Assim que Sesshoumaru virou as costas, Rin agarrou o resto do pão e preparou mais um sanduíche para ela. Estava tomando outra xícara de café quando ouviu o motor do barco voltar a funcionar. Ele, na certa, queria recuperar o tempo que havia perdido conversando com ela.
Vagamente, Rin imaginou que tipo de compromisso ele teria nas Bermudas, e em que ilha iriam aportar. Mas não estava preocupada com isso. A única coisa que lhe importava era que havia conseguido o que queria, e ia ficar longe da Inglaterra por alguns dias. Seus pais iam receber a lição que mereciam!
De repente, o barco começou a se mover e ela se apavorou, com medo de enjoar novamente. Mas, à medida que deslizavam pelas águas calmas, Rin percebeu que só tinha enjoado por causa da tempestade. Mais animada, olhou em volta, examinando o ambiente. A cozinha estava muito bem equipada, com um freezer e uma geladeira cheios de alimentos, uma pequena maquina de lavar, uma secadora, e vários armários com tudo que é preciso para preparar uma refeição. Como o restante do barco, tudo ali parecia estar novo.
Como ele havia mandado, Rin começou a limpar a cozinha assim que terminou de comer. As mangas do roupão atrapalhavam um bocado, mas ela resolveu o problema enrolando-as até os cotovelos. Sua esperança era que Sesshoumaru lhe emprestasse outras roupas, pois seria horrível passar o resto da viagem com aquele roupão enorme, que tinha duas vezes o seu tamanho e era tão comprido que se arrastava pelo chão.
Quando tudo ficou limpo, Rin hesitou, sem saber o que fazer. Mas os raios de sol que entravam pela janela pareciam chamá-la, e ela subiu rapidamente as escadas que levavam ao salão, indo para o convés. Havia uma escadinha que levava ao teto do salão, e Rin subiu por ela.
Ele estava lá em cima, sentado numa cadeira giratória, as mãos fortes segurando com firmeza o timão. Ali o vento soprava com mais força, e Rin começou a ter dificuldades em manter os cabelos longe do rosto e o roupão no lugar. Foi justamente quando deu o primeiro passo na direção de Sesshoumaru que uma onda mais violenta atingiu o barco, fazendo-o inclinar-se para o lado. Largando os cabelos e o roupão, que o vento levantou imediatamente até sua cintura, ela se agarrou à murada.
Quando conseguiu enxergar de novo, Rin viu que Sesshoumaru sorria divertido, os olhos fixos em suas pernas. Zangada, ela puxou o roupão para baixo e disse com frieza:
Rin - Estou precisando de algumas roupas.
Sesshoumaru - Já vi. *Ele respondeu, rindo abertamente. Depois virou-se para o painel de controle e mexeu em alguns botões.* Venha, vamos ver o que conseguimos arranjar para você.
Soltando o timão, Sesshoumaru caminhou tranqüilamente para a escada. Mas Rin o deteve, perguntando cheia de nervosismo:
Rin - E o barco? Não vai sair do caminho com o timão solto desse jeito?
Sesshoumaru - Ele tem piloto automático. De que outro jeito você acha que eu poderia cruzar o Atlântico, sozinho? Por incrível que pareça, eu também tenho que dormir.
Rin - Eu... eu não sabia. Não tinha pensado nisso.
A expressao impaciente foi substituída por outra, de desprezo, mas Sesshoumaru não disse nada. Em silêncio, desceu a escada e foi para o camarote onde Rin tinha passado a primeira noite. No chão havia uma enorme sacola de náilon, ainda fechada, mas ele abriu e tirou de dentro uma camiseta branca, um suéter azul-marinho e uma calça jeans.
Rin pegou a calça e segurou-a em frente ao corpo. As pernas se arrastavam uns trinta centímetros do chão, e a cintura era muito maior que a dela.
Rin - Vou precisar de um cinto.*Ele deu a ela um cinto marrom de couro.*
Sesshoumaru - Experimente esse. *Mandou.* Vai ficar um pouco grande, mas posso fazer outros furos nele.
Rin colocou o cinto, e segurou-o no lugar enquanto Sesshoumaru marcava a posição do novo furo com uma esferográfica. Ele se aproximou bastante dela para isso, apoiando casualmente uma das mãos no quadril macio. Seu cheiro másculo, misturado com o aroma de sua loção pós-barba, chegando às narinas de Rin. De perto, ele parecia tão grande! Devia ter pelo menos um metro e noventa. Aquele era um homem alto, bem proporcionado, duro e totalmente seguro de si, e, pela primeira vez, passou pela cabeça de Rin que ela tinha se colocado nas mãos de um completo estranho. Durante vários dias, os dois estariam completamente sozinhos num barco, no meio do oceano. Inquieta, ela se moveu, percebendo que estava tão preocupada com a idéia de dar uma lição aos pais que havia se esquecido que Sesshoumaru Taisho era uma pessoa, e não apenas o meio de conseguir o que queria.
