Liandan

  • Finalizada
  • Kiia
  • Capitulos 12
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 4 horas

    16
    Capítulos:

    Capítulo 5

    Aposta IV - Liandan x Urufu

    Álcool, Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Em algum lugar do Canadá

    Cinco longos dias haviam se passado desde que o trio de lobos mandara Ulric para um estranho lugar, sendo a única coisa que era certa era a nevasca, que parecia nunca dar trégua. Para sorte do jovem Knox, logo em seu primeiro dia, uma pequena caverna havia sido encontrada desabitada nas proximidades de algumas montanhas, e esta servia de lar temporário para o rapaz. Não era uma cavidade profunda, ou muito larga, mas era o suficiente para um desabrigado.

    Durante os dias que seguiram, ele se virava como podia, nunca havia estado em uma situação semelhante, mas havia lido histórias, e visto programas de televisão o suficiente para saber lidar com o momento. Tanto era verdade, que logo que sentiu fome pela primeira vez, alimentou-se com raízes que encontrara no segundo dia. Havia sido o suficiente para saciar a fome, e durante o terceiro dia, no momento de ir à procura de alimento, teve a sorte de encontrar cordas soterradas pela forte nevasca que usou para preparar uma simples armadilha, onde uma pequena, e perdida lebre prendeu-se servindo assim, de jantar a Ulric.

    Usando a mesma técnica anterior, ele esperava que a sorte lhe sorrisse novamente a fim de conseguir outro pequeno animal para sua refeição, pois, nos últimos dois dias que seguiram, não teve sorte, nem ao menos raízes havia encontrado, e agora se via faminto. Mas parecia que não teria sorte novamente tão cedo, pois a ventania em conjunto com a neve apenas piorara tudo, e Ulric duvidava muito que qualquer criatura arriscaria sair naquela tempestade. Mesmo com esse pensamento, ele permaneceu escondido em meio a algumas árvores secas, encolhido com os olhos fixos na armadilha que armara. Estava esquálido e precisava comer logo, já havia adiado muito a sua refeição durante dois dias graças à nevasca. Já ouvira relatos de pessoas que ficaram de dez a vinte dias sem comer e sobreviveram, mas havia escolhido se arriscar no meio da nevasca, afinal, a caverna ficava perto de onde se encontrava.

    Em meio ao frio, estreitou os olhos apertando a palma da mão vazia. Deveria ter perdido o boken durante a confusão com aqueles três estranhos de dias atrás... Desgraçados... Pensava Ulric serrando os dentes enquanto lembrava-se do acontecido. Esperava que ao menos, quando conseguisse voltar, pudesse dar belos sopapos nos homens que o jogaram naquele lugar, e recuperar assim sua preciosa espada de madeira.

    Ele começava a ficar impaciente, há uma hora que nada aparecia, e sua vista já estava começando a ficar cansada, a neve que caia não ajudava. Em algum momento, o rapaz teve a impressão de ver algo cair em sua emboscada, e não demorou a correr na direção da suposta presa. Apressado, não notou que pelo caminho que escolhera desta vez contava com uma armadilha de urso. A arma feriu seu pé, derrubando-o de dor quase que imediatamente. Para sorte de Ulric, aquela armadilha era velha e estava tão enferrujada, que havia sido uma surpresa ter sido ativada ao toque, e graças a isso, não havia perfurado tanto o pé do jovem. Obviamente, existia o perigo da infecção, e Ulric não negava esse fato, pois mesmo com a ferida não sendo tão profunda, a dor parecia ter sido multiplicada, e o frio que sentia ao menos aumentava isso. Atingido pela tortura, não pode evitar gritar enquanto esforçava-se para averiguar a lesão.

    ...

