De Volta Ao Passado

  • Lu San
  • Capitulos 8
  • Gêneros Família

Tempo estimado de leitura: 59 minutos

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    Capítulos:

    Capítulo 6

    Rex

    Spoiler

    O sol finalmente preparava para se por no céu azul de Vila Mineral. As ruas mortas voltavam a ganhar vida aos poucos, conforme as pessoas saiam da missa; mas logo ficaram desertas de novo.

    Tudo que eu podia ouvir dali eram as folhas dançando com o vento, a correnteza do rio e o barulho de minha inchada, mas eu sabia que as pessoas deviam estar indo em direção ao Inn. Havia um bar que abria após o pôr do sol, certo? Acho que aquilo era tudo o que eu precisava.

    Já havia cerca de seis grupinhos com cinco buracos cada um, e eu mal sentia meus braços. Aquele dia não terminaria nunca?

    Deixei a inchada cair e caminhei lentamente de volta para casa, arrastando meus pés. Lavei meu rosto suado na lagoazinha perto de casa, e pude ver meu rosto cansado nas águas cristalinas. Nunca o tinha visto desse jeito, a não ser uma vez em que fiquei acordado por uns dois ou três dias seguidos estudando para passar no vestibular.

    Mas aquilo era ainda pior. Minhas bochechas estavam queimadas de sol, e meus olhos estavam fundos no cansaço.

    O vento voltou a soprar, e então as folhas voltaram a dançar. A grama verde esmeralda estava gelada contra os dedos quente de minha mão ferida, e meu corpo caiu para o lado automaticamente. Cruzei os dedos atrás da cabeça, tirei o boné, e meus olhos se fecharam pesadamente enquanto o vento soprava em meus cabelos.

    Eu já estive naquele lugar antes... naquele mesmo horário... com ela...

    O sol se punha no horizonte, e ela falava alguma coisa sobre a vida do interior. Mas eu não consigo ouvir ela! O que ela diz?! Olhe para ela! OLHE!

    Meus olhos estão fechados, e eu não consigo abri-los. Ouço sua voz como o canto de um passarinho, mas não consigo escutá-la.

    La, la, la, la, la, la, la, la...

    E então eu a acompanho automaticamente.

    La, la, la, la, la, la, la, la...

    O vento sopra dela para mim, e eu posso sentir seu perfume. É mais doce que o cheiro das flores daquela clareira... sim, estou com os olhos fechados, mas sei que estamos na clareira. E sei qual clareira é aquela, eu sei...

    A canção é interrompida, e então sinto algo quente me tirar de lá...

    Abri meus olhos de repente, assustado. O sol parecia mais distante no céu, e havia muito mais estrelas agora. O azul claro se convertia em um céu escuro.

    Sentei apoiado em meus cotovelos, e então vi o cachorrinho me olhando daquele mesmo jeito; sentado e abanando a cauda, com a língua para fora.

    Minhas pernas estavam dormentes e meus cotovelos não sustentaram meu corpo por muito tempo.

    Me virei para o lado e me levantei com alguma dificuldade. Cambaleei para casa; meus pés deixando um caminho como rodas de bicicleta por onde passavam.

    Quando me virei, o cachorro latiu. Já tinha me esquecido dele, e quando me virei, ele ainda me olhava ansioso, esperando por alguma coisa.

    - O que você quer?!

    Ele continuava abanando a cauda, com a língua para fora, como se tivesse acabado uma corrida.

    - Está vendo isso? ? disse, mostrando a palma de minha mão para ele. ? É sua culpa!

    Fiquei em silêncio por alguns segundos, me sentindo ainda mais idiota. Então o cachorro latiu, como se afirmasse isso.

    Revirei os olhos para mim mesmo, e voltei para casa.

    Joguei-me na cama e liguei a tv. Havia uma mulher com um macacão azul e uma blusa amarela, com o cabelo rosa (rosa bebê) preso em um rabo de cavalo.

    - Fazendeira Fran! Fazendeira Fran!

    - Sim, Jimmy?

    - Eu plantei sementes, mas elas desapareceram... por quê?