Quando Rin se mexeu, Sesshoumaru segurou-a com mais firmeza pelos quadris.
Sesshoumaru - Fique quieta! Pronto, acho que aqui esta bom. *Tirando um canivete do bolso, ele fez alguns furos no lugar.* Experimente.
Rin - Está ótimo! *Ela garantiu, depois de colocar o cinto.* Obrigada.
Rin já ia saindo, quando Sesshoumaru a deteve.
Sesshoumaru - Espere! Deixe-me cortar o pedaço que está sobrando.
Ele se inclinou para cortar o couro, e sua cabeça ficou bem perto da de Rin que , inquieta, deu um passo para trás. Surpreso, Sesshoumaru levantou rapidamente os olhos. Mas continuou o que estava fazendo, quando ela lhe deu um sorriso rápido e nervoso.
Assim que ele terminou, Rin pegou as roupas que, de agora em diante, seriam suas.
Rin - Vou me trocar. *Disse, e, sem olhar para trás, foi para o camarote que estava usando e fechou a porta, passando o ferrolho.*
Não que não confiasse em Sesshoumaru. A verdade é que, de repente, ela havia tomado consciência de si mesma como mulher, e se sentia mais segura com a porta trancada.
Naturalmente, as roupas ficaram enormes, e pendiam de seu corpo como se fossem sacos. A camiseta ainda dava para disfarçar, enfiada por dentro da calça, mas o resto ficou horrível! Olhando-se no espelho depois que estava vestida, notou que estava parecendo uma dessas órfãs que a gente vê pela rua, descalça e usando roupas doadas, grandes demais para o seu tamanho.
Mas era melhor se conformar. E, pensando bem, considerou até uma vantagem estar com aquela aparência horrível. Os homens não gostam de mulheres mal-arrumadas, e algo lhe dizia que quanto menos atraente o senhor Taisho a achasse, melhor seria.
Ele não estava à vista quando Rin saiu do camarote, e ela aproveitou para explorar os outros camarotes, descobrindo que, além do que estava ocupando e do dele, haviam mais dois, muito mais luxuosos e confortáveis. Ficou imaginando por que Sesshoumaru estava ocupando um camarote simples, se tinha aqueles dois à disposição.
Mas não chegou a nenhuma conclusão, e acabou voltando para o próprio camarote.
No entanto, lá também não havia nada que prendesse sua atenção, e ela começou a se sentir cada vez mais aborrecida. Foi então que se lembrou dos livros que tinha visto no camarote de Sesshoumaru, e resolveu dar uma olhada neles. Talvez achasse algo interessante.
Sem pensar duas vezes, correu para lá e entrou, fechando a porta atrás de si. Rin passou então a examinar os livros, mas descobriu que eles eram sobre náutica e viagens. Foi nesse momento que a porta se abriu e Sesshoumaru apareceu.
Sesshoumaru - O que você está fazendo aqui? *ele trovejou.*
Rin - Eu... *Sem saber como, Rin conseguiu dominar o medo que a invadira.* Eu estava procurando um livro para ler.
Sesshoumaru - Um livro? O que você acha que é esta viagem? Um cruzeiro de férias? E a limpeza que eu mandei você fazer?
Rin - Já terminei. Guardei a comida que sobrou e lavei toda a louça.
Sesshoumaru - E o resto do barco? *ele estava furioso.* Não se esqueça de que você está aqui como membro da tripulação. E a última coisa que vou permitir é que fique sentada por aí, lendo, quando há trabalho para ser feito!
Rin -Está bem! *Rin respondeu, indignada.* Eu entendi! É só você me dizer o que devo fazer.
*O rosto másculo endureceu.*
Sesshoumaru - Abra os olhos, olhe à sua volta. O banheiro está uma bagunça, na cozinha há várias caixas de mantimentos que precisam ser guardadas, e o convés superior parece que nunca foi lavado. O seu próprio camarote precisa ser arejado, mas já que você está aqui, é melhor terminar de desfazer minha mala. Depois, pode começar a fazer o almoço.
Rin -Sim, senhor, capitão *ela respondeu com insolência, furiosa com o tom autoritário dele.* Tudo que o senhor desejar, capitão!