    Em sua procura diária por seu irmão, um lobo cujo nome era Scott, um nome dado por humanos apesar de todo seu ódio pela espécie. Infelizmente para o pobre animal, seu faro não estava dos melhores, e a tempestade não estava ajudando em sua busca. Se continuasse assim, logo viria a falecer. Precisava encontrar um abrigo o quanto antes, mas foi então que ele ouviu um grito humano. As felpudas orelhas se eriçaram procurando saber de onde o clamor de dor vinha, e seu olfato, aos poucos ao se aproximar de onde brotava o som, sentiu o forte cheiro de sangue fresco mesmo naquela situação.

    Aproximou-se então com cautela, escondendo-se no meio da própria neve ou troncos caídos pela forte ventania. Tomado pela fúria que sentia da espécie humana, observou com desdém quem era o dono do berro e rosnou enquanto caminhava vagarosamente a fim de dar o golpe certeiro no pescoço do ser humano, assim seria uma morte rápida, e Scott ainda teria seu alimento do dia.

    A vítima que estava na mira do velho lobo, era Ulric que angustiado por ter caído em tão idiota armadilha, retirava com um pouco de dificuldade o que prendia seu pé. Com as duas mãos, e segurando-se para não gemer, ou gritar de dor, ele conseguiu abrir o objeto maldito, que assim arremessou-o para longe praguejando a quem fosse o responsável por tal coisa ali.

    O rosnado logo foi ouvido pelo jovem Knox, e este se virou irritadiço para ver o que era, e qual não foi sua supressa ao constatar que era um lobo selvagem pronto para matar-lhe? A ferida não era tão profunda, Ulric conseguiria sobreviver a isso, mas e aquela fera? Estava tão impaciente que não raciocinava direito, e precisou de alguns segundos para lembrar-se que em seu bolso existia uma faca que sempre guardava consigo para situações de urgência, e que estava lhe servindo bem nos últimos dias para a alimentação.

    O desconfiado Scott aos poucos foi diminuindo o rosnar. Era certo que não suportava seres humanos, mas não seria capaz de matar um jovem ferido e indefeso. De acordo com seu ponto de vista, era apenas mais um humano que não tivera sorte. Ulric, por sua vez ao lembrar-se da existência de uma arma no bolso de seu sobretudo, tateou até tal lugar. A voz estava pela primeira vez nervosa e irônica, muitos diriam que aquele não era Ookamimun, mas apenas um fraco ser humano em desespero a se ver a beira da morte.

    Uma pequena risada escapou de seus lábios, não imaginava que fosse morrer em uma situação tão ridícula como aquela.

    - Isso é perfeito. – disse mais para si mesmo do que para o animal a sua frente. – Um lobo veio levar minha alma para o inferno, brilhante!

    Foi impossível não rir de sua observação. Sempre recebera títulos relacionados a aquele majestoso animal, inclusive seus próprios pais, pois inclusive seu nome, Ulric, significava “Rei dos lobos”, e agora seria justamente um lobo que o mataria. A mão dentro do bolso apertou a faca com veemência, não tinha planos para desistir de tudo, tinha que conseguir voltar, e aos poucos recuperava sua confiança e o seu bom senso, porém, por outro lado, Scott, o lobo que o observava apenas parecia intrigado com o jovem, não parecia disposto a acabar com a vida do humano.

    O animal selvagem convencido em poupar o rapaz, manteve-se cauteloso em suas ações, mas aproximou-se o suficiente para farejar a ferida. Ulric nada fez, acompanhava os movimentos do suposto inimigo com o mesmo cuidado, não confiava em ninguém, e o objeto afiado já estava pronto para perfurar o coração do lobo se fosse preciso. Não estava mais preocupado com um alimento, apenas desejava sair logo de toda aquela confusão e cuidar da lesão no pé direito.

    Repentinamente, ouve um estrondo que chamou a atenção dos dois. Era sem dúvida um som familiar a ambos, afinal, Ulric estava acostumado a lidar com armas, e Scott com caçadores. Internamente, o jovem Knox alegrou-se, isso significava que sua teoria poderia estar certa, e realmente estaria em alguma parte do Canadá. Francês ou inglês? Qual das duas línguas seria a de origem dos homens que se aproximavam? Mesmo que falassem francês, Ulric acreditava que haveria uma maneira de se comunicar com eles, e caso não compreendessem perfeitamente seu idioma de origem, não haveria problemas, pois, sua mãe possuía raízes francesas, e quando esta veio a falecer, o pequenino buscou consolo nesta cultura, chegando ao ponto de aprender algumas palavras nesta língua. O suficiente para salvar a sua vida, ao menos assim ele pensava.