    Não prestei atenção ao programa. Mudava de canal a cada segundo, até me frustrar e desligar. Como uma tv podia ter somente quatro canais? Ah, que saudade da minha tv a cabo...

    A noite se aproximava, e eu não havia feito nada de produtivo. Zack já devia estar vindo, isto é, se já não tivesse passado por lá. Que horas eram? Não tinha nenhum relógio por lá, então eu apenas presumi. De qualquer modo, não encontraria nada a tempo que pudesse colocar na cesta para vender.

    Estava claro que a fazenda não seria minha por muito tempo; eles diriam que ela foi negligenciada e me expulsariam daqui. Por que perder meu tempo, então? O que um boyzinho da cidade poderia fazer, afinal? Não estava mais preocupado em decepcionar meu avô, afinal, ele com certeza já esperava por aquilo. Talvez fosse melhor para ele saber que sua fazenda estaria nas mãos de pessoas que realmente entendesseem de natureza.

    Minha cabeça afundou ainda mais no travesseiro, como uma âncora lançada ao mar. O que Dean, meu melhor amigo, diria sobre isso? O que qualquer pessoa com o mínimo de inteligência diria sobre um cara que larga seu primeiro ano de faculdade para viver com caipiras, em um lugar que só esteve uma ou duas vezes, quando criança?

    Mas então percebi que não me importava com isso. Não realmente.

    Uma vozinha veio em minha cabeça e, como mágica, me mostrou um ponto de vista um tanto óbvio demais: os dias eram longos e o trabalho pesado, sim, mas isso não seria bom? Se os dias eram tão longos, significava que eu teria mais tempo para aprender. Não se preocupe, filho, era a voz de meu avô agora, três anos não passam tão rápido assim. Não sei na sua cidade, mas não em um lugar como esse, pelo menos.

    Sorri com aquilo. O bom trabalho é fruto de trabalho pesado, ele dizia, mas não o imaginei dizendo isso. Olhei para o lado e vi que havia um caderno azul. O caderno azul que eu havia dado para ele? Quando criança?

    Sentei-me na cama e comecei a folheá-lo. Estava em branco.

    Por que aquilo estava ali? E então, minha expressão mudou. Ele não tinha tido o mínimo de consideração, nem para escrever um bilhete, uma linha, uma palavra... nada?!

    Arremessei o livro sem uma direção exata, apenas para me livrar dele. E então me senti estranho no segundo que ele acertou a parede atrás da televisão e caiu com as folhas abertas.

    Aquilo era criancice, pensei. Será que é assim que é estar na TPM? Me levantei e peguei o livro de novo, enquanto afastava o pensamento perturbador.

    Então ouço três batidas uniformes na porta. O prefeito? De novo?! Onde estava o maldito olho mágico daquela porta?!

    - Raymond? ? era uma voz feminina.

    - Já vou! ? tropecei no banquinho de madeira antes de conseguir alcançar a porta.

    Aquela era uma voz doce demais para ser apenas feminina. Meiga, infantil, e...

    - Elli! O que faz aqui?

    - Por que a surpresa?

    Me encolhi, e ela sorriu.

    - Num vou demorar. Num se preocupe. ? dito isso, ela esticou os braços e entregou uma caixinha que parecia de papelão para mim.

    Havia um curativo lá dentro.

    - Obrigada por se preocupar com meu irmão.

    - D-de nada...

    Ela sorriu de novo.

    - Se cuida.

    - Espere... ? minha voz sumiu antes que eu pudesse concluir a palavra, mas ela esperou. Não sei como estava naquele momento, mas senti meu rosto quente. Não apenas quente, mas como se estivesse embaixo de um sol de 80º.

    Então ela voltou para a porta com os olhos curiosos. Os dedos estavam entrelaçados na frente do vestido azul-claro, e seus olhos redondos e castanhos ficavam cada vez mais curiosos com o passar dos segundos.

    Desisti. Não tinha o que falar, por mais que quisesse. Apesar de não achar que as garotas daquele vilarejo fossem... seletivas, não achava que houvesse alguma coisa para dizer a ela que a convencesse a ficar e tomar um chá.