*Os olhos dourados estreitaram-se perigosamente.*
Sesshoumaru - Senhorita Monet, é bom que saiba que não gosto de ironias! *ele avisou então com voz suave.*
De repente, toda a raiva abandonou Rin, e ela sentiu medo.
Rin - Eu... desculpe. Não tinha idéia do que você queria que eu fizesse.
Sesshoumaru examinou-a com atenção por alguns segundos, depois disse:
Sesshoumaru - Está bem. Mas não se esqueça de que você não é uma passageira à bordo desse barco, e vai Rin -Certo.
Rin abaixou a cabeça e só a levantou de novo quando estava sozinha. Que homem horrível! Que necessidade ele tinha de gritar daquele jeito com ela, quando podia muito bem lhe dizer tudo que queria educadamente?
Ressentida, começou a guardar no armário as roupas que estavam na sacola, trabalhando o mais rápido possível.
O banheiro foi mais difícil de colocar em ordem, pois Rin nunca havia limpado nada em sua casa e não sabia direito como fazer. Quando terminou, estava com os braços doloridos e o estômago roncando de novo, mas ainda faltava guardar os mantimentos e lavar o convés.
Meia hora depois, ela estava de joelhos na cozinha, passando um pano no chão, quando foi surpreendida por um som agudo e estridente, que quase a matou de susto.
Seshoumaru - Rin? Você está aí? *a voz autoritária de Sesshoumaru perguntou logo em seguida, parecendo vir do nada.*
A princípio, Rin não entendeu o que estava acontecendo. De onde vinha a voz dele?
Sesshoumaru - O interfone está no tabique a bombordo *ouviu-o explicar, impaciente.* Aperte o botão marcado "SPEAK", e segure-o assim enquanto estiver falando.
Completamente perdida, Rin olhou em volta. O que poderia ser um tabique? E o que queria dizer "a bombordo"? Felizmente, nesse momento, seus olhos deram com um aparelhinho cheio de botões embutido na parede, um pouco acima do freezer. Apertando rapidamente o que estava marcado "SPEAK", falou:
Rin -Sim, o que é?
Nenhuma resposta chegou aos seus ouvidos, e ela ficou olhando confusa para o aparelho, até perceber que ainda estava apertando o botão. Largou-o imediatamente, mas não conseguiu pegar mais do que as últimas sílabas do que ele dizia. Sentindo-se horrivelmente infeliz, pressionou o botão de novo.
Rin - Desculpe, mas não ouvi o começo do que você falou.
Sesshoumaru - Eu disse que vou usar o rádio daqui a dez minutos. Venha me encontrar na casa do leme, no convés principal. Preciso do nome e do endereço do seu namorado para pedir a ele o seu passaporte.
Rin - Qual... ahn... qual é o convés principal?
Mesmo através do interfone, deu para perceber o tom irritado da voz dele.
Sesshoumaru - O convés principal é o que fica acima da sua cabeça. A casa do leme fica atrás do salão, e você entra nela por uma porta de correr, a estibordo do convés.
Ele fez uma pequena pausa, e perguntou:
Sesshoumaru - Como vai indo o almoço?
Rin - Ah, vai bem! *Rin mentiu.*
Sesshoumaru - Ótimo! Podemos almoçar assim que terminarmos de usar o rádio.
Quando ele desligou, ela abriu apressadamente os armários e tirou alguns alimentos enlatados. Batatas, ervilhas, cenouras... Junto com algumas das costeletas que tinha visto no freezer, seriam suficiente. Mas então veio a parte mais difícil: como acender o fogão, se não havia uma única caixa de fósforos naquela maldita cozinha?Frustrada, Rin abriu e fechou gavetas e armários, procurando pela segunda vez. Tinha que haver fósforos em algum lugar, senão como é que o fogão podia ser aceso? Nesse momento, uma idéia lhe passou pela cabeça, e ela girou um dos botões do fogão. Uma das bocas se acendeu automaticamente, e, apressada, Rin colocou algumas costeletas na chapa, aumentando bem o fogo para que elas ficassem prontas logo.
Havia um abridor de latas numa das gavetas, e depois de vários minutos de tentativa e xingamentos, ela conseguiu abrir as latas o suficiente para derramar seu conteúdo em uma tigela, misturando tudo. Afinal, no estômago, todos os alimentos se misturam, não misturam?
Mal tinha acabado, a voz de Sesshoumaru ressoou pelo ambiente de novo.
Sesshoumaru - Eu disse dez minutos! Por que não está aqui ainda?
Maldito homem! Por que ele tinha que ser tão impaciente? Deixando a comida no fogo, Rin subiu correndo a escada que levava ao convés superior. Por sorte achou logo a casa do leme e entrou.
