Harvest Moon Meus Amigos da Cidade Mineral

Tempo estimado de leitura: 3 horas

    l
    Capítulos:

    Capítulo 12

    Bom-senso e sinceridade

    - E então, o que achou? ? perguntou Ann, olhando Julie, entusiasmada.

    Julie mastigava e fez sinal para a impaciente Ann esperar.

    - Anda logo! Você é muito lerda pra comer! ? disse Ann, encarando a fazendeira, irritada. ? Eu só quero saber se ficou bom o novo tempero que fiz pro meu macarrão!

    A fazendeira terminou de mastigar, quase engolindo a comida e olhou para Ann, como se a repreendesse.

    - Eu ficaria feliz se você me deixasse sentir o gosto da comida pelo menos!

    - Hei! Isso quer dizer que ficou ruim? ? perguntou Ann, preocupada.

    - Não ? disse Julie, com uma expressão mais calma, mexendo no seu prato de macarronada. Ela e Ann estavam sentadas junto a uma mesinha da Hospedaria do Doug, almoçando. O Manual do Fazendeiro, o livro que elas pegaram emprestado com Mary na biblioteca, estava ao lado dos pratos das duas, num canto da mesa. ? Este tempero está ótimo! Melhor que qualquer enlatado temperado artificialmente que eu costumava comprar. Você cozinha muito bem!

    - Obrigada! ? disse ela, sorrindo. ? Mamãe morreu e eu tive que aprender, sabe. Papai é um desastre com essas coisas e alguém tinha que fazer a comida pro povo ou morreríamos de fome, porque papai não sabe fazer mais nada dessa vida, coitado?

    - E por que não contrataram uma cozinheira? ? perguntou Julie, mostrando-se interessada no assunto puxado pela amiga.

    - Nós até tentamos. Mas a Ellen se achava muito velha, a Manna ajudava o Duke no vinhedo, Anna ?não queria sujar suas mãos cozinhando prum bando de peão?, o Jeff precisava da Sasha no mercadinho, a Lillia estava retomando sua vida no seu ranchinho de galinhas e? aí sobrou pra pobre coitada da Ann aprender a ser a mocinha da casa logo cedo. Acredite, foi um saco! ? ela disse, bufando em seguida.

    - Nossa! Eu sei como é perder os pais e assumir uma responsabilidade do nada? ? disse Julie após terminar de mastigar o macarrão que estava em sua boca.

    - Seus pais morreram? ? perguntou Ann, curiosa, aproximando o rosto pasmo do de Julie. ? Como? Quando?

    - Vai fazer seis meses ? disse Julie, confirmando. Era estranho falar sobre aquele assunto que ela geralmente evitava. ? Morávamos juntos, sabe. Mamãe vivia dizendo que eu devia arrumar uma casa própria, me casar e ter filhos, mas papai fazia questão que eu continuasse morando com eles e solteira. Bom, por isso eu fiquei morando com eles, até porque eu ajudava com as coisas da casa e tal.

    - Julie, você tem quantos anos? ? perguntou Ann.

    - Vinte e um ? respondeu Julie, olhando-a, sem entender muito o sentido da pergunta. ? Por quê?

    - Nossa! Uma moça velha da cidade, de vinte e um anos, morando na casa do papai e sem um namorado? ? implicou Ann. ? Uau! Tenho dó da sua mãe.

    - Ah, cala essa boca! Você mora com seu pai até hoje! ? retrucou Julie.

    - Eu trabalho com meu pai, é diferente, mas me conta: como eles morreram?

    - Você realmente não pode agir como as pessoas normais e dizer ?Meus pêsames, deve ter sido muito difícil?? ? sugeriu Julie, achando a atitude da amiga bastante insensível.

    - Sim, eu poderia ? ela respondeu. ? Mas é o que todo mundo diz e tudo que é generalizado me irrita. Então, se não for muito difícil pra você falar nisso ? ela alterou o tom de voz para um tom mais infantil ao falar ?, pode desabafar comigo.