    - Cuidado. Tem um filhote meio doido por aqui... ? minha voz saiu tão desanimada que parecia que havia acabado de acordar. Meus olhos estavam perdidos em algum lugar da grama em seus pés, mas eu sentia que ela me olhava.

    - Doido? Ele é uma gracinha!

    Quando a olhei, finalmente, ela o segurava a centímetros de seu rosto.

    - Cuidado! ? repeti. Dessa vez minha voz saiu mais urgente.

    Nenhum dos dois me deu atenção. Ele lambia a ponta de seu nariz e ela ria, exclamando que gracinha! a cada lambida.

    - Qual o seu problema, garotão? ? ela dizia com uma voz infantil, exatamente como se tivesse conversando com uma criança, abaixando o pescoço para que pudesse ficar mais perto dele. ? Você é tão lindinho, não é? É sim, é sim!

    - Quer ficar com ele? ? perguntei, um tanto acanhado.

    - Quê? ? finalmente ela olhou para mim e segurou o cachorro em seu colo. ? Não posso! Vovó tem alergia a cães...

    Alguns segundos de silêncio, e então ela o quebrou.

    - Qual o nome dele?

    - Não sei, não pensei nisso ainda...

    - Que tal Rex?

    - Rex? ? meu tom foi tão irônico que ela me olhou assustada, como se tivesse dito alguma coisa errada. Então me recompus para justificar que na verdade ela não tinha dito nada de errado. ? É bem... comum, não acha?

    - E daí?

    - Nada, mas...

    - Eu gosto de Rex. É simples e prático. ? e então ela voltou ao cão, com aquela mesma voz fina e o balançando para cima e para baixo, exatamente como um bebê. ? Você gosta, num gosta, Rex?

    O cachorro latiu tão suave que parecia concordar, e ela riu.

    - Tudo bem... que seja...

    - Weee... ? e de novo ela o balançou, agora com mais velocidade. O cachorro parecia sorrir, e eu sorri com aquela cena.

    - Por que tá com o caderno do seu avô?

    Ela mudava de assunto tão de repente que eu sempre me assustava. Na verdade, até hoje, nunca me acostumei com isso.

    - Ah, isso...? P-pera... como você sabe que era do meu avô?

    - Isso é um diário, num é? ? ela segurava o cachorro ao lado de seu rosto agora. O pêlo caramelo combinava com seu cabelo curto, com seus olhos, com sua pele, com...

    - Como você sabe?

    - Ele disse uma vez que tinha ganhado isso do neto dele. Foi você quem deu?

    - Sim...

    - Que lindo! ? ela sorriu ainda mais largamente, o que me pegou de surpresa de novo. ? Ele deve ter guardado pra você escrever sua própria história, num acha?

    Não respondi. Se fosse dizer tudo o que achava, não terminaríamos aquela conversa naquele dia e ela me evitaria mais do que o diabo evita a cruz.

    - Nossa, já são 4:30h? ? ela disse de repente, colocando o filhote no chão. ? Preciso ir!

    - 4:30h? ? juro que achava que seria, no mínimo, umas 6h.

    - Sim, num vê? ? disse ela, apontando para o relógio-cuco na parede as minhas costas. ? Por que essa surpresa?

    - Achei que já tinha passado das 5h... e que eu evitaria a... decepção com Zack...

    Por que estava dizendo aquilo, seu idiota?

    Ela sorriu.

    - Entendi. Você ainda num se acostumou com o lugar, né?

    E então ela abriu a bolsinha que trazia nas mãos a frente do avental branco e me entregou dois pares de flores azuis.

    - Num é grande coisa, mas são duas folhas de chá. Acho que dá para tapear por hoje. Cê pode conseguir mais nas montanhas, é o que o doutor disse. Até mais!

    E então ela saiu apressada cerquinha a fora; o filhote latindo como se protestasse. Eu também não queria que ela fosse embora, mas não imploraria desse jeito.

    - Cale a boca, Rex.

    Ele calou.


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