Liandan

  • Finalizada
  • Kiia
  • Capitulos 12
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 4 horas

    16
    Capítulos:

    Capítulo 4

    Aposta III

    Álcool, Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Mesmo contrariado, Hati resolveu ouvir o que os dois tinham a dizer. Ele não confiava em Managarm, mas a presença de seu irmão mais velho, Skoll, lhe transmitia segurança. Em tempos remotos, o lobo do dia ajudara bastante o branco, e com isso, a amizade deles passava de meros laços familiares, pois família para animais não significava nada. Afinal, eram seres que só se importam com eles mesmos, parentes muitas das vezes são apenas futuros inimigos.

    Mas Skoll era diferente. Ele era um atencioso irmão mais velho que cuidava sempre de Hati, e Managarm, mesmo que o mais novo não gostasse da presença do meio-irmão.

    O outro lobo de pelagem negra era filho da mesma gigante, porém, a cria não pertencia a Fenrir, pai dos outros dois irmãos. A giganta, cuja dera a luz aos três, havia feito o mesmo com outros, sendo assim, uma mulher que sempre gerava irmãos, e irmãs aos lobos Hati e Skoll.

    Já fazia algumas horas, duas talvez, que o trio havia atravessado a ponte Bifrost, indo assim de encontro a Terra, cujo era chamada pelos deuses de Midgard. Graças as suas habilidades, todos apresentavam forma humana, podendo assim se camuflar perante a sociedade sem problemas.

    O mais novo, possuía aparência de um belo rapaz de dezesseis anos. Os cabelos eram curtos, e brancos como a pelagem na forma original. Os olhos azuis, e a pele eram claros. Trajava algo semelhante a uma roupa social, uma calça social escura, blusa de botões e manga branca, e um coelte negro com gravata - o que segundo Skoll, não combinava muito bem com a personalidade do irmãozinho.

    Managarm parecia um recém saído de uma peça de teatro de época. Usava roupas negras de aparência medieval-gótica, e os cabelos negros levemente ondulados, permaneciam presos por uma fita de cabelo. A pele clara, e os olhos azuis faziam um belo par com a aparência do jovem, que aparentava ter dezenove anos. Esse apesar do visual já não chamava tanta atenção, afinal, Japão era um país bastante conhecido pela sua moda extravagante.

    Já Skoll, era o de melhor, e mais galante aparência. Com vinte e um anos, cabelos curtos, e bagunçados negros, olhos dourados e maliciosos, o mais velho era o maior centro das atenções por onde andavam. A blusa social branca, mantinha os três primeiros botões da gola aberta, mostrando assim parcialmente uma tatuagem de um sol tribal que começava no lado esquerdo do pescoço, e termina com linhas, e aremes no inicio dos dedos do braço esquerdo. Parecia um astro da televisão, ou um modelo, pensavam as mulheres por onde eles andavam.

    - Muito bem, o que iremos fazer então? – questionou o mais novo impaciente como sempre.

    - Acalme-se. – rebateu o de olhos dourados com um sorriso divertido em lábios. – Estamos próximos.

    Não muito longe, em uma area abandonada longe da sede dos Black Rose, a decisão final acontecia. Shisa Soru parecia confiante de sua vitória apesar das inúmeras derrotas, e isso apenas irritava os hiperativos membros da gangue de Ulric.

    O líder da Chi o Koete, foi o primeiro a se manifestar. Em questão de números, Shisa Soru estava em vantagem. Quando Ulric derrotara o antigo líder, muitos saíram da Black Rose para continuar sob a liderança de Shisa Soru. Enquanto Ookamimun apresenta por volta de oitenta “soldados”, os rivais possuíam em torno dos cem. Mas isso nunca havia sido problema para a Black Rose, e não seria agora que aquela gangue de merda derrotaria o império de Ulric.

    - Há quanto tempo, seu filho da puta. – amigável como sempre, o rapaz coberto por cicatrizes no peitoral definido cumprimentou exibindo um sorriso vitorioso.

    Ookamimun não retribuiu a cortesia. Ele sabia bem que seria perda de tempo, afinal, já havia derrotado o líder daquela gangue de depravados tantas vezes, que aquilo já se tornara algo cansativo. Mas dessa vez, seria diferente. Com os olhos fechados, seguido de um suspiro, ele começou a falar.

    - Você realmente não aprende, não é? – houve uma pausa. E o rapaz voltou a fitar os inimigos. Era impossível, para todos, observarem o movimento dos olhos de Ookamimun, isso por causa dos óculos de lentes escuras. – Mas tudo bem...

    O bastão de kendo, a arma preciosa do líder foi posta a mostra. Ela era empunhada a frente, como se indicasse que o pelotão estava autorizado a avançar.

    - Você terá um merecido lugar no inferno hoje.

    A Black Rose disparou. A guerra estava iniciada. Conhecedores dos movimentos dos rapazes, a Chi o Koete avançou igualmente. Apenas os líderes permaneceram em seus postos iniciais. A visão de Ookamimun era concentrada no que ocorria ao seu redor. Ele podia assistir a luta do feroz Saguro contra alguns merdinhas, enquanto seus olhos permaneciam deleitando-se da morte de rivais.

    A mente do rapaz tinha preocupações em mente, e uma delas, seria como continuar com a chacina sem alertar a população, ou até mesmo aos policiais e investigadores. Era certo, que o local escolhido, era distante da movimentação da cidade, mas ele deveria pensar em todas as possibilidades, para que assim, não houvesse surpresas.

    - Covarde! – uma voz brandiu no meio dos acontecidos, e Ookamimun não precisou direcionar o olhar para saber a quem pertencia à voz.

    - O que foi Shisa? Medo da morte? – zombou em resposta. Porém, o semblante permanecia sério. – Não se preocupe, ouvi dizer que os demônios adoram torturar pessoas como você. Garanto uma coisa, entediados... Vocês jamais ficarão.

    Shisa Soru no geral conseguia manter a calma, sem se estressar com bobagens, mas ele simplesmente não suportava mais sequer ouvir falar do inimigo. Sem pensar duas vezes, com os dentes trincados, rapidamente ele sacou um revólver taurus, calibre 38. Estava farto de tudo, e queria acabar logo com o idiota que roubara sua gangue.

    Ookamimun não se mexeu ao avistar a arma em sua mira. Permaneceu frigido, apenas atento ao próximo movimento do rival. A confiança que Ulric tinha sobre si, era impressionante, e isto apenas irritava ainda mais Shisa Soru. Espere... Ulric? Ulric Knox não passava de um disfarce. Sim, isso mesmo, o verdadeiro ser que o rapaz era, estava ali, naquele momento como Ookamimun, esse sim, era o verdadeiro.

    O sangue fervia a cabeça, e provavelmente não deixou o rapaz raciocinar direito, pois mesmo com companheiros lutando a sua frente, ele não hesitou em disparar fogo. Um tremendo tolo. Pensou o alvo. Será que seu atacante era tão burro ao ponto de não perceber que as chances de acerto eram praticamente nulas? Irritado com o ato do adversário, e principalmente cansado daquela batalha inútil, Ulric apenas esperou o som da bala atingir um dos homens do outro. Quando, este caiu no chão gemendo de dor, o líder da Black Rose agiu. Ele era rápido, movia-se com precisão no meio das peças de xadrez. Dessa vez não teria piedade com Shisa Soru como tivera das demais vezes.

    O rapaz viu o desespero tomar conta de si. Sabia que agora seria diferente, e por isso temeu por sua vida. Tentando ser o mais rápido possível, recarregou a pistola e ajustou a mira, mas já era tarde. Ookamimun já estava a sua frente, e com um chute giratório, arremessou o gangster no cascalho do chão. O golpe havia acertado o peito do inimigo, deixando este, temporariamente sem ar devido à força do movimento. Fora pura burrice achar que uma única bala derrotaria o líder da Black Rose.

    Sem esperar qualquer reação, o misterioso líder da poderosa gangue, atacou novamente, desta vez com um pontapé que jogou novamente o homem a alguns metros de distância. Apesar da briga entre os líderes, os demais continuavam suas batalhas. Shisa Soru, caído novamente, procurou pela arma. Com os golpes, ela havia sido atirada para longe. Ele não era páreo para Ookamimun desarmado. Caído, ele tateou até conseguir alcançar a pistola, o outro, por sua vez, não permitiu que ele sequer usasse o armamento. Pisou forte na coluna do homem, para depois chutar o objeto de fogo para longe. Um grito estridente fora ouvido por todos, era Shisa Soru que cuspia um pouco de sangue no chão pela força do empurrão para baixo. Um sorriso sádico, e divertido surgiu nos lábios do lutador, que se abaixou na altura do inimigo. Com um rápido movimento, ele ergueu Shisa com uma mão, e com a outra, socou o estômago do inimigo. Mais sangue foi jorrado da boca do rapaz.

    - Como sempre, você só tem papo. – reclamou Ookamimun.

    Irritado com o comentário do agressor, ele forçou-se a dar um soco na face de Ulric, este por sua vez, agarrou o punho do rapaz com a mão livre.

    - Você é lerdo demais. Nem mesmo merece o tempo que estou gastando com isso. – Ameaçador como sempre, ele apertou com força o punho do inimigo que estava em suas mãos. Shisa Soru gemeu de dor.

    Antes que pudesse reagir, Ulric deixou o corpo do gangster da Chi o Koete desabar com força no chão, e assim pisou forte na mão estendida do rapaz. Havia quebrado os dedos de seu oponente que gritava desesperado.

    - Verme... – Cuspindo as palavras, Ookamimun murmurou exibindo todo o seu desprezo pela pobre criatura a sua frente, fraca e chorona.

    Seguido de um pontapé na boca do estômago - o que o arremessou a uma certa distância -, Shisa desmaiou ao ter uma pedra grande e pontiaguda acertada em seu crânio. Sangue escorreu manchando o chão, mas o representante da Black Rose sabia que o inimigo ainda não estava morto, porém em breve estaria... Decidido, Ulric caminhou lentamente ao encontro da vítima que estava a apenas um metro de distância. Seus olhos por baixo das lentes negras eram fixos na frágil vida de Shisa Soru. Planejava acabar com tudo naquele momento, mas não foi isso que aconteceu. Os três lobos de Asgard surgiram juntamente com um incomodo silêncio.

    - Ora, ora, ora... – Skoll, cujo seguia frente aos outros dois, foi o primeiro a se pronunciar.

    A atenção do jovem então foi dirigida ao lobo que se aproximava. Sem entender bem o que se passava, ele notou que seus companheiros não se moviam. Lembravam estatuadas, assim como os homens do inimigo, mas sem dúvida o mais incrível, era ver pessoas flutuando, ou projéteis de armas todos em mesma condição, imóveis como em uma pintura sem ideia de movimento.

    Managarm parecia dormir enquanto caminhava, estava tão entediado e quieto, que Hati dava graças por isso, não queria ter que ouvir o som da voz daquele que ele tanto odiava.

    - Parece que chegamos em boa hora. – continuou o mais velho.

    Ulric não sabia bem o que estava acontecendo, tinha suas teorias formuladas e buscava não demonstrar qualquer tipo de sentimento em relação aos estranhos, porém, ele estava confuso. Como aquilo era possível? Parar o tempo? Loucura, só podia ser. Ele estava sonhando, isso, deveria ser exatamente isso. E se fosse de fato um sonho, não faria mal participar do diálogo, pensou.

    - O que querem comigo? – arriscou mantendo a postura calma.

    Dentro de todos, Hati era aquele que tinha mais facilidade para perder o pouco de calma que tinha. Os irmãos sabiam bem disso, e foi impossível evitar que o mais novo explodisse com a pergunta de Ulric.

    - Como assim?! Que raio de atitude é essa?! – O menino de cabelo branco ultrapassou os outros dois, e esbravejou frente ao moreno, que a tudo apenas observava.

    - Como esse bastardo não pode saber nada sobre quem somos?! – continuou ao ponto de socar a face do gangster. – Skoll – chamou pelo mais velho agora dirigindo toda sua ira a ele. – Você me enganou! Não me avisou que o palerma não sabia de nada!

    O jovem calado, assim permaneceu. Queria ver o resultado de toda aquela brincadeira. Managarm era outro que mantinha a postura relaxada, relaxada até demais. Afinal, enquanto tudo acontecia, o lobo avoado encarava um dos gangsteres paralisado em pleno salto.

    Skoll era mais paciente que o irmão, e isso era algo bom, pois se não fosse por ele, Hati já estaria em sérios apuros graças ao seu mau humor. Certa vez, o mais novo havia discutido com o próprio Odin, e se não fosse pela diplomacia de Skoll, talvez o lobo da lua nunca mais teria o prazer de sentir o ar preencher seus pulmões.

    Tentando não ser levado pela explosão do irmão, o filho de Fenrir voltou os olhos dourados como pedras preciosas para o de cabelos brancos. Estava irritado o suficiente para dar uma boa surra no caçula se fosse preciso. E Hati já conhecia bem o quanto Skoll ficava assustador quando perdia a calma.

    - Agora escute... – A voz era alta, firme, e imponente. Ulric por um minuto sentiu admiração pela potência de tão grandiosa autoridade. – Queira você ou não, esse “palerma” é Loki. Não lhe enganei em nenhum momento, caro irmãozinho, apenas disse que ