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E o céu daquela cidade não parava de chorar. As gotas rápidas como a luz, geladas como os pólos, junto do vento refrescante naquele calor escaldante. Naquela mesma cidade, uma garotinha no alto dos seus onze anos de idade, brincava sob a chuva. Mantinha seus braços abertos, tentando pegar parte da chuva para si em suas mãos. Seus pés descalços, e sua roupa encharcada, ela rodopiava sem parar, em seu quintal amplo e cheio de poças.
Não muito longe dali, um garoto cuja idade era a mesma, a observava, estudando sua dança. Ele vestia roupas formais, e seus cabelos negros e compridos estavam presos para trás. Era uma criança culta a qual possuía família de classe alta. Para ele era vulgar esse tipo de atitude, já que a menina era toda desleixada. Mas no fundo, tinha um certo afeto pela mesma.
Quando seus olhares por um acaso se chocaram, ela não pode se conter.
? Oh! Vizinho, vem aqui comigo! ? Chamou sorridente.
Ele apenas negou com um simples balançar da cabeça. E ela, simplesmente o ignorou, afinal, isso não mudara nada em sua relação com a chuva.
? Saia você daí, antes que pegue um resfriado. ? Concluiu, colocando suas mãos nos bolsos, expressando sua total raiva ao ver a menina ali, toda ensopada e suja de lama.
? Eu não, seu chato! ? Insistiu a criança.
Aos olhos do jovem, ela era uma tola e incompetente. Mas, ao mesmo tempo, ele sentia que sua raiva existia pura inveja da menina, já que ela podia correr e pular desatinada na chuva. Sem se conter mais um minuto, chamou a garota com a voz suficientemente alta, para fazê-la parar, e o olhar.
? Terume!
Houve um momento, onde as trocas de olhares fizeram com que ambos permaneceram calados.
? Pare com essa inveja patética. ? Falou com seriedade. ? Não vou deixar de me divertir, porque você não quer sujar suas roupas engomadas.
Isso fez com que ele se calasse instantaneamente. Terume, incrédula, acabou perdendo a noção de toda a diversão sob a chuva. Ela andou então, até a árvore no fundo de seu quintal, e retirou uma flor de Sakura, nova, e recém nascida. Logo, foi andando até o jovem, com um sorriso estonteante no rosto.
? Não preciso de consolo. ? Concluiu ao ver a garota com a flor rosa nas mãos em concha.
? Isso não chega a ser um consolo Kaoru. Esta flor vai te curar de toda essa sua teimosia. Ande sempre com ela. ? Falou sorrindo com ardor.
? Pare com isso, inconseqüente! ? Ele hesitou.
A garota não se deixou intimidar, apenas sorriu.
? Pare de ser chato garoto. Venha brincar comigo, e deixe sua inveja de lado. ? Murmurou a menina, já cansada das atitudes ingratas do garoto. ? Venha antes que seja tarde demais.
Kaoru a olhou nos olhos, e deu um passo para trás, se distanciando mais da garota, que se sentiu rejeitada por um único instante.
? Eu vou deixar sua Sakura aqui. ? Falou desapontada. Saiu, deixando a flor rosa no chão, um pouco a frente do garoto.
Terume foi andando de volta para o seu quintal, onde se sentou debaixo da árvore de Sakura, ainda sob a chuva. E voltou sua atenção para o amigo que não saíra do lugar.
Kaoru olhava para a flor com os olhos sequiosos. Dando valor aos sentimentos que tinha pela garota, pegou a flor após refletir sobre seu ato grosso e imprudente, e saiu deixando a garota sozinha.
O dia seguinte também foi chuvoso, mas desta vez, Terume não apareceu. E a mesma coisa aconteceu nos próximos três dias. Dias cálidos, e cansativos. Kaoru ficou sozinho, pensando em como magoou a menina a qual gostava. Nesses três dias, ele observou a chuva, com a imagem da garota correndo e girando, mas era apenas uma ilusão.