    De alguma forma, o jeito mais aberto e sem cerimônias de Ann passava uma certa segurança a Julie, e ela respirou fundo. Durante os últimos cinco meses, Julie tinha se esforçado para esquecer dos pais e tentara diversas vezes mudar o rumo de sua vida. Ir para a fazenda, se ocupar com algo diferente, era uma forma de tentar esquecer um desses vazios deixados na sua história, mas ela agora via que era hora de preencher alguns deles, por mais que isso pudesse doer.

    - Eles ganharam uma promoção do banco deles: viajar para o lugar que eles quisessem ? ela começou a explicar. ? Até aí, tudo bem. Eu sugeri vários locais que eu mesma gostaria muito de visitar, sabe, Berlim, Roma, Paris, Los Angeles, Tóquio? mas eles preferiram visitar um lugar mais histórico e escolheram Israel.

    - Israel? ? perguntou Ann, pasma. ? Aquele lugar de fome e miséria onde as pessoas comem gente morta pra sobreviver?

    - Esse mesmo ? disse Julie, horrorizada com a colocação de Ann. ? Exceto pela parte do ?comem gente morta?.

    - E eles conseguiram chegar lá?

    Barulhos de passos fortes e rápidos descendo a escada para o andar de baixo da Hospedaria chamou a atenção das meninas, fazendo-as parar a conversa para olhar quem descia.

    - Ann, o almoço está pronto? ? perguntou Duke no seu tom grave, do ponto da escada em que já dava para ver nitidamente as duas moças.

    Ao ver que era ele, Julie virou-se para voltar a comer seu almoço.

    - Está sim ? respondeu Ann. ? Hoje é macarrão temperado com batatas cozidas.

    - Só? ? perguntou Duke, insatisfeito.

    - Ué, só! ? respondeu Ann, indiferente.

    - Sinto falta de quando eu almoçava de verdade na minha casa ? ele disse, coçando os pequenos pêlos ásperos que cresciam em sua face. Ainda mostrando insatisfação, terminou de descer os degraus e foi em direção à porta que ficava atrás do balcão da Hospedaria.

    - Bom, se você não tivesse enchido a cara e não tivesse quase espancado a própria esposa, quem sabe você não poderia comer lá? Pelo menos era um a menos para alimentar. Agora, se você vai comer aqui, cale a sua boca e aceite o macarrão com batatas! ? disse Ann, agressiva.

    - Você é muito abusada, guria! Só não te dou uma surra porque o seu pai é bem mais generoso que você e me deixou ficar aqui! ? disse Duke, olhando furioso para ela.

    - Ah é? E, por um acaso, você acha? ? começou Ann, mas Julie interveio.

    - Chega Ann ? a fazendeira segurou o braço da amiga. ? Isso não vai levar a lugar nenhum. É melhor parar por aqui ? ela falou para ela, abaixando o tom da voz.

    - Viu, Ann? ? perguntou Duke, em tom de deboche. ? É melhor ouvir sua amiguinha. Aliás, ? Duke olhou para Julie, intrigado ? eu não conheço você?

    - Conhece sim ? respondeu Ann antes que Julie pudesse começar. ? Você deu em cima dela ontem quando estava bêbado.

    Ao ouvir Ann dizer isso, Julie ficou muito constrangida, corando, e voltou a olhar para o seu prato, retomando seu almoço.

    - Eu dei em cima dela? ? perguntou Duke, confuso, e então falou: ? Peraí, você é a fazendeira nova, não é?

    Julie virou-se e confirmou com a cabeça, mastigando, olhando para as portas da estalagem.

    - Meu Deus! Agora lembro! ? disse Duke, ficando constrangido e levando a mão à testa. ? Caramba, me desculpe. Quando eu bebo demais, perco o controle sobre mim mesmo. Devo ter passado uma baita má impressão para você, né.

    - Você já passa uma má impressão são, imagina então bêbado! - zombou Ann.

    - Liga não ? disse Julie, olhando para ele, ainda constrangida e levando alguns fios de cabelo que caíam sobre parte do seu rosto para trás da orelha. ? Eu até já esqueci e tô bem ? ela deu um risinho para tentar parecer bem, mas a verdade é que ainda se sentia muito perturbada com tudo aquilo.

    - Que bom que esqueceu. Queria que minha esposa esquecesse também, mas? o que se pode fazer? ? disse ele num tom mais sério e ligeiramente triste. ? E mais uma vez, me desculpe ? disse Duke, rindo para ela. ? Agora deixe eu ir pegar meu infeliz macarrão com batatas?

    - Duke ? chamou Ann, fazendo-o se virar. ? Você sabe onde tá meu pai?

    - Bom, Ann ? começou Duke. ? Eu acabei de descer e não vi Doug hoje ainda, então acho que não posso te ajudar, felizmente.

    - O.k. então. Pode ir. ? ela disse, finalizando a conversa, enquanto Duke entrava pela porta dos fundos. ? E então? Onde estávamos?

    - Bom ? respondeu Julie em um tom meio rude e não parecendo muito contente, mas ainda assim em voz baixa. ? Estávamos na parte em que você lembrava ao Duke que ele tinha dado em cima de mim quando estava bêbado.

    - Hei! Por que está olhando assim pra mim? ? indagou Ann, achando irritante a forma como Julie a olhava e falava com ela.

    - Sabe, Ann ? disse Julie, tentando manter a voz mais calma. ? Olha, eu acabei de te conhecer e gosto de você, sério, mas você é muito sem noção, sabe. Você fala as coisas por impulso e isso pode magoar as pessoas. Aposto como Mary e Gray ficaram nada felizes com nossa presença lá na biblioteca e agora tem o Duke e eu! Eu só gostaria que você fosse mais delicada com as coisas?

    - Como assim, Julie? Ser mais delicada? ? perguntou Ann, intrigada, e aumentando o tom de voz. ? Olha Julie, esse é o meu jeito e eu não sou do tipo que muda porque a fulana de tal pediu! Está insatisfeita porque eu disse que ele deu em cima de você? Pois ele realmente deu em cima de você, se você ficou com vergonha ou algo assim por causa disso, sinto muito, eu não sou uma extraterrestre hipersensitiva para saber o que se passa com os sentimentos dos outros. Somos sinceros aqui, Julie. Não maquiamos nossos pensamentos ou sentimentos, mas os expressamos com sinceridade. Honestidade, sinceridade? são virtudes, sabia e nós não somos um bando de ignorantes como vocês da cidade pensam que somos! Muito pelo contrário, somos transparentes, sem máscaras e encaramos nossas realidades de frente!

    - Você me entendeu mal, Ann ? disse Julie, tentando manter o tom da conversa baixo. ? Você é assim, eu entendo e admiro sua sinceridade, mas eu só quero que você saiba respeitar os outros, sabe. Não é maquiar alguma coisa; é ter bom senso e saber respeitar as pessoas. Respeito também é uma virtude e você foi grosseira e irritante!

    - Quer saber de uma coisa, Julie? ? Ann se levantou e pegou a cesta de coleta que estava vazia aos pés da mesa. ? Está vendo esta maldita cesta aqui? ? ela confirmou com a cabeça. ? Pois é, eu ia te ajudar com a coleta, mas se você me acha tão irritante e grossa, problema é seu e boa sorte!

    Irritada e emburrada, ela colocou a cesta na mesa com certa brutalidade, assustando Julie, que por um momento achou que ela ia quebrá-la, ponde-se de pé em seguida.

    - Pela Deusa! O pit-bull lá fora te contaminou, Ann?

    Quase que instantaneamente, as portas da Hospedaria se escancararam e por elas entrou Karen, a garota que tinha dado as sementes de pepino grátis para Julie.

    - Karen, olá! ? disse Ann, acenando para a menina, surpresa, mas sem demonstrar grande alegria. ? Quando fala de pit-bull, está falando de mim ou do cachorro da Julie que está lá fora? ? ela respondeu e então seus olhos fitaram o garoto que apareceu logo atrás de Karen. ? Cliff! ? seus olhos se arregalaram de surpresa ao vê-lo e ela falou seu nome de uma forma meio mecânica.

    - Oi Ann ? o garoto respondeu, lançando-lhe um olhar meio vazio.

    Julie o conhecia. Na noite em que Manna e Duke brigaram, Cliff havia descido as escadas do segundo andar junto de Gray e Julie os viu por alguns segundos. Agora ali, com ele parado diante dela, ela podia vê-lo melhor. Cliff tinha cabelos castanho-escuros longos amarrados, que caíam até um pouco abaixo do ombro com uma pequena franja caindo sobre a testa. Ele era um pouco menor que Gray e do mesmo tamanho que Karen, com olhos negros que traziam em si alguma melancolia e fizeram com que Julie sentisse certa simpatia por ele instantaneamente e o achasse até atraente. Ao olhar para como Ann olhava por ele, imediatamente Julie percebeu que ela achava o mesmo que ela? e talvez até um pouco mais.

    - Julie, querida! ? Karen andou até Julie, sorrindo, e elas se cumprimentaram com beijos no rosto. ? Não sabia que você tinha um cachorro tão lindinho ? e ela então olhou para Ann e depois para ela ? nem imaginava que você já arrumou confusão com nossa pequena Ann.

    - Confusão? Quem arrumou confusão aqui? ? indagou Ann, de repente, encarando a filha de Jeff.

    - Vocês. Eu vi ? respondeu Karen, achando a pergunta de Ann idiota.

    - Não era uma confusão, Ka ? esclareceu Ann, olhando para a amiga e dando um sorriso. ? Eu fui grosseira demais com Julie e a expus ao ridículo.

    - Ann, não precisa? ? começou Julie, estranhando o comportamento de Ann.

    - Precisa sim, Ju. Eu preciso pedir desculpas ? disse Ann, olhando a fazendeira e então pegou as mãos dela. ? Você me perdoa? Eu fui má, grosseira e irritante com você. Amigas não fazem isso umas às outras e eu fui realmente má.

    - Ann, não? ? Julie tentou mais uma vez, mas foi novamente cortada por ela.

    - Não me perdoa? ? indagou Ann, parecendo horrorizada.

    - Não! Eu te perdôo! Mas não precisava agir assim, sabe. Eu sei que fui meio grossa também ? disse Julie, meio confusa com a mudança de Ann.

    - Ah amiga! Você não sabe como estou feliz ? Ann avançou para Julie e a abraçou bem forte. ? Não sei como viveria sem você?

    - Que gracinha! ? disse Karen, rindo, e Julie percebeu que Cliff também parecia meio confuso com tudo, embora desse um risinho meio tímido. ? Eu amo cenas de reconciliação! São tão lindas!

    - Julie, você conhece o Cliff? ? perguntou Ann, soltando a amiga.

    - Acho que já nos vimos uma vez ? ela respondeu. ? Mas ainda não sei seu nome.

    - É ? Cliff sorriu, meio tímido. ? Nós realmente ainda não fomos apresentados.

    - Bom, Julie ? Ann a pegou pela mão e a levou até Cliff. ? Este é o Cliff. Ele se mudou pra cá há pouco tempo e é muito religioso, gentil, educado, um amor de pessoa e acho que você vai gostar muito dele.

    - Não é pra tanto, Ann ? Cliff corou levemente, voltando a olhar para o chão.

    - Tão modesto ? disse Karen, rindo. ? Mas ele é tudo isso mesmo. E a Ann esqueceu de dizer que acha ele um pedacinho do céu, um anjo de candura!

    - Não, eu não acho! ? defendeu-se Ann, exasperada.

    - Acha sim ? disse Karen em tom de deboche. ? Na verdade, todo mundo acha que Cliff é muito fofo e blábláblá e aposto que até você acha, não é Julie?

    - Eu? ? Julie ficou surpresa por ter sido colocada no meio da história e corou. ? Me tira dessa, Karen!

    - Ah, Julie! Qual o seu problema? ? questionou Karen. ? Se até o meu pai acha que o Cliff é um anjo de candura, por que você não pode?

    - Karen, não exagera ? pediu Cliff, constrangido.