Sesshoumaru estava sentado à frente de um moderno aparelho de rádio, e não deu mostras de ter percebido sua entrada. Simplesmente pegou o microfone e começou a falar.
Sesshoumaru - Aqui é o Tenseiga, chamando Taisho Um. Está me ouvindo? Câmbio.
Então alguém respondeu:
? - Aqui é Taisho Um, falando para o Tenseiga. Como vão as coisas? Câmbio.
Sesshoumaru - Até agora, tudo bem. Houve uma tempestade ontem à noite, mas já acabou.
Por alguns momentos Sesshoumaru passou várias informações técnicas, depois acrescentou:
Sesshoumaru - Contratei um novo membro para a tripulação, um pouco antes de vir embora. Eu quero que você entre em contato com o endereço que vou lhe dar, e peça para mandarem o passaporte de R. Monet, repito: R. Monet, para a posta restante do correio principal de Hamilton, nas Bermudas. Coloque o meu nome no envelope. Entendeu? Câmbio.
Ele esperou pela resposta afirmativa, depois continuou:
Sesshoumaru - O endereço é... *Olhou interrogativamente para Rin, que lhe deu um endereço totalmente falso.*
Enquanto ele repetia suas palavras, ela sorriu. Agora, estava a salvo até chegarem às Bermudas. Deixaria para se preocupar com a reação dele quando chegasse a hora. Porque de uma coisa Rin sabia: Sesshoumaru Taisho não ia gostar nem um pouco de ter sido enganado.
Ele falou por mais alguns minutos, depois desligou o rádio.
Rin - Com quem você estava falando? *ela perguntou, curiosa.*
Sesshoumaru - Com o chefe do meu estaleiro.
Rin - "Seu" estaleiro?
Sesshoumaru - É. Construo barcos. E esta beleza é o primeiro de uma nova série que estamos lançando. *Havia uma nota de orgulho em sua voz, quando ele falou do próprio barco.*
Rin - E esta viagem... Você está fazendo um teste?
Sesshoumaru - Não, este barco já passou por todos os testes. Esta viagem é só de negócios. Espero conseguir várias encomendas nas Bermudas, e também em Miami, na exposição de barcos que vai haver lá, no mês que vem. Vamos almoçar?
Eles se dirigiram então à escada que levava à cozinha, e mal tinham descido alguns degraus, quando o cheiro forte de alguma coisa queimando chegou até eles.
Sesshoumaru -Mas o que é... *Sesshoumaru tirou Rin do caminho sem a menor cerimônia, e desceu correndo os últimos degraus.*
Ela foi atrás dele, mas parou bruscamente quando ouviu o berro de raiva que veio da cozinha. Meu Deus, tinha esquecido as costeletas no fogo! Por um momento Rin hesitou, pensando se não seria melhor desaparecer por alguns minutos, até ele se acalmar. No entanto, antes que pudesse dar um passo, Sesshoumaru surgiu e arrastou-a para baixo, sem a menor delicadeza.
Rin - Sua idiota! Veja só o que você fez!
Ele desligou o fogão, mas a cozinha e o corredor estavam cheios de fumaça. As costeletas agora não passavam de um monte de carvão na chapa. A água dos legumes também tinha evaporado, e o que restava deles estava agora grudado no fundo da panela nova em folha.
Furioso, Sesshoumaru abriu a escotilha para deixar entrar ar fresco e colocou a panela na pia, enchendo-a de água.
Depois, com o rosto branco de raiva, virou-se para Rin.
Sesshoumaru - Limpe tudo *ordenou por entre os dentes, fazendo-a estremecer de medo.* Mas, antes, prepare um sanduíche e um pouco de café e leve para mim, na ponte. Você é capaz de fazer um café? *acrescentou, num tom extremamente sarcástico.*
Rin - É claro que sou! Isso aconteceu porque não estou acostumada com fogões a gás. Não sabia que eles cozinhavam tão rápido. *Rin explicou, tentando se defender.*
Ele olhou-a com ar de quem não acreditava em nada disso que tinha acabado de ouvir, mas saiu sem dizer nada.
Rin levou séculos para limpar a panela e a chapa, mas no fim conseguiu deixá-las brilhando de novo. Com as unhas quebradas e o esmalte saindo, sentou finalmente para descansar e tomar uma xícara de café. Mas nem tinha tomado o primeiro gole, quando Sesshoumaru a chamou pelo interfone, mandando-a fazer outras coisas.
Ela trabalhou a tarde inteira, indo de um lado para o outro do barco, corrigindo defeitos que só ele enxergava. Na hora de preparar o jantar, não saiu um só minuto de perto do fogão, e desse jeito não queimou a comida. No entanto, Sesshoumaru lançou um olhar de desprezo ao prato, quando ela o colocou na frente dele.
Sesshoumaru - Isso é tudo? *ele perguntou, indicando a pequena porção de peixe com molho pronto de cogumelos, batatas e uma colherada de ervilhas cozidas.*
Rin - É. *Rin olhou-o surpresa.* Qual o problema agora?
Sesshoumaru - E o que você preparou para sobremesa?
Rin - Nada.
Sesshoumaru - Foi o que pensei. *Colocando os cotovelos na mesa, Sesshoumaru inclinou-se para ela.* Você já cozinhou para um homem, antes?
*Desanimada, ela sacudiu a cabeça.*
Rin - Para dizer a verdade, não.
Sesshoumaru - Isso é evidente. A comida que você preparou mal daria para manter um camundongo vivo, quanto mais um homem adulto. Ficar na ponte me dá fome, e eu seria capaz de comer três vezes isso. De agora em diante, quero que prepare uma refeição decente, com uma sopa, um prato principal em boa quantidade, uma sobremesa e queijo, biscoitos e café para arrematar. Não quero saber dessa comida que já vem pronta, entendeu?
Rin concordou, disfarçando a raiva que sentia. Como é que ia preparar tudo que ele queria se mal tivera condição de fazer aquela refeição? O que ele pensava que ela era, uma cozinheira profissional?
O jantar transcorreu em silêncio, e no fim Rin admitiu para si mesma que ainda estava com fome. Mas como não queria que ele percebesse, recostou-se na cadeira com ar satisfeito, como se não pudesse engolir nem mais uma ervilha. Sesshoumaru olhou-a com ironia e mandou que fosse buscar o pão e o presunto que tinham sobrado, para fazer um sanduíche. Quando ela terminou de prepará-lo, ele o pegou, encheu uma caneca de café, e foi para a ponte.
Rin observou-o sair, com ar malévolo. Estava com esperança de matar a fome que sentia com o resto do pão, mas agora deveria se contentar com o pacote de biscoitos de chocolate que tinha encontrado num dos armários.
Olhando distraidamente pela escotilha que ficava em cima da pia, ela começou a lavar a louça suja. Logo, o pôr-do-sol chamou sua atenção, e Rin ficou observando o sol desaparecer no horizonte. Quando percebeu, estava escuro na cozinha e Rin acendeu a luz para poder acabar de lavar os pratos. Depois do enjôo da noite anterior e do trabalho daquele dia, estava cansadíssima, e só conseguia pensar em dormir.
Com a escuridão, o ritmo dos motores do barco mudou e ele passou a ser praticamente embalado pelas ondas. Sesshoumaru entrou na cozinha logo depois, esfregando o rosto com ar cansado. Rin percebeu que ele também não devia ter dormido muito na noite anterior.
Sesshoumaru - Prepare um copo de leite quente para mim. Não estou me sentindo muito bem.
A ordem arrogante deixou-a ressentida, mas ele estava com uma aparência tão abatida, que ela pegou o leite na geladeira e colocou um pouco para esquentar, sem dizer nada.
Rin -Como é que você consegue dormir se não há mais ninguém para dirigir o barco? *Rin perguntou.*
Sesshoumaru - Eu já lhe disse: o Tenseiga tem piloto automático.
Rin - Eu sei. Mas o que acontece se encontrarmos um navio nessa escuridão?
Sesshoumaru - Nós estamos com as luzes de sinalização acesas, e o oceano é bem grande. Além do mais, não estamos na rota dos grandes navios.
Rin -Mas, e se um navio desses sair da rota normal? *Rin insistiu.* Nós somos muito pequenos, e eles nunca vão ver nossas luzes. Seremos atropelados sem que eles percebam o que está acontecendo.
*Sesshoumaru sorriu do tom horrorizado que havia na voz dela.*
Sesshoumaru - Não precisa se preocupar com isso, está tudo bem. O Tenseiga está equipado com os mais modernos aparelhos eletrônicos. Ele tem um radar muito sensível, que avisará se um navio se aproximar de nós.
Rin - Que tipo de sinal ele emite?
Sesshoumaru - Parece uma mistura de sirene de ambulância, relógio despertador e grito de mulher apavorada. E soa pelo barco inteiro.
Rin - Você tem certeza de que acordaria com ele?
Sesshoumaru - Até os mortos acordariam *Ele garantiu, com um bocejo. E depois gritou:* O leite! Está derramando!
Rin virou-se para pegar a panela, mas bateu com o braço numa lata de chocolate em pó, que tinha deixado em cima da pia, e jogou-a longe.
Rin - Oh, não!
Desesperada, ela tentou pegar a panela com uma das mãos, e a lata com a outra. Mas o cabo da panela estava tão quente, que ela acabou largando-a, espalhando leite e chocolate por toda parte.
No momento seguinte, Sesshoumaru empurrou-a para o lado e desligou o gás, endireitando novamente a panela e a lata. O fogão estava numa bagunça total, e ele virou-se para Rin, furioso.
Sesshoumaru - Você é a mulher mais inútil, desajeitada e irritante que já tive a infelicidade de encontrar! Não só não sabe distinguir uma ponta do barco da outra, como também não sabe limpar, e muito menos cozinhar! Será uma surpresa para mim se chegarmos inteiros às Bermudas! Porque, se continuar desse jeito, não vai demorar muito para você provocar um incêndio a bordo e nos mandar pelos ares!
Jogando o pano sujo que ele havia usado para pegar a panela nas mãos dela, Sesshoumaru acrescentou:
Sesshoumaru - Eu vou dormir. Limpe essa sujeira, e depois pode ir dormir também. E nem pense em fazer um trabalho malfeito, porque amanhã de manhã vou checar tudo.
*Esperou por uma resposta, mas Rin continuou imóvel, quase em lágrimas, e mal-humorada.*
Sesshoumaru - Boa noite. *Ele disse então, encolhendo os ombros com desprezo. E sem olhar para trás, saiu para o corredor.*
Quase uma hora depois, Rin foi para a cama. Mas estava tão cansada, que não conseguiu dormir. Ficou deitada na escuridão, ouvindo os rangidos do barco e o barulho das ondas batendo na madeira. Durante horas ela virou de um lado para o outro, até adormecer de puro cansaço.
Sua impressão era de que só estava dormindo há dois minutos, quando foi acordada na manhã seguinte por uma forte batida na porta e a voz de Sesshoumaru berrando:
Sesshoumaru - Acorde! São seis e meia, e eu quero o meu café. Você pode prepará-lo, enquanto tomo banho.
Atordoada, com a visão embaçada, Rin já estava fora da cama, quando tomou consciência do que ele havia dito. Seis e meia! Deus do céu, ela nunca tinha se levantado tão cedo antes. Sentiu vontade de se rebelar e voltar para a cama, mas o medo da reação dele foi maior. Apressadamente, colocou o jeans e o suéter e saiu bocejando do camarote.
Na cozinha, esfregou os olhos e olhou para o fogão com uma expressão vidrada, imaginando o que devia preparar para Sesshoumaru. Pelo assobio alegre que vinha do banheiro, era evidente que ele havia dormido bem e estava se sentindo novo em folha, enquanto ela mal podia se agüentar em pé.
Os cabelos de Sesshoumaru ainda estavam molhados quando ele entrou na cozinha e a cumprimentou, animado:
Sesshoumaru - Bom dia!
*A resposta de Rin foi abafada por um bocejo.*
Sesshoumaru - Que foi que houve? Você não dormiu bem? *ele perguntou, sentando-se à mesa.*
Rin - Não, não dormi. *A voz dela tinha um tom agressivo.*
Sesshoumaru lançou um olhar para seu rosto mal-humorado, e comentou com ironia:
Sesshoumaru - Não me diga que, além de tudo, você é uma dessas pessoas que ficam andando por aí feito zumbis, até o meio-dia!
Rin - De jeito nenhum. É só que não dormi muito bem, esta noite.
Sesshoumaru - Logo você se acostuma com o movimento do barco. E, depois, quando voltar para terra, vai achar tudo tão imóvel, que não vai conseguir dormir direito por um bom tempo.
Rin ficou calada, certa de que não conseguiria ter uma noite de sono decente, enquanto não chegassem às Bermudas.
Sesshoumaru - E o meu café? *ele lembrou* Preciso voltar à ponte.
Com uma pequena sensação de triunfo, ela tirou dois ovos de uma panela cheia de água fervendo, colocou-os nas tigelinhas próprias e levou-os para a mesa. Sesshoumaru examinou-os por um momento, depois levantou os olhos para Rin, que esperava ansiosa por uma palavra de elogio, e em seguida olhou novamente para os ovos. Então, com o rosto totalmente inexpressivo, levantou os dois ovos a alguns centímetros da mesa, deixando-os cair. Eles bateram na mesa e... pularam!
