Harvest Moon Meus Amigos da Cidade Mineral

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    Capítulo 14

    Hospedaria às escuras

    Com as mãos enrugadas e os oclinhos desajeitados sobre o nariz, cobrindo os olhos azuis profundos que olhavam o pequeno potro, Barley acariciava sua macia pelagem marrom escura tentando acalmá?lo. O velho fazendeiro não sabia como nem por que, mas aquele potro parecia exausto e estava com as patas muito feridas. Há poucos minutos antes, logo que Barley o havia descoberto em sua propriedade, ele tentara uma aproximação, mas o animal só relinchava e se debatia com mais força, quase mordendo a mão enrugada daquele homem já de idade avançada. Felizmente, o tempo não concedera apenas rugas a Barley, mas também lhe dera experiência para lidar com esse tipo de comportamento e agora a mesma mão que antes o potro tentara morder, lhe acariciava, dando um alívio, ainda que parcial, às dores do animal. Depois de acalmá?lo, o velho fazendeiro retirou um pouco da água do rio que separava a fazenda da floresta numa vasilha de metal e deu ao filhote e enquanto este bebia, fazendo um certo esforço, Barley corria o mais rápido que podia ? o que para muitos poderia ser considerado apenas um jeito mais rápido de andar ? até o celeiro para pegar um dos baldes que ele havia enchido com leite das suas vacas. Novamente às pressas, ele saiu do local e voltou para sua casa para pegar uma das mamadeiras que ele costumava usar para dar leite a bezerros que nasciam incapazes de tomar leite.

    Entrando em sua casa de forma tão apressada e bruscamente ao empurrar a porta, a vassoura que costumava ficar atrás dela caiu no chão com estrépito, causando um barulho que ecoou por toda a casa. O fazendeiro ignorou completamente o som e correu para a cozinha, em direção ao armário, que ficava na parede do lado esquerdo, de frente para a geladeira que ocupava o lado direito. O armário havia sido construído por Gotz alguns meses atrás sob medida para a baixa estatura do velho, sendo diferente dos que se costuma ver, bem mais largo que a maioria e menor, tendo a parte debaixo subdivida entre as vasilhas e os alimentos por barras de madeira e as gavetas ficavam mais em cima, somando ao todo cinco, que eram usadas para os talheres, ferramentas, remédios e demais coisinhas. Fuçando as gavetas e as partes largas, Barley procurava desesperadamente pelas mamadeiras a fim de que o potro não ficasse muito tempo sozinho lá fora.

    ? Vovô? ? a pequena May, perguntou, ainda sonolenta e coçando os olhinhos, à porta da cozinha ao seu avô, usando seu pijaminha turquesa e pantufas cor?de?rosa. Ao ouvi?la, o fazendeiro deu um salto, assustado ao ser retirado de sua distração gerada pela pressa em agir e ao rapidamente se aliviar em saber que era só ela, ele se virou para olhá?la.

    ? Oi bebê, já acordou? Argum probrema?

    ? Você fez tanto barulho que me acordou, vovô! ? disse a menina, como se brigasse com ele. ? E tem um cavalinho chorando lá fora. Você vai dar ele pra mim?

    ? Oh, docinho ? disse Barley à netinha. ? Discurpa, mais a genti não pode ficá qu?ele não. Ele tá dodói e vovô vai cuidar dele, mas não sei onde aquelas mamadera que eu uso prus bezerrin? tão. Cê sabe?

    ? Claro, vovô! ? disse May, parecendo mais acorda e disposta agora. ? Eu sei onde elas estão!

    O sol ainda reluzia, resplandecente, sobre toda a Cidade Mineral, mesmo que faltassem poucas horas para ele se por. Terminadas as longas horas de preparo para o aniversário surpresa de Saibara, Karen voltou para casa, acompanhada de Ann. Ela abriu a porta de madeira que dava para sua cozinha e então cumprimentou sua mãe que estava usando um avental branco ? onde se via nitidamente a sujeira e a gordura acumuladas nele como resultado da limpeza doméstica ? com imagem de um girassol no centro, sobre a cor branca, com babadinhos amarelos nas bordas.

    ? Oi mãe.