    A atenção de Scott foi completamente voltada para os caçadores, e sua face automaticamente tornou-se agressiva, o que mostrava serem velhos conhecidos do campo de batalha.

    - Olha só aquilo, Roger.

    Estavam longe ainda, porém usavam equipamentos necessários para a sobrevivência naquela nevasca, e passou pela cabeça de Ulric de que, talvez ele não fosse o único louco a sair em caça no meio de uma tempestade como aquela. O jovem ferido não conseguia ver muito mais do que quatro vultos ao longe, mas Scott sabia bem quem eram aqueles caçadores. Eles estavam perseguindo-o havia bastante tempo.

    - Aquele não é um do que pegamos antes da caça e captura ao lobo? – continuou o primeiro com um forte sotaque francês, porém Ulric ainda não era capaz de ouvir com perfeição a conversa apesar de seus sentidos aguçados. O forte barulho da neve e vento impedia tal feito.

    - É ele sim, Louis. – com ódio, aquele denominado de Roger começou a ajeitar a mira do rifle. – Como o desgraçado conseguiu fugir?! – Esse possuía claramente um sotaque americano da Califórnia.

    Encurralado, não havia alternativa para Scott se não fugir para se ver livre da morte. Os tiros seguiram, e para sorte do lobo, dois dos quatro, eram estrábicos o suficiente para não enxergar o alvo com perfeição a sua frente. Ulric, por sua vez protegeu-se como pode, afastando-se para os lados, ficando próximo a troncos, e mais troncos caídos pela tempestade, onde escondeu-se após arrastar-se até tal lugar.

    Quando ouve uma pausa por parte dos tiros, o rapaz sentiu então que era hora de se revelar e finalmente procurar ajuda, mas parecia que ele realmente havia perdido toda a sorte que tivera em algum momento de sua vida ao ir para aquele país gelado.

    - Ei! – berrou o mais alto que seus pulmões permitiram. Não sabia se aqueles estranhos conseguiriam ouvir sua voz com todo o barulho que os cercava. A roupa negra que usava, destacava-se o suficiente para ser percebido pelos caçadores, um deles logo tratou de avisar sobre o menino.

    - Olhem aquilo. É um garoto, não é? – indagou o mais zambaio que havia visto Ulric primeiro.

    - É sim, Claude. – concordou Roger fazendo que sim com a cabeça. – Mas o que ele esta fazendo aqui?

    - Deve ter se perdido em meio à nevasca. – sugeriu Eliot, o quarto caçador coçando a nuca. – O que fazemos? Ajudar esse ai seria uma perda de tempo para nós.

    - É, deve estar ferido. – Louis completou ainda irritado pela fuga do lobo. – É melhor matar, não temos tempo para voltar à cidade e deixar esse garoto lá, ele só vai nos atrasar. E não deve ser dos nossos, não sumiu nenhuma criança recentemente. Certo Claude? – Louis avistou o companheiro assentindo e deu de ombros, permitindo assim que Roger ajustasse a mira da arma para acabar com o jovem machucado.

    De longe, em uma distância de mais ou menos vinte ou vinte dois metros, Ulric observou o rifle sendo sacado, e então ele entendeu o que iria acontecer – Filhos da mãe... – praguejou entre dentes retirando o sobretudo e jogando-o em meio à neve, sem aquilo, ele poderia passar despercebido com mais facilidade, e arrastou-se rapidamente até os troncos novamente, onde conseguiu passar ileso pelo disparo.

    - HAHAHA, bom trabalho Roger. – parabenizou Eliot batendo no ombro do companheiro parrudo. – agora vamos logo, temos que seguir o rastro daquele lobo antes que essa tempestade apague tudo.