Um silêncio pesado caiu sobre o ambiente, até que Sesshoumaru comentou em tom casual:
Sesshoumaru - Eu tinha razão. Você não é capaz nem de preparar um ovo quente! Você tem alguma coisa contra mim, Rin?
Rin - Não.
Sesshoumaru - Então, por que está tentando me matar de fome?
Rin - Eu não estou tentando fazer nada disso. A verdade é que eu nunca tive que preparar um ovo quente antes, e não sou culpada se eles saíram duros demais.
*Sesshoumaru levantou-se e foi até o fogão.*
Sesshoumaru - Olhe, esta é sua primeira lição de culinária, e como eu só vou ensinar uma vez, é bom você prestar atenção e aprender logo. Isto *ele disse, pegando uma frigideira e enfiando-a debaixo do nariz dela* é uma frigideira. É do tipo que não gruda no fundo, por isso não precisa de óleo. No caso de ovos, é só quebrá-los dentro dela e colocar sobre fogo médio. Assim!
*Habilmente, ele quebrou dois ovos e separou as cascas, deixando-os cair na frigideira sem romper as gemas. Em seguida, acrescentou uma boa quantidade de bacon, cogumelos e tomate.*
Sesshoumaru - Onde está o pão?
Rin - Acabou. Você comeu o último pedaço ontem à noite. *Rin lembrou, mal-humorada.*
Sesshoumaru - Então você vai ter que fazer um pouco.
Rin - Fazer pão? Mas eu não sei!
Sesshoumaru - Bem, esta é a sua oportunidade de aprender. *Ele foi até o freezer e pegou dois pacotes compridos. Pães prontos *explicou.* É só você colocar no forno, na temperatura recomendada, e deixar lá pelo tempo recomendado. Uma criança, até mesmo você, é capaz de fazer isso.
*Tirando um prato do armário, Sesshoumaru colocou nele tudo que estava na frigideira.*
Sesshoumaru - Isto é o que eu geralmente como pela manhã, e é o que quero encontrar esperando por mim em cima da mesa, todas as manhãs, às sete horas. Entendido?
Rin concordou. Depois, olhando em volta, perguntou:
Rin - Onde está a minha parte?
*Ele sorriu.*
Sesshoumaru - Agora que eu já lhe mostrei como se faz, você pode pode preparar seus próprios ovos. Vai ser bom para você praticar um pouco, antes de amanhã de manhã.
Por um momento ela o fitou em silêncio, e depois saiu da cozinha, batendo a porta com um estrondo. Aquele... cafajeste que comesse sozinho. Ela é que não ia tentar cozinhar nada com ele observando e provavelmente rindo de seus erros!
E assim começou aquele dia infernal que, à medida que as horas passavam, ia ficando pior para Rin. A voz de Sesshoumaru dando ordens pelo interfone parecia soar a cada cinco minutos. Ela jogou o lixo pelo lado errado do barco, e o vento trouxe tudo de volta, obrigando-a a trabalhar ainda mais. Esqueceu a torneira do banheiro aberta, e um monte de água doce foi desperdiçada. E, além disso, queimou três pães, antes de conseguir assar dois razoavelmente bem.
Naquela noite, quando Sesshoumaru desceu para jantar, Rin estava mais cansada do que nunca, com uma dor de cabeça horrível, e os nervos à flor da pele. Uma porção de carne de panela esquentava no forno, junto com uma torta de maçã. Sobre o fogão, uma sopa de legumes esperava.
Certa de que dessa vez Sesshoumaru não poderia achar defeitos em seu trabalho, pois todos os alimentos eram do tipo que já vem pronto, só faltando esquentar, ela serviu a sopa. Mas ele tomou uma colherada e parou, exclamando com desgosto:
Sesshoumaru - O que aconteceu dessa vez? A sopa está gelada!
Rin -Não pode ser. Faz dez minutos que ela está no fogo!
Sesshoumaru - Pois então, prove você mesma.
*Rin obedeceu e descobriu, muito sem graça, que ele estava certo.*
Rin - Mas eu não entendo...
*Sesshoumaru levantou-se e foi até o fogão.*
Sesshoumaru - A panela está quase fria, e o forno também. Não me diga que esqueceu de ligar o gás! Nem mesmo você poderia ser tão burra!
Rin - Claro que eu liguei o gás! *Rin respondeu, indignada.*
Tirando a panela do fogão, ele disse:
Sesshoumaru - A chama piloto está apagada. Você usou todo o gás. Diga-me: como foi que conseguiu acabar com um botijão inteiro de gás, em apenas dois dias? Que eu saiba, isso só é possível deixando o fogão ligado o dia inteiro!