    ? Oi tia Sá ? cumprimentou Ann, sorrindo para ela. ? Que cheirinho bom!

    ? Oi meninas! ? respondeu Sasha, olhando as duas. ? Tô fazendo bolo de milho, Ann. Nossa! Vocês parecem exaustas ? disse, observando o suor que escorria pelos seus corpos, os cabelos desarrumados e a sujeira sobre suas roupas

    ? Não fale nada, dona, porque a senhora também parece ter levado uma surra do espanador ? comentou a filha sobre o estado igualmente sujo e desarrumado de sua mãe, onde apenas o vestido escapara graças ao avental.

    ? É, eu sei ? respondeu a mãe, trocando risos com ela, mas retomando a expressão séria de preocupação e cansaço ?, mas é que eu acabei de voltar da casa da Manna e tive que ajeitar a casa toda rapidinho pro seu pai não reclamar depois. Além do mais, tá na hora do café da tarde e eu nem ajeitei tudo ainda.

    ? Entendo. E como ela está? ? perguntou Ann, tentando demonstrar até uma certa preocupação, embora a curiosidade estivesse estampada em sua face.

    ? Bom, ela está mal, mas acho que ela vai superar, sabe Ann ? respondeu Sasha, indo até a pia, onde pegou o pano de prato seco e usou para cobrir a mão e retirar de dentro do forno do fogão de quatro bocas o tabuleiro usado para fazer o bolo de milho.

    ? Quer ajuda, mãe? ? ofereceu Karen.

    ? Não precisa, querida ? ela o colocou rapidamente sobre as grades que ficavam acima das bocas e largou o pano de prato para ir até o armário ? Bom, voltando à história ? ela disse, enquanto tirava uma toalha para mesa limpa e perfumada e lançava?a sobre a mesa, com a ajuda de sua filha para ajeitar. ? Agora Manna quer se separar de Duke, mas eu acho besteira. Quer dizer, ele é um alcoólatra que só faz o que não presta, mas eles são casados e minha mãe sempre disse que respeitar o marido e fazer de tudo para manter o nosso casamento por causa do juramento feito perante Deus são coisas fundamentais para uma mulher e eu tenho certeza que o Padre Carter concordaria comigo. E, eu, na função de amiga, me vejo na obrigação de falar isso pra ela, mas a Anna fica dizendo que é o certo e me dá até raiva porque Anna não é exemplo pra ninguém, vamos combinar.

    ? Eu soube do que aconteceu com ela, mãe ? disse Karen. ? Mas pelo que a Ann falou, ele até tentou bater nela. Se não fosse pelos homens lá, ele poderia ter dado uma surra nela na frente de todo mundo! Então eu acho que Anna não está tão errada assim.

    ? Sim, mas ela bateu na cara dele primeiro...

    ? Porque ele falou o que não devia. Se ele a faz infeliz, eu acho que deviam buscar sim uma separação. Duke não presta e isso é fato. Bom, pelo menos não presta com a esposa dele porque, hoje por exemplo, ele foi legal e nos ajudou a organizar a festa, né Ann?

    ? Verdade ? concordou a outra.

    ? E como ele está? ? perguntou Sasha, colocando o pão caseiro sobre a mesa e depois dele o pote de manteiga e a jarra de café. ? Parece arrependido??

    ? Eu acho que sim, tia Sá ? disse a garota com trança. ? Ele não demonstra, mas eu estive observando ele hoje e ele parece meio triste e chateado.

    ? Bom saber ? e então a esposa de Jeff, suspirando ao terminar de ajeitar a mesa do café. ? E aí, vamos comer?

    ? Agora! ? comemorou Ann.

    ? Nada disso! ? disse Karen, olhando?a com censura. ? Primeiro você vai ver a minha roupa para a festa e depois pode vir comer, O.k.?

    ? Por que não comemos antes? ? perguntou Ann, decepcionada.

    ? Porque na minha casa você só come depois de ver a minha roupa ? disse a amiga, em tom de chantagem.

    ? Credo, Karen! Deixa a menina comer em paz! ? disse Sasha, sentando?se, enquanto a porta da casa era aberta.