    Loucos, imbecis, retardados, depravados que mereciam a morte, Ulric havia se convencido disso. Quando eles se afastaram, seguindo seu rumo na caçada, o jovem usando como apoio um galho resistente, caminhou mancando e trêmulo até o sobretudo que agora havia ganhado um furo.

    - Desgraçados, eu mesmo quero ser o responsável pela morte de vocês. – com essas palavras, Ulric rasgou um pedaço da barra do casaco e amarrou no pé, a fim de estancar o sangramento. Apertou firme, e após vestir-se com o agasalho, retornou após longos minutos para a caverna. O galho o ajudara na caminhada, e agora estava cansado e faminto, precisava descansar e esquentar-se o mais rápido possível ficando próximo ao calor confortável da fogueira que faria.

    Scott, o lobo de pelagem cinza continuava sendo perseguido pelos mesmos quatro caçadores, disparos e mais disparos vinham um atrás do outro, sem folga, o rápido animal conseguia usar as árvores e a neve ao seu favor graças a sua inteligência e agilidade. Atrás de si, ele podia escutar as reclamações e xingamentos dos homens, e assim continuou, tinha um plano para livrar-se de uma vez por todas daquele estorvo.

    Por um segundo, o selvagem perguntou-se se Ulric, o garoto que havia encontrado ferido mais cedo estaria bem, deveria estar morto graças aqueles caçadores, pensou sem dar muita importância, não tinha tempo para preocupar-se com um desconhecido, e além do mais, a morte era algo natural, algo inevitável em muitos dos casos.

    Quando notou que a munição de seus perseguidores havia acabado, pôs sua ideia em prática. Escondeu-se atrás de algum monte de neve e esperou que um dos quatro passasse desacompanhado para estrangular sua vítima. No ato do salto, Claude, aquele que fora escolhido como a presa, percebeu o movimento, e tentou mirar a arma, mas Scott fora mais rápido e agora o caçador estava caído no chão com o animal pronto parar perfurar sua garganta, isso se Louis não assustasse o lobo com sua espingarda que passara de raspão, próxima a cabeça do bicho. Não havendo alternativa, Scott partiu, mas não por muito tempo, apenas para proteger-se do tiro.

    - Essa foi por pouco em? – debochou o caçador loiro, Louis.

    - Nem me fale, mas esse tiro poderia ter me acertado. – reclamou Claude que se levantava irritado. – mas sou grato a você, velho amigo. – reconheceu.

    - Esse ai quer ser o espertinho. – começou Roger referindo-se obviamente ao lobo. – vamos nos dividir em duplas para procurá-lo, com esse ai não podemos nos descuidar. – alertou usando sua experiência de anos em constante caça.

    Concordando com o companheiro, eles seguiram o caminho do lobo separando os grupos mais a frente, quando houve dúvida por qual caminho ele havia seguido, e foi então que o erro foi cometido. Mesmo que fosse somente um, Scott ficaria feliz em acabar com o humano, em seguida iria retornar a sua busca pelo irmão. Dessa vez, Louis era a vítima, Eliot, seu companheiro vesgo estava a alguns passos mais a frente, o suficiente para matar o caçador loiro sem interrupções.

    Como se surgisse por debaixo da terra, ele saltou, e impedindo que o homem usasse dessa vez a arma, foi para o pescoço, onde não demoraria muito para morrer, havia sido tão rápido, que o próprio Scott perguntou-se se Louis havia sentido dor na morte, coberto pela fúria, o lobo continuou a estraçalhar o pescoço da presa, sangue jorrava manchando a neve e a pelagem do próprio animal selvagem.

    Eliot então ouviu o estranho barulho de rosnado do canino e apressou-se a virar já com o rifle pronto, mas ao ver a cena de seu companheiro morto, e o sangue espalhado, sentiu náuseas e rapidamente assustou-se. Não era tão experiente quanto seus amigos, e isso o abalou. Percebendo a fraqueza do homem a sua frente, rosnou mais alto, com os olhos fixos em Eliot que tremia.