Na semana seguinte, quando Kaoru fazia seus deveres escolares, seu pai o chama para dar uma notícia não muito boa. Nesse dia não chovia, pelo contrário, o sol brilhava com exuberância.
Após receber a notícia, Kaoru se manteve sério. Dessa forma, seu pai não notaria sua tristeza e desgosto. Talvez, por que ele tinha vergonha de mostrar o quanto a garota tinha importância em sua vida. Seu pai o levou para casa dela, onde ambos foram recebidos com atenção. E enquanto o pai dele, e a mãe dela conversavam, Kaoru subiu para o quarto da menina discretamente. Quando Terume o viu na porta, seus olhos brilharam demonstrando sua alegria.
? Kaoru! ? Gritou, fazendo-o arregalar os olhos pedindo silêncio.
? Oi Terume. O que houve? ? Ele foi rápido, realmente queria saber o motivo da ausência da menina em seu quintal.
? Nada. ? Ela sorriu com clemência.
? Assim fico mais preocupado. ? Falou, sentando-se na cama, onde a menina estava deitada.
Ela riu desajeitada, e o olhou logo em seguida.
? Eu fiquei doente, só isso. ? Falou em seu tom calmo e agradável, numa tentativa fracassada de não ressaltar sua preocupação.
? A semana toda? ? Falou aumentando o tom de voz.
? É sim. Mas amanhã eu vou ao médico, e vai ficar tudo bem. ? Sorrindo, ela colocou sua mão sobre a dele que permanecia parada em seu cobertor. ? Ok?
? E-eu... ? Ele gaguejou envergonhado, encarando as mãos dadas.
Ela percebeu a vergonha alheia e sorriu novamente com carinho, entrelaçando seus dedos com o do garoto, que corou intensamente.
? Calma... ? Falou Terume.
? Eu...
Ele foi interrompido pelo pai, que entrou no quarto avisando sua saída.
? Sinto muito, eu tenho que ir. ? Disse o garoto desapontado, levantando-se.
Suas mãos foram desunidas, depois de alguma insistência da parte da garota, para o ver ficar.
? Eu tenho que ir. ? Kaoru falou novamente.
Terume franziu a testa, triste por ele ter que ir embora.
? Vou sentir sua falta... ? Murmurou a menina.
? Como é que é?
? Vamos Kaoru, estamos sem tempo. ? Seu pai o apressou.
Kaoru foi arrastado para fora da casa da amiga, triste e desentendido. O dia se passou e Kaoru não saiu de sua casa. Ainda pensava no que Terume havia dito, aquelas palavras que o chamaram a atenção. No dia seguinte, a mesma coisa. Logo Kaoru ficou o resto da semana depressivo em seu quarto. Apesar de estar no auge da infância, ele não brincava. Cada dia da semana parecia um ano para ele. Muitas foram as vezes, em que ele respondeu para o seu pai, ignorou seus amigos, e não fez as tarefas. Seu pai, preocupado com essa mutação instantânea, o levou ao médico, que por coincidência, era o mesmo onde Terume passou a semana.
O médico pediu para conversar com Kaoru a sós. E seu pai se retirou com desprazer.
? O que você sente? ? Perguntou o médico.
? Não sinto vontade de fazer mais nada desde que minha vizinha foi para o médico, e não voltou mais. ? Respondeu frio e calculista.
? E qual o nome dela?
? Terume. ? Respondeu duvidoso.
Nesse momento o sorriso do médico sumiu completamente, e Kaoru percebeu sua decepção ao ouvir o nome da amiga. Ele chamou então, o pai de Kaoru novamente para a sala. Ambos conversaram calmamente, tentando dificultar o entendimento de Kaoru. Mas o garoto era muito inteligente, e entendeu na hora que Terume não estava bem. Quando seu pai se levantou, segurou na mão de Kaoru e o levou para fora da sala sem falar mais nada. Lá fora, o jovem preocupado perguntou ao pai o que havia acontecido, o mesmo permaneceu calado, mas Kaoru insistiu, e enfim ouve-se uma resposta.