    ? Olá família! ? disse Jeff, entrando sorridente, na casa, usando a sua típica roupa de trabalho. ? Esperei tanto por isso! Ei Ann!

    ? Oi tio Jé ? disse a menina, retribuindo o sorriso.

    ? Oi querido ? disse a esposa, cumprimentando?o.

    ? Oi pai! ? disse a filha dele, sorrindo também. ? Já voltamos, vem Ann!

    ? Ai!

    Karen arrastou a amiga até o seu quarto pelo braço, fechando a porta logo depois de ela passar, sob os olhares reprovadores de Jeff e Sasha.

    ? Senta na cama e quieta esse facho! ? falou em tom autoritário, empurrando a amiga na cama de solteira, desarrumando o forro rosado com melancias que sua mãe bordara e colocara sobre o colchão de algodão.

    ? O que é que você quer me mostrar que precisa de tanta atenção assim? ? perguntou a menina, contrariada e desgostosa.

    ? Bom, lembra que eu fui na casa da minha tia mês passado? ? Karen se aproximou o seu guarda de roupa de solteiro, com duas portas e quatro gavetas na parte de baixo, preparando?se para abri?lo.

    ? Aham, lembro sim, e daí? ? disse uma Ann parecendo entediada e chateada.

    ? Pois é, então olha só o que eu, digamos, ?peguei emprestado? do baú dela! ? e, em seguida, ela abriu o guarda roupa e tirou de dentro dele, escondido no meio de várias blusas dependuradas em cabides, aquela que ela planejara usar na festa e a apresentou à amiga. ? E então?

    ? Ai meu Deus! ? Ann, imediatamente, se levantou, olhando boquiaberta para o que Karen planejara usar na festa de Saibara e imaginou que não seria o velho aniversariante o destaque da festa nem sequer a fazendeira que seria apresentada formalmente àquela noite, mas sim a amiga diante dela.

    O sol de fim de tarde, em seus últimos minutos, ainda irradiava sobre a Cidade Mineral e Julie, mais do que ninguém, sabia disso. Desde o começo do dia, ela estava fora do aconchego de sua casa, buscando algum meio de tirar dinheiro daquele lugar para se manter ali e depois de uma coleta bem?sucedida, ela estava feliz porque finalmente havia terminado a proteção de sua plantação. Com a ajuda da força braçal de Gotz, Julie conseguira cercar boa parte de seu campo com madeiras e, cobrindo sua plantação para protegê?la das aves, estendera uma rede verde com buraquinhos bem pequenos e estreitos, mas que em nada atrapalhavam a luz solar. A terra estava bem arada agora e ajeitada para que os vegetais crescessem de forma organizada e sem gerar prejuízos. A pele lisa e hidratada, agora estava ressecada, as mãos, geralmente brancas e limpas, encontravam?se agora sujas e avermelhadas, cobertas de terra e doloridas, os cabelos, tratados periodicamente, agora estavam embaraçados e em todo o corpo todo, ela sentia o suor escorrendo e passeando por todo ele, por baixo de suas roupas, que agora pareciam mais pesadas que de costume. Em todos os anos de sua vida, Julie nunca imaginou que um dia estaria naquele estado e não se sentia triste por isso, não totalmente. A alegria de estar tocando seu negócio para frente era muito maior e a sensação de missão cumprida fazia com que a jovem fazendeira abrisse um largo sorriso no rosto.

    ? Nem acredito, Gotz! Nós conseguimos! Nós conseguimos! ? a fazendeira pulava de alegria, o que fez o cachorrinho, em volta deles, começar a latir.

    ? É, agora você se tornou uma verdadeira fazendeira, menina! ? disse o carpinteiro. ? Quem diria hein! Me surpreendeu!

    ? Obrigada ? e então Julie se jogou ao chão gramado da fazenda, cobrindo o rosto com o chapéu de palha que usara para proteger?se do sol que estivera mais forte quando eles começaram a montar o cercado. ? Eu tô morta!

    Gotz riu e então o cachorrinho veio lambê?la, forçando?a a se sentar novamente para afastá?lo. Em seguida, porém, ela o colocou em seu colo e começou a acariciá?lo.

    ? E então, fazendeira? Por que você tá fazendo tudo isso? ? Gotz sentou?se no campo, perto dela.

    ? Tudo isso o quê? ? perguntou ela, confusa.

    ? Bom, você vivia na cidade, tinha uma casa, um emprego. Por que quis abandonar tudo e vim pra cá?.

    ? Ah, por favor, de novo essa pergunta não! ? disse Julie, como se implorasse, ainda que num tom de brincadeira. ? Isso só faz com que eu pergunte a mim mesma por que eu ainda estou aqui! Eu prefiro pensar que só quero recomeçar de novo!

    ? Recomeçar? de novo? ? indagou Gotz.

    ? Sim, é a segunda vez que tô tentando recomeçar a minha vida. Na verdade, eu comprei essa fazenda querendo simplesmente descanso pra mim, por tudo? o que eu passei, sabe. Pra só então, recomeçar alguma coisa.

    ? E que belo lugar cê escolheu pra re?recomeçar hein!

    ? É, eu sei ? disse Julie, dando um risinho abafado. ? Mas até que gosto daqui. Eu queria vir e descansar numa fazenda bonita e o que eu encontrei foi? só mais trabalho! Mas sei lá, eu consigo gostar desse lugar. Acho que o fato de eu ter chegado aqui e ter sido recebida por um brutamontes grosso que queria matar o meu cachorrinho e nem sequer carregar as minhas malas, depois ter descoberto que comprei uma fazenda abandonada e que eu teria que trabalhar para me sustentar de alguma forma nesta bendita fazenda abandonada e no dia seguinte ter uma mulher aqui pra dizer o quão a minha casa é pequena e sem banheiro devem fazer eu gostar mais daqui ? ela explicou, olhando ao redor.

    ? Por acaso o brutamontes grosso sou eu? ? perguntou Gotz, sério, após ouvir a longa fala de Julie, mas ela apenas riu de forma que confirmou.

    ? Bom? então eu te faço gostar mais daqui? ? ele perguntou, um tanto intrigado, fazendo a fazendeira corar ao notar como isso havia soado.

    ? Oh, por favor, foi num contexto geral ? apressou?se ela a corrigir o erro. ? Não foi num sentido de? sabe?

    ? Sim, eu entendi. Você não é uma maníaca desesperada que se apaixona peãs pessoas em? dois dias, só, né ? ele disse, em tom zombeteiro.

    ? ? ? ela concordou, balançado a cabeça. ? Até porque estou meio, querendo distância de homens ultimamente.

    ? Hum? e de mulheres?

    ? Gotz, nem vem ? ela disse, levantando?se, enquanto fazia uma expressão de desagrado e ele ria dela, ficando de pé também. ? Gotz, eu vou ter que ir agora que já vai dar cinco horas e eu preciso ainda me arrumar porque tem o aniversário do Saibara, sabe.

    ? Ah, claro. Eu também vou. Nos vemos lá?

    ? Com certeza! ? disse Julie, sorrindo.

    ? Então é isso, tchau guria ? disse o carpinteiro, dando tapinhas nas costas dela, um pouco fortes até, e saindo da fazenda em seguida. ? Até daqui a pouco!

    ? Tchau! ? disse Julie, acenando e sorrindo.

    Aos pés dela, o cachorrinho a olhava, animado e com a lingüinha para fora. Após encher a vasilha dele com ração, Julie entrou em casa, pegou um dos seus vestidos de sair e uma toalha, prendeu os cabelos loiros em um coque e correu para a fonte termal, ansiando por um bom e quente banho para relaxar seu corpo e sua mente também.

    ? Bom, acho que já deu minha hora, Mary ? disse Gray, enfim, lançando?se sobre uma cadeira da biblioteca.

    ? Já cansou? ? ela perguntou, olhando?o e rindo, apoiando?se sobre a longa mesa que se estendia ao lado da cadeira em que ele se sentava.

    ? Não é só isso ? ele disse, olhando?a. ? É que eu fiquei aqui quase a tarde toda e as pessoas podem suspeitar, não acha?

    ? Na verdade não ? ela disse, se aproximando até ficar de frente para ele. ? Bom, já nos justificamos com meu pai e seu avô, não foi? Você veio aqui me entregar as ferramentas e decidiu ficar logo pra me ajudar a arrumar a bagunça. Pronto. Não há do que desconfiarem ? e então ela se sentou na perna direita dele. ? Você vai na festa?

    ? Na verdade, não ? ele respondeu, pondo as mãos na cintura dela.

    ? Aiai, que bobeira hein! ? disse ela, olhando para ele, repreendendo?o. ? Saibara é o seu avô.

    ? Parente não se escolhe, Mary, e você sabe disso ? respondeu Gray, mantendo a postura séria. ? Eu fui forçado a viver com meu avô e não gosto dele, então tanto faz, tanto fez o aniversário dele pra mim. E já me basta ter que ajudar nessa festinha tosca.

    ? Eu acho isso horrível da sua parte, Gray. Minha mãe não é a pessoa mais legal do mundo e ela me dá mais dor de cabeça do que qualquer outra coisa, mas ainda assim ela é a minha mãe e eu sei respeitá?la por isso. Você devia reconhecer o esforço do seu avô, sabe, em te criar ? Mary então se levantou, para repreendê?lo, fazendo?o soltar um suspiro aborrecido. ? Até porque eu vou estar lá e queria que você estivesse também, sabe.

    ? Mary, você é a única pessoa que presta neste lugar e nós nem mesmo vamos poder conversar com toda aquela gente sem virarmos ?o motivo? das fofocas da sua mãe, aliás, e então o que adiantaria?

    ? Pra mim adiantaria só ao menos poder te ver e saber que está lá ? ela disse, fazendo carinha de dengo.

    ? Eu vou estar lá. No andar de cima ? ele respondeu, mantendo a expressão emburrada.

    ? Eu não vou subir no seu quarto, Gray! ? disse Mary, parecendo irritada. ? Se a sua intenção é?

    ? Amor, não é isso ? e então ele se levantou e se aproximou dela. ? Só que? sabe, eu não quero ir na festa, porque eu não gosto, mas se você faz tanta questão assim, eu posso fazer esse? sacrifício.

    ? Ah! Eu sabia que você não ia me abandonar! ? e então a jovem futura bibliotecária pulou em seu namorado, beijando?o, animada.

    Manna ainda estava abatida pelas coisas que lhe ocorreram na noite anterior. Suas amigas já haviam saído de sua casa fazia um bom tempo para se prepararem para a festa de Saibara e apesar do convite delas para que ela fosse para a festa, a verdade é que Manna simplesmente não tinha ânimo algum. Faltava?lhe coragem de encarar Duke e toda a cidade depois do escândalo público na estalagem. O rosto ainda estava vermelho e inchado das várias lágrimas derramadas, a cama ainda estava desarrumada e roupas estavam espalhadas pelo chão. Ela então se levantou e, da janela de sua casa, viu Zack levando uma churrasqueira para dentro da Hospedaria do Doug. Haveria uma festa e ela não iria. Gostava de Saibara e costumava estar em todos os grandes eventos da cidade, sempre com altos babados para contar e muitas observações que geravam ainda muitos outros babados. Ela então riu de si mesma, pensando em como ela era tolo e fútil em pensar nesse tipo de coisa, mas o pensamento de que ao menos era a feliz fazendo isso diminuiu a sua culpa, despertando, porém, outro sentimento. A dor pelo que passou. Andando lentamente, como se o corpo estivesse bem mais pesado, Manna foi até a sua cama, pegou o grande edredom e o lançou ao alto para esticá?lo e então dobrá?lo e guardá?lo. Sabia que não fazia muito sentido ela arrumar a cama na metade da tarde se ficaria o dia todo ali, mas simplesmente queria fazer alguma coisa com urgência para tentar retomar sua vida velha, sua rotina feliz, mas os pensamentos ruins voltavam a consumi?la.

    Lembrou?se de Aja e das últimas coisas que dissera naquele dia em que saiu de casa, tomada de revolta, ?Você ama mais esse lixo do que eu!? e então a voz de Duke, no dia da briga, ecoou em seu ouvido com suas palavras ásperas ?Nosso casamento é um lixo, nossa casa é um lixo, essa cidadezinha é um lixo, todas essas pessoas são um grande lixo e aquela mimada da nossa filha é um lix? TAP?. O edredom caiu lentamente, fazendo leves e suaves dobras ao tocar o chão. Os joelhos de Manna caíram por cima, de forma abrupta, e as lágrimas recomeçaram ao som do eco do tapa que ela havia dado em seu marido àquela noite.

    ? Levanta daí! ? ela ouviu a familiar voz autoritária de Anna lhe dizer, mas Manna não respondeu e apenas continuou a chorar. ? Levanta agora ? repetiu Anna, mas de nada adiantou. ? Levanta, Manna!

    ? Eu não quero! Eu não vou! ? respondeu a outra, chorosa, entre lágrimas.

    ? Eu já me cansei dessa sua choradeira, Manna, então levanta logo essa sua maldita bunda e para com esse choro idiota! ? Anna não só dizia em tom autoritário como também agora tentava puxar Manna pelo braço, fazendo um grande esforço.

    ? PARA! PARA! ? dizia Manna, tentando resistir e arranhando Anna, evitando olhar para cima ? Me deixa em paz!

    O corpo de Manna, entretanto, estava tão fraco quanto a sua força de vontade e ela acabou ficando de pé, não resistindo à pressão de que Anna fazia com as unhas, que machucavam os braços brancos da dona do vinheiro. Ela evitava encarar sua amiga, mantendo seus choros e soluços, os cabelos negros e curtos jogados sobre o seu rosto e os pés com pouca firmeza.

    ? Chega, Manna. Você não precisa ficar assim ? disse Anna ao seu ouvido, abraçando?a por trás. ? Não precisa, meu anjo. Você é muito melhor do que isso e não vou permitir que chore assim por causa daquele homem imprestável que não te merece. Você não precisa ? e aos poucos, Anna afrouxava o abraço e então conduzia sua amiga até a cama, onde as duas se sentaram, uma de frente para a outra, enquanto Manna ainda tentava engolir o choro em meio a soluços. ? Você não precisa disso ? reafirmou Anna, colocando os fios de cabelo dela, que cobriam seus olhos, para trás de suas orelhas.

    ? Por quê? Por quê? Por que isso acontece, Anna? ? perguntou Manna, mergulhando o rosto no peito de sua amiga.

    ? Oh, meu anjo ? disse Anna, acariciando a cabeça dela. ? Acontece porque tem que acontecer. É assim que as coisas são, você não só pode se deixar vencer por isso.

    ? A minha filha, Anna. A minha filha? ela me deixou por causa dele! Daquele trapo!

    ? Ótimo. Se ela te deixou por causa dele, então agora ela vai voltar, não é? Você não vive mais com ele, não o ama mais, não tem nada a ver com ele!

    ? Eu amo, Anna. O pior é que eu ainda amo?

    ? Pois hoje vai deixar de amar ? a mãe de Mary se levantou em um salto e foi até o guarda?roupa de Manna, abrindo?o e olhando os vestidos que tinham nele. ? Você vem na festa comigo.

    ? Na festa? ? perguntou, olhando?a mexendo em suas coisas. ? Não vou não! Não vou ter coragem de encarar o Duke e toda aquela gente vendo que a gente brigou.

    ? Ué. Eu brigo com o Basil todos os dias e todos sabem disso e nem por isso eu tenho medo de pôr o meu melhor vestido, um belo de um decotão e sair por aí. Eu quero que todos e, principalmente o Basil, vejam o quão linda eu posso ser apesar de tudo. Nós brigamos? Legal, acontece. Agora eu vou deixar que os outros comentem que eu estou triste, aos prantos? Nem morta! Eu quero mesmo é mostrar que eu não preciso de um homem pra ser feliz ? disse Anna, animada, e então ela pegou um vestido do cabide. Era um vestido longo, prateado, todo bordado nas laterais e no colarinho. ? Vamos, vista esse aqui.

    ? Não, eu já disse que não vou, Anna ? disse, tentando manter a voz firme.

    ? Manna, benzinho, preste bem atenção: eu não deixei a porta da sua casa aberta à toa quando eu saí. Eu sabia que se você se trancasse aqui, só Deus sabe o que você podia ter feito e eu voltei porque sou um lindo e esbelto anjo que tem que pôr a sua pobre cabecinha infantil no lugar, então se vista e eu não te convidei a vir comigo. Mandei você vir comigo.

    ? Anna, você não manda em mim e você deixou a porta aberta? Eu tinha mandado trancar, sua vaca! Além disso, eu sou uma mulher crescida e não preciso de você na minha cola. Eu não sou infantil, só estou com sérios problemas e eu agradeceria muito se você mostrasse o mínimo de compaixão comigo e me deixasse em paz com a minha própria dor e? ei! Não saia quando eu estiver falando!

    ? Vou beber água, enquanto você se veste e anda logo porque será um sacrifício tirar essas suas olheiras horrorosas ? disse Anna, fechando a porta do quarto ao sair. ? AH! E a Julie será apresentada hoje a todos da cidade, então é a oportunidade perfeita pra descobrir se, afinal, ela é ou não amante do Thomas!

    A noite finalmente havia chegado depois de uma longa manhã cheia de trabalho para todos os moradores da Cidade Mineral. A parcela da cidade que não estivera envolvida com seus próprios afazeres havia trabalhado duro para que a festa do velho Saibara desse certo e todos esperavam que realmente desse. Julie também esperava que tudo ocorresse bem. Esta seria a sua primeira comemoração dentro da Cidade Mineral e ela não queria pagar mico na frente de todas aquelas pessoas. O cabelo loiro estava preso num coque, deixando apenas uns fios caindo sobre o rosto como se fosse uma charmosa franja, para tentar esconder um pouco o fato de que ele estava um pouco ressecado, seu corpo trajava um vestido decotado cor índigo com um corte lateral sobre a perna esquerda que ela costumava usar na noite urbana.

    Julie se olhou no espelhinho de rosto que ela trouxera dentro das malas por horas, tentando ver se conseguia dizer se ela não estava muito indecente para os padrões da Cidade Mineral, mas o fato de o espelho mal?mal servir para que ela olhasse seu próprio rosto não ajudava muito. Ela então pegou sua bolsinha vermelha, calçou o sapato de salto preto, passou um pouco do perfume e saiu de sua casa. Ao vê?la sair, o cachorrinho tentou vir depressa ao seu encontro para lambê?la, mas Julie o havia amarrado à árvore próxima usando a corrente que Ann havia lhe emprestado mais cedo. Enfurecido, o pequenino latia, mas ela caminhou para fora da fazenda, sem lhe dar atenção. Naquele momento, ela era queria ser mais ?uma fazendeira? e sim ?uma mulher da cidade?, ignorando os latidos irritantes dele ? que ela sabia, só queria chamar a atenção. Era a noite do seu estrelato e ela queria brilhar.

    As portas da Hospedaria do Doug se abriam lentamente. Todos ali presentes, cobertos num enorme véu de escuridão, se agitaram entre cochichos e silvos pedindo silêncio, sentindo as pernas dobradas atrás das enormes mesas tremendo com o cansaço de ficarem naquela desagradável posição, agachados. Quando finalmente a silhueta de uma pessoa se formou, todos num enorme pulo gritaram, histéricos, ao mesmo tempo em que algumas bexigas eram estouradas:

    ? SURPRESAAAAA!

    Julie levou o susto e soltou um grito agudo no mesmo instante em que deu um pulo, mas ninguém pareceu muito feliz ao notar que haviam gritado para a pessoa errada.

    ? Julie! ? disse Karen, em tom irritado e a loira deduziu que sua expressão deveria condizer com a voz, já que vê?la nitidamente não era possível. ? O que cê tá fazendo aí? Cadê o Saibara?

    ? Eu? ? a fazendeira fez menção de responder, mas outra voz interveio.

    ? Julie! ? ao olhar para trás, a fazendeira viu que era Saibara com seu neto, Gray, vindo ao longe. ? O que está acontecendo aí? Por que está tudo aí nesse breu? E que gritaria foi essa?

    CONTINUA


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