    - Seu... Seu demônio. – praguejou o medroso.

    Bastou apenas um latido para o rapaz abandonar a arma e fugir do local. Ele poderia ter perseguido e matado o humano ali mesmo, mas não via graça em perseguir covardes, e então sua mente foi voltada para Ulric. Como será que ele estava? O corpo de Louis morto ficou por lá, Scott havia esquecido completamente da fome e abandonou a carcaça e voltou para a local onde vira o jovem Knox pela primeira vez. A nevasca apenas parecia piorar, e ele sentiu dificuldades em farejar o caminho de volta, e surpreendeu-se ao descobrir que Ulric não estava mais naquele lugar. Convicto então, de que ele havia sido resgatado por alguém, ou algo do tipo, resolveu procurar por algum local onde pudesse proteger-se do frio da noite que se aproximava. Não muito longe dali, encontrou uma pequena caverna, a mesma onde Ulric Knox esquentava-se sob o calor da fogueira que crepitava.

    Quando ergueu os olhos azuis para a entrada do abrigo, e avistou o lobo parado na entrada, sorriu ao ver que sua sorte lhe sorria novamente, ou não.

    - Veio novamente para acabar comigo, totó? – irônico como na maioria das vezes, segurou firme a faca atrás de si, apenas esperando o avanço do animal, já que seu pé não permitia o seu próprio. Como se quisesse demonstrar que não apresentava perigo, o lobo sentou-se próximo ao fogo, e ficou a fitar o rapaz.

    Apesar da atitude do canino, Ulric não cedeu, permaneceu encarando de igual maneira com a faca firme na mão direita. – O que houve rapaz? Não esta com fome?

    Enquanto falava, o rapaz pensava então em uma maneira de aproximar-se rapidamente o suficiente para cortar o pescoço de Scott, assim, se o lobo não estava com fome... Bem, o que importava? Aquele bicho viraria comida de um jeito ou de outro, pensou Ulric quando seus olhos piscaram por um breve instante.

    Desinteressado completamente no que o rapaz planejava fazer, deitou-se e pôs a observar a neve que caia do lado de fora. Estava com fome, verdade, mas não conseguiria caçar nessas condições, e os outros animais com certeza estariam escondidos. O que levara então aqueles homens idiotas a procurar por alguma coisa naquela situação? Caçadores era isso! Algo surgiu em sua mente, sabia bem onde era o acampamento deles, não ficava longe, e era fácil de achar, seria perfeito para roubar um pedaço de carne para alimentar-se, e antes que Ulric dissesse algo, ou ataque-se, Scott saiu em disparada. Queria retornar o mais rápido possível.

    Sozinho novamente na caverna, ele suspirou deixando a faca cair de sua mão era um idiota por ter deixado o precioso alimento escapar. – Sou mesmo um imbecil, afinal o que tenho na cabeça?! – falou mal de si mentalmente, enquanto passava a mão nervosamente pela face.

    Não muito longe, Scott dera sorte. O acampamento estaria vazio se não fosse por um homem que guardava o local, mas esse cochilava profundamente. Era gordo e redondo, descansava sentado enquanto empunhava uma espingarda. Era um alojamento coberto por uma enorme tenda, e graças a suas habilidades e ao sono pesado do velho homem, o lobo enfiou seu focinho em uma caixa preparada para manter a comida a uma temperatura perfeita para o consumo. E de lá, retirou um enorme pedaço de carne, quase do seu tamanho. Era um alce, um pouco menos da metade do que já fora um dia. Antes que conseguisse problemas, fugiu com a comida na boca arrastando-a, e após longos minutos retornou a caverna sem maiores problemas.

    Faminto e fraco, Ulric pensou que fosse uma ilusão quando avistou o animal retornando com a carne, como se fossem velhos amigos e um estivesse ajudando o outro naquele rigoroso inverno. A principio, ele ficou atônito observando aquilo, mas logo sorriu bobo com o acontecido e coçou a cabeça constrangido por ter pensado em matar tal ser.