Rin estava com uma resposta malcriada na ponta da língua, quando se lembrou de que tinha deixado o fogão aceso praticamente o dia inteiro, por causa dos malditos pães que ele a mandara assar. Seu rosto deve ter mostrado a culpa que sentiu, pois Sesshoumaru atacou-a imediatamente.
Sesshoumaru - Meu Deus, já vi tudo! Você também não sabe ver se o fogo está aceso debaixo de uma panela! Diga-me Rin, para que é que você serve? *ele terminou com desprezo.*
Rin - Como se atreve a falar assim comigo? *Rin replicou aos gritos, furiosa. Sua paciência tinha se esgotado.* Eu não sou sua criada. O dia inteiro você me deu ordens e mais ordens por aquele maldito interfone! Pois bem, estou cansada disso, ouviu? Não aguento mais os seus "faça isso", "Vá buscar aquilo", "Limpe aqui"!
Ele abriu a boca para protestar, mas ela não deixou, continuando indignada:
Rin - Acabou! Não vou mais levantar uma palha até chegarmos às Bermudas. Deus, como eu gostaria de nunca ter pisado nesse seu maldito barco!
Rin ainda ia continuar, mas dessa vez Sesshoumaru a interrompeu, branco de raiva.
Sesshoumaru - Sua malandra preguiçosa! Só porque algumas coisas saíram erradas, já está querendo fugir e se esconder como uma criança irresponsável, em vez de aprender com os erros que cometeu!
Rin - Algumas coisas? É melhor dizer tudo! Você vem me atormentando sem parar desde que me descobriu a bordo! Como é que eu podia adivinhar que o gás ia acabar? E não é minha culpa se eu não sei cozinhar!
Sesshoumaru - Nesse caso, por que mentiu quando lhe perguntei se sabia? *ele perguntou com sarcasmo.*
Achando melhor ignorar essa pergunta, Rin endireitou o corpo e disse com grosseria:
Rin - Olhe aqui, se você pensa que eu vou continuar obedecendo as suas malditas ordens, está redondamente enganado! De hoje em diante você pode preparar sua própria comida, que eu...
Sesshoumaru - Pelo menos, não vou correr o risco de morrer envenenado! *A voz dele era ironia pura.*
Rin - ...Preparo a minha *ela terminou, furiosa com a interrupção.* E quanto menos nós nos virmos daqui até as Bermudas, melhor!
De cabeça erguida, Rin virou-se e caminhou para a porta, decidida a sair dali. Mas Sesshoumaru a deteve, agarrando-a pelo braço e forçando-a a encará-lo.
Sesshoumaru - Você não vai sair assim, não! A nossa conversa ainda não acabou! Quando eu lhe disse que teria que pagar sua passagem de um jeito ou de outro, estava falando sério. Se você pretende chegar às Bermudas, então vai ter que trabalhar, quer queira, quer não!
Rin - De jeito nenhum! E você não pode me obrigar.
A pressão dos dedos de Sesshoumaru no braço dela não aumentou, mas havia alguma coisa em seus olhos e em sua voz que fez Rin ficar branca como papel quando ele disse baixinho:
Sesshoumaru - Posso, sim.
Rin - Não se preocupe *ela murmurou*. Não vou lhe dar prejuízo. Pagarei minha passagem, assim que chegarmos às Bermudas.
Sesshoumaru - Mas você não tem dinheiro, tem?
Rin - Eu consigo algum.
Por alguns instantes ele a encarou com desprezo, depois disse, numa voz cheia de insolência:
Sesshoumaru - Tenho certeza de que isso não seria difícil para você, mas mesmo assim, a resposta continua sendo não. Se eu aceitasse sua proposta, teria que servir você o dia inteiro, além de manejar o barco. Querendo ou não você vai ter que trabalhar para pagar a sua passagem!
Rin - Eu já lhe disse que não vou mais fazer nenhum dos seus trabalhos nojentos! Você que os faça, se quiser!
Sesshoumaru - Muito bem, se é isso que você quer, eu concordo. Agora, só nos resta combinar uma coisa...
Rin - Que coisa? *ela perguntou, olhando-o com ódio.*
Sesshoumaru - Já que você não vai pagar sua passagem trabalhando como membro da tripulação, terá que pagá-la de outro jeito.
Rin - Não estou entendendo...
Sesshoumaru - Não? Pois eu acho que está, sim. Para alguma coisa você deve servir, e talvez seja para isto.
Segurando-a pelo outro braço também, Sesshoumaru puxou-a com firmeza para junto dele e, beijou-a.