? Vamos visitar sua amiguinha, tudo bem? Fique calmo.
Seu pai o levou para uma sala de espera, com poucas pessoas. Algumas com deficiência, outras dormiam, outras o encaravam com seriedade. Kaoru se sentou e esperou seu pai conversar com a recepcionista. A mesma o levou para outra sala, e seu pai ficou para trás. Nesta sala, estava Terume desacordada e com falta de cabelo.
? Terume! ? Gritou o menino, fazendo-a acordar.
? Kaoru...? ? Perguntou abrindo os olhos bem devagar.
? Sim! Sou eu! ? Ele correu até a cama onde ela estava, e segurou sua mão, exatamente como da ultima vez em que se viram.
? Eu estou mal, amigo... ? Murmurou a menina fechando os olhos lentamente.
? O que houve com o seu cabelo? ? Perguntou desesperado, já com os olhos encharcados.
? Estou com câncer.
A vontade de Kaoru naquele momento era ter ido para a chuva com Terume, duas semanas antes. Estava arrependido, se sentia culpado. O garoto frio agora chorava, apertando a mão da amiga, abatido.
? Kaoru... ? Gaguejou a garota, com a reação inesperada do menino.
Kaoru desabou em lágrimas, abraçando a menina, passando a mão nos restos de cabelo que ainda sobraram em sua cabeça. Seus cabelos eram negros, curtos e lisos, os quais agora, já não estavam mais inteiros. Kaoru estava triste, ele precisava de consolo, ele queria Terume há duas semanas atrás.
? Eu gosto de você, Terume.
A menina tola e inconveniente não existia mais. Ele observara ela deitada naquela cama meramente desconfortável, cansada e com o olhar ávido, implorando melhoras. Dizem que os olhos são a chave da alma, os dela pareciam mais cofres trancados a sete chaves. O que significava sua falta de saúde. E isso perturbava Kaoru.
? Eu também Kaoru, muito. ? Respondeu abraçando-o.
As palavras passaram pelos seus ouvidos como uma recordação, e neste mesmo instante, ele sacou a flor de Sakura que estava em seu bolso, e deu para ela.
? Assim, você vai melhorar rápido. ? Falou Kaoru.
? Espero que sim. Obrigada. ? Falou pegando de volta o que lhe havia dado há algumas semanas atrás.
Aquele dia foi o mais tenso de todos para Kaoru. Seus pensamentos engoliam suas esperanças. E Kaoru voltava lá, todos os dias junto ao pai. Queria acompanhar o tratamento da amiga. E ela, reconhecia seu esforço. Os dias foram passando, e nada mudava em relação à saúde de Terume. Foi então, um dia em que Kaoru a levou um presente. Ele sabia que isso a ajudaria muito, todos sabiam.
? Terume... Eu trouxe um presente... ? Kaoru falou com um buquê de Sakuras nas mãos.
? Ah! Kaoru, que lindo! ? Terume sorriu.
? Agora você vai melhorar, eu tenho certeza. ? Ele falou calmamente.
Terume percebeu que aquele garoto gélido, com vocabulários vastos, havia mudado. Ele estava carinhoso e humilde. E ela gostava muito dele. Naquele dia, Kaoru passou a tarde toda com a garota, rindo, brincando. Passaram juntos, seus melhores momentos. Só o que não sabiam, é que seriam os últimos. O dia se passou, e Kaoru voltou para casa feliz, por que com muito gosto e satisfação, voltaria lá no dia seguinte.
O dia amanheceu chuvoso. Kaoru já estava pronto para ir para ao hospital. Esperava seu pai na varanda, observando a chuva no decorrer da manhã, imaginando quando seria a próxima vez em que viria Terume dançando ali novamente. Saiu então pouco tempo depois. Terume já não era mais uma companheira. Havia falecido tarde da noite passada, após dormir profundamente segurando sua flor. Ela não acordou mais.
E todos os dias, ele se sentava debaixo da árvore do quintal visinho.