    - O que esta fazendo em rapaz? – ele estava próximo o suficiente do jovem, para que pudesse ter a cabeça acariciada. Definitivamente, Scott havia ganhado a confiança de Ulric, estava convencido de que o lobo não representava mais nenhum perigo. – Bom trabalho, rapaz. Foi pra isso que não te matei. – gargalhou com seu próprio comentário.

    O animal permitiu uma caricia entre as orelhas, e soltou a carne no chão, arrancando depois um pedaço grande o suficiente para saciar sua fome, deixando ainda uma boa porção para o outro. Com a comida na boca, ele afastou-se, deitando próximo ao fogo, e lá ficou devorando seu prato favorito, carne. Ulric por sua vez, usou a faca para diminuir o pedaço e assar ao fogo. Usou gravetos para perfurar o alimento e assar. Demorou, mas quando ficou finalmente pronto, o vazio no estômago foi preenchido, e o jovem Knox preparou-se para dormir. O pé doía, e sentia-se fraco por isso, precisava descansar.

    - Boa noite, rapaz. – desejou antes de pegar no sono. Em breve Scott também dormiria, porém ouviu um uivo vindo do longe. A neve já estava fraca o suficiente parar ouvir outros sons. Poderia ser alguém de sua antiga matilha, e isso o alegrou, porém ao notar que era apenas um desconhecido, voltou a deitar-se, desejando sonhar com os tempos felizes em que passara com sua família e os outros.

    Logo amanheceu e para alegria de todos, a nevasca finalmente havia cessado. Planejava dormir mais, mas a forte dor que invadiu seu corpo fez Ulric despertar com um grito. O tronco foi arqueado, e as mãos automaticamente foram até o pé ferido, onde ele tirou rapidamente a atadura improvisada. Observou o quão terrível estava à carne exposta. Parecia tão podre e necrose, que até lembrava os efeitos de um veneno que havia sido injetado em seu sangue.

    - Mas que merda. – uivou de dor. – preciso sair dessa porra de lugar logo.

    Scott havia acordado cedo, logo com o primeiro grito de dor do jovem. Ele parecia preocupado e impaciente ao mesmo tempo, queria ajudá-lo, mas como?

    - Ei, rapaz, você por acaso não teria como me levar até a cidade mais próxima, teria? – riu de seu comentário. Como era possível que o aquele lobo compreende-se o que falava? Porém, para sua surpresa, ele latiu e rodopiou como se chamasse pela atenção do garoto. Ulric assentiu após fitar seu novo amigo durante alguns segundos. – Você... Realmente pode me levar, não é? – um latido veio como confirmação, e um sorriso como agradecimento veio a seguir. – Vamos então.

    Usando o galho de antes como apoio, eles foram em busca do vilarejo mais próximo, onde no decorrer do caminho, Scott caminhava sempre junto de Ulric, pronto a dar auxilio se assim fosse necessário. Ao chegar, depararam-se com uma cidade vazia, muitos ainda deveriam estar dormindo, pois apenas era encontrado janelas e portas bem trancadas, sendo que não deveria ter passado das seis da manhã.

    - Obrigado lobo. – agradeceu com um sorriso sincero. – Sei que não pode ficar muito aqui, e melhor ir logo, mas... Valeu. – acariciou o que pensava ser a última vez o pelo sedoso do quadrúpede.

    - O que temos aqui... Pelo visto arranjou um companheiro, Loki. – uma voz familiar e sarcástica veio até os ouvidos de Ulric. Ódio penetrou no coração do rapaz.

    - Seu filho da puta... – rosnou voltando-se para o dono da voz, Hati, um dos responsáveis por sua estadia naquele lugar.

    Normalmente estressado, dessa vez, o rapaz de cabelos brancos não se irritou, apenas fechou a cara fitando o Knox com desgosto por ele ainda estar vivo.

