

- Andamos bastante hoje maninho. - disse entre um bocejo.

- Um bocado não é? - Essad era o único para quem conseguia sorrir naqueles dias.

- Amanhã vamos marchar igual hoje? Foi muito cansativo, achei que morreria de cansaço.

- Não Ess, amanhã iremos num ritmo normal.

- Promete? - John tinha aparecido à porta - Serio mesmo?

Estar com Essad animava o espírito de Vrael, de forma que conseguiu sorrir como antes na presença do amigo.

- Prometo John, sei que tenho que pensar em você também e não só nos outros todos, que aguentam marchar como homens.

- Senhor, agradeça àquela criatura por tê-lo ferido, caso contrário estaria tomando uma surra agora.

- Ora John, avance e agradeça àquela criatura por ter dado a você uma vaga chance de me vencer.

Agora os três gargalhavam. Fazia tanto tempo que havia gargalhado que Vrael achou que não se lembraria de como se fazia, mas era bem fácil no fim das contas. Depois de algumas horas com o irmão e o amigo era hora de dormir. Essad já havia adormecido não muito tempo atrás.

- Boa noite Vrael, amanhã será um dia melhor.

- Que os deuses ouçam você, amigo.

John sorriu e se retirou.

Poderia ser verdade que o dia de amanhã seria melhor. Mas a noite ainda não havia acabado. E é na noite que as coisas acontecem, é nela que as bestas noturnas caçam, que o frio chega, e com o frio, naquela noite, a morte também chegaria.