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"A música tocava perto do meu ouvido e embalava a minha dor. Ouvi-a os seus suspiros e pedidos para que ficasse, mas a voz que me chamava dizia-me que tinha de partir para que um dia pudesse voltar. Mas eu não desejava ir. Tentei ficar, mas a vida era-me sugada aos pouquinhos de dentro do meu corpo, deixando-me flutuar acima do casal que sofria, agora desconhecido.
«- Espera?
Eu conheço-o?»
Bill, era o nome dele. Demónio amaldiçoado, em quem tentei não confiar mas o meu coração parvo falou mais alto, e ainda bem que assim foi. Pude ver a verdadeira essência da sua alma atormentada e transformá-lo naquilo que ele gritava todos os dias para um dia ser. Um purificado?
Mas então e eu?? Não tinha direito a ficar só com ele, para meu desejo de vida e de felicidade que nunca encontrei?! Gritei para a luz que me acolhia.
«-Não!» - Fugi para longe, embalando-me e caindo pela tenebrosa escuridão que me esperava cá em baixo, magoando-me e triturando-me.
Revivi cada pedaço de mim, lembrando-me da minha história de sofrimento órfã, dedicada unicamente ao bem e protecção dos humanos, mas nunca feliz. Esse fora o meu destino, cruel e implacável, que quando se viu atormentado, arrancou-me de perto das mudanças que pudessem surgir.
Estava furiosa, cega, zangada. Eu queria ficar, combater, viver, amar? porquê que eu não podia?!
Bati-me contra todos os espectros de negrume que na minha frente apareciam, tentando que eles levassem com a minha raiva acumulada. Estava a tornar-me um espirito atormentado, até que a voz que me chamou daquela vez, voltou a fazê-lo. Serena e melodiosa, acalmou a minha raiva, e fez com que a seguisse de perto para desvendar a sua natureza.
Com o tempo, percebi que aquela luz pura era parte de mim, mas a minha alma atormentada não me deixava prosseguir com o objectivo de que eu já não me lembrava mais. Até que o vi, pelos olhos de uma mãe meiga e ansiosa, prestes a dar à luz. Era esse o meu destino?
Esperei que a criança nascesse e tomei a minha parte no seu destino, unindo a minha alma ao seu corpo, renascendo como compreendera que tinha de fazer. Cresci no seio de uma família saudável, recuperando a minha essência com o tempo, dando pelo meu antigo nome:
«-Kirara!» - Corria entre as novas gerações, assumindo uma altura de quase adolescente, e com a noção de que havia ainda coisas por completar, e pessoas por conhecer.
Até que tudo me foi roubado de novo. Uma nova luz encontrou a minha família de frente, e os suspiros da sua vida foram arrancados, deixando o meu para trás, aprisionada ao mundo físico mas sem conseguir viver novamente.
Vi-me a crescer e conhecer novas caras, novos amigos, novas famílias. Tentei reunir-me ao corpo que já me pertencera, mas a confusão das nossas almas partidas estava demasiado presente para facilitar essa parte, e por isso, nunca consegui.
Quando finalmente me dei por vencida, vi surgir o homem em cujos braços morrera outrora, e tudo voltou a fazer sentido. Era por ele e pelo nosso destino que tinha de tentar mais uma vez, e não fracassar nunca mais!
A noite caiu, e o corpo relaxou. Reuni todas as minhas forças e terminei o que tinha começado, regressando à vida que me fora roubada. Senti o seu perfume e o meu coração de humana bater. Havia movimento em meu redor, e um sentimento de alerta constante.
Abri os olhos?
Estava de volta."