    - Confesso que não esperava que sobrevivesse, mas tudo bem. – deu de ombros. – Assim será melhor para todos certo?

    Scott sentia a tensão do ambiente, estava ficando irritado e agressivo com o que estava acontecendo, pois sentia que seu amigo humano não gostava do rapaz, e com um latido como primeiro alerta, indagou quem era aquele que tanto irritava Ulric. Os olhos quase brancos de Hati correram na direção do animal, e rugiu de tal forma, que até o espírito se arrepiaria.

    - Calado, inseto. Não tenho assuntos a tratar contigo. – A fala era assustadora, porém era visível que havia sido em outra língua, ou algo do gênero, pois as palavras que saíram de sua boca, não foram reconhecidas pelo Knox, apenas o lobo de pelagem cinza havia compreendido. Quando sentiu que poderia continuar, voltou sua atenção para o outro humano.

    - Para sua sorte, Loki, Skoll descobriu que o enviei para o lugar errado. – sorriu amargurado – Vim te levar então, para o local correto.

    - Vá se ferrar – grunhiu, e nessa hora Ulric irritou-se por estar ferido ao ponto de não poder atacar o de cabelos brancos a sua frente. – De você quero só a morte.

    Hati balançou a cabeça de forma negativa, e por fim sorriu divertindo-se. Devia concordar com seu irmão, aquele rapaz poderia ser bastante interessante no final das contas. – Ouça-me, não esta raciocinando meu caro. Como pretende sobreviver assim, com este pé? E diga-me, como pretende voltar sem passaporte ou dinheiro?

    Contendo sua raiva, Scott ficou parado, apenas rosnando. Foi quando ouviu algo familiar, o uivo de seu irmão. Estava próximo, finalmente poderia encontra-lo! Pensou em correr até ele, mas ao lembrar-se da situação que presenciava, ficou indeciso, o que deveria fazer?

    - Ele precisa ir, Loki. – avisou Hati ao observar o lobo com seus olhos azuis melancólicos. – Ao que parece, o irmão que ele tanto procura esta finalmente perto. – suas falas e expressão facial eram sérias, e compreensivas. O deus que perseguira Mani, o deus da lua, entendia bem o que se passava na mente do animal mortal.

    Ulric voltou o olhar para o lobo aflito, com o coração dividido entre perseguir seu caminho, ou presenciar o desenrolar da história. Um suspiro grato veio por parte do rapaz de pé ferido.

    - Não precisa continuar aqui, rapaz. Sei que esta com pressa, obrigado por tudo, se cuida. – e com as mãos calejadas e sujas pelos últimos dias, passou a mão pela última vez no topo da cabeça de Scott que o fitou por segundos, correspondendo ao momento triste de despedida, para depois partir finalmente ao horizonte, e sumir da visão de todos.

    Hati nada disse perante aquele momento, e permitiu a Ulric observar o amigo até este desaparecer na imensidão branca, e quando isso foi feito, uma forte ventania cercou Ulric para leva-lo para sempre daquele lugar.

    ...

    Tempo presente – Verdandi, Miyage.

    Uma melodia suave percorria pelo ambiente iluminado pela luz branca da lua cheia. As estrelas cintilavam em total harmonia com a natureza. Uma jovem de aparentes dezessete anos e pele morena comportava-se como uma verdadeira obra de arte, onde a voz delicada preenchia o belo ambiente que parecia ser um complementar a beleza da jovem. Os cabelos sedosos e brancos balançaram com a força da brisa que passou por ela, e o canto de corvos interromperam o transe da bela dama, onde ela cantava em louvor ao seu deus. O pequeno ser das trevas pousou no ombro da garota, e ela acariciou a pequenina cabeça do pássaro.

    - Bom trabalho, Demétrius. – parabenizou com um sorriso capaz de conquistar o coração de mil homens, tamanha sua beleza. – Nosso ilustre convidado finalmente se faz presente em nosso reino, assim seja a vontade de nosso deus.

    Fim Aposta IV - Liandan x Urufu


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