    - Não é exagero, Cliff! É a verdade! ? insistiu Karen. ? É ou não é, Julie? Sinceridade, por favor hein!

    - Karen ? Julie olhou para Karen, lembrou-se do motivo da rápida discussão com Ann, depois voltou seu olhar para Cliff ?, sinceramente? Cliff, você tem mesmo um rosto angelical! ? o garoto ficou ainda mais constrangido ao ouvir isso e Julie percebeu. ? Ainda tenho algum problema agora?

    - Não. Tô até mais feliz agora ? disse Karen, rindo, satisfeita.

    - E já que eu não sou o anjo de candura de todos e ninguém se importa em me apresentar, faço isso eu mesma: sou Julie, a nova proprietária da Harvest Moon, a mais jovem fazendeira desta cidadezinha e ninguém aqui me acha um anjo, muito pelo contrário. Hoje uma mulherzinha desagradável veio zombar de mim só porque não tenho um banheiro em casa! E olha que quando eu era pequena, jurava que anjos eram loiros do olho azul! Enfim, é um prazer conhecê-lo.

    - Não tem banheiro? ? perguntou Karen, em voz baixa para Ann, que confirmou com a cabeça para espanto de Karen.

    - Igualmente ? respondeu Cliff, rindo para ela, e embora Julie percebesse uma maior descontração nele agora, viu que ele ainda estava achando aquela situação toda constrangedora.

    - Ann, o almoço está pronto? ? perguntou Cliff, olhando para ela.

    - Sim, o Duke já tá até se servindo? e demorando também né ? ela respondeu, olhando para a porta da cozinha e Julie percebeu que ela evitava olhar diretamente para o garoto.

    - Obrigado ? disse Cliff, olhando rapidamente para Ann, e então ele olhou para as outras duas. ? Tchau meninas. Até mais tarde!

    - Tchau Cliff e obrigada pela ajuda ? disse Karen, enquanto ele adentrava a porta dos fundos que dava para a cozinha. ? Ai, ai. Tenho dó dele às vezes. É tão inseguro. Eu fico me perguntando o que ele tanto faz naquela igreja. Ou o coitado está querendo parecer bonzinho pra ganhar um presentão do Papai Noel ou sua lista de pecados está mais extensa que a lista de mercadorias do papai! Será que ele matou alguém e fica pedindo perdão tentando buscar redenção?

    - Vira essa boca pra lá, Karen! Quanta besteira ? Ann ralhou com ela, repreendendo-a. ? E com o que ele te ajudou?

    - Ué! Com aquilo oras! ? disse Karen num tom levemente arrogante e impaciente.

    - Aquilo o quê? ? perguntou Ann, encarando-a.

    - Ann, relaxa. Garotos sensíveis, de cabelos longos, rostinho angelical e triste, príncipes da pureza não me atraem ? disse Karen, pondo as mãos nos ombros de Ann. ? Além do mais, sua idiota ciumenta, ? Julie ficou levemente surpresa com o tom carinhoso na qual Karen disse ?idiota ciumenta? ? ele estava me ajudando a organizar as últimas coisas para a festa do Saibara, esqueceu?

    - Ah é! É hoje a festa do Saibara! ? disse Ann, levando a mão à testa, preocupada. ? Esqueci completamente! Que idiota!

    - Como assim esqueceu? Não era você que ia fazer a torta? ? perguntou Karen, preocupada.

    - É que ontem eu conheci a Julie, nós marcamos de fazer coletas hoje e eu esqueci que era aniversário do Saibara! ? justificou-se Ann, ainda mais preocupada.

    - Ann, então é melhor você começar a correr, minha filha, porque essa torta precisa ficar pronta até a hora da festa! ? disse Karen, brigando com a menina. ? Além do mais, falei com mamãe sobre os docinhos, mas ela anda preocupada com esse problema da Manna e do Duke. Eles tinham que brigar logo na véspera do aniversário do velho? Que coisa! Pelo menos agora desconfio que ele imagine que lembraremos do seu aniversário com todos esses problemas!

    - Legal ? disse Julie numa tentativa de fazer as meninas se lembrarem que ela estava ali. ? Uma festa surpresa!

    - Julie! Eu esqueci de te falar! ? disse Ann, ainda preocupada, olhando para Julie. ? Hoje tem aniversário surpresa para o Saibara. Ele vai fazer 65 anos, então pensamos em fazer algo bem especial pra comemorar e como se depender do Gray o velho morre sem ganhar os parabéns, nós mesmos estamos fazendo tudo!

    - É. ? disse Karen e então perguntou: ? E com o que você vai ajudar Julie?

    - Eu? bem?er? eu não sei. Eu tenho que fazer minha coleta e não tenho cozinha? ? Julie tentava responder, meio constrangida. A verdade é que ela não fazia idéia de como ajudar com as coisas que ainda tinha que fazer e sem recursos decentes.

    - Puxa, sem banheiro, sem cozinha. Isso explica porque te chamam de corajosa quando falam sobre você ter comprado logo a propriedade abandonada.

    - Nem me lembra, por favor? ? pediu Julie, entediada com aquela história.

    - Já sei! ? exclamou Karen, em alta voz. ? Por que não fazemos uma festa pra Julie também?

    - Que isso, gente, não precisa ? disse Julie, surpresa com a decisão.

    - Não! Claro que precisa! É perfeito! ? disse Karen, animada. ? Pense bem. Temos uma festa de aniversário surpresa para o Saibara e aproveitamos para apresentar a todos os cidadãos mineralenses a nossa fazendeira, a incrível e destemida loira burra: Julie! ? ela exclamou como se estivesse apresentando um programa de televisão.

    - Hei! Loira burra não! ? contestou Julie. ? Oras! Já não basta o motivo de minha coragem ser sinônimo de burrice, vou ter que aturar uma apresentação dessas?

    - Que isso, Julinha! Deixa de estresse! ? disse Karen, simulando uma massagem nos ombros dela.

    - Isso é meio difícil com a sua ?amassagem? de ombros.

    - Deixa de chilique ? disse Karen, tirando a mão dos ombros dela. ? É claro que nós vamos fazer algo bem legal pra você. Vai ser do balacobaco! Eu estou planejando algo realmente bombástico que vai tornar essa festa a melhor do ano! Melhor até mesmo que os nossos festivais! ? disse Karen, erguendo o braço com a mão fechada em punho.

    - Nossa! ? exclamou Ann, surpresa. ? Você está mesmo animada, hein!

    - Sim, estou.

    - Bom, meninas ? Julie pegou O Manual do Fazendeiro que estava sobre a mesa em que ela e a Ann haviam comido o macarrão. ? É hora de ir. Você não vem, né Ann?

    - É. Infelizmente não, Ju ? respondeu a amiga, desculpando-se. ? Eu preciso fazer os preparativos para a festa do Saibara, então? não vai dar.

    - Sem problemas ? disse Julie.

    - Bom, é só não contar pra ninguém Julie. É uma festa surpresa ? disse Karen.

    Do lado de fora, o cachorro de Julie começou a latir freneticamente e elas ouviram o som do que parecia ser um caminhão estacionando.

    - Pode deixar. Eu sei o significado da palavra ?surpresa? ? disse Julie, sorrindo em seguida para não parecer arrogante demais.

    As portas da estalagem então se abriram com estrépito e antes que Julie pudesse se aproximar delas, e o homem chamado Doug as atravessou. A fazendeira o havia conhecido no dia da briga entre Duke e Manna e sabia que ele era o pai de Ann. Trazia nas mãos duas caixas com latas de cerveja e parecia um tanto exausto, com a roupa suja e amarrotada e o suor escorrendo no seu rosto.

    - Ann! ? ele exclamou com certa dificuldade, pondo as latas de cerveja no chão. ? Onde você esteve? ? ele então limpou a testa com a manga da camisa que usava. ? Te procurei a manhã toda.

    - Me desculpe. Eu estava ajudando a Julie na coleta ? disse Ann, justificando-se. ? Precisou de mim?

    - O dia todo! ? ele respondeu, ríspido. ? Ei Julie, ei Karen!

    - Oi Doug ? responderam as duas, sendo que Karen o fez num tom mais animado do que Julie.

    - Tive que correr atrás das cervejas, vinhos e das outras coisas pra festa ? ele disse, apontando a caixa no chão. ? Eu procurei a ajuda de Manna, mas ela não quis me atender e a Anna e a Sasha estavam lá com ela. Achei que todos iam ajudar na festa, mas parece que só eu corro atrás disso ? ele disse, num tom nitidamente irritado.

    - Hei! ? exclamou Karen, em tom repreensivo. ? Só você uma ova! Eu tenho preparado os quitutes e mais algumas coisinhas pra minha mãe e o Prefeito disse que já conseguiu o boi no vilarejo vizinho.

    - Ah! Pelo menos isso! Acho um absurdo o Barley não ceder nem uma vaca para um churrasco numa ocasião especial! ? ele continuou. ? E de quem é o cachorro lá fora?

    - É meu ? respondeu Julie, receosa de que sobrasse pra ela também.

    - Ótimo. Tire-o de lá. Quase me fez tombar com essas caixas e esses latidos estão me deixando louco!

    - Tá bom, me desculpe ? disse Julie, constrangida.

    - Pra que a raiva, Doug? ? Duke abriu as portas do fundo e saiu de lá, preocupado.

    - Que bom que apareceu Duke! Tem mais algum homem aí? ? perguntou Doug.

    - Tem o Cliff ? respondeu Duke, agora sério.

    - Ótimo! Manda ele vir aqui ? ordenou o pai de Ann. ? Preciso de ajuda para tirar as coisas do caminhão.

    - Ô Cliff! ? berrou Duke do hall principal da estalagem. ? Você ouviu? Vem cá ajudar. Você come depois.

    - Pai, o Cliff tá almoçando ? disse Ann, repreendendo a atitude do pai.

    - Bom, ele pode comer depois, o caminhão tem que voltar para Rosado daqui a pouco. Isso é mais urgente ? ele disse, em tom grosseiro, saindo da Hospedaria para descarregar o caminhão e Duke foi com ele. Cliff apareceu em seguida, limpando a boca com guardanapo e indo, apressado, atrás deles.

    - Uau! Parece que você vai ter um bocado de trabalho né Ann ? disse Julie, vendo toda a movimentação.

    - E como! ? disse Ann, frustrada. ? Boa sorte na coleta!

    - Obrigada ? agradeceu Julie, sorrindo. ? Tchau meninas!

    - Tchau ? Karen e Ann responderam.

    - Ah! Pode levar a corrente pro cachorrinho se quiser ? ofereceu Ann.

    - Ah, obrigada ? agradeceu Julie, mais uma vez.

    - E não se esqueça de guardar segredo ? lembrou Karen, aos berros, pouco antes de Julie atravessar as portas de entrada.

    Ao sair, Julie desamarrou a corrente da cerca em que ela fora enrolada, pôs O Manual do Fazendeiro dentro da cesta da coleta no chão e saiu levando seu cachorrinho dali, passando pelo caminhão onde Cliff, Doug, Duke e mais um homem desconhecido, provavelmente o motorista do caminhão, pegavam as caixas de cerveja e vinho juntos e levavam para dentro da estalagem. Ela seguiu adiante passando pelo Vinhedo da Aja fechado e olhou a casa de cima a baixo. De repente, ela viu a silhueta do que parecia ser o rosto de Manna olhando de dentro da casa para o lado de fora, na direção onde os homens descarregavam o caminhão, mas o rosto sumiu em seguida. Julie continuou a caminhar, enquanto levava o filhote pela corrente, pensando se Manna e Duke superariam essa crise, afinal Duke parecia bem mais tranqüilo e conformado. Tentando desviar seus pensamentos da vida alheia, ela começou a observar o livro pego na biblioteca, com otimismo. Agora sim era hora de começar a ser uma fazendeira de verdade!

    CONTINUA

    --------------------------------------------------------------------------------


    Somente usuários cadastrados podem comentar! Clique aqui para cadastrar-se agora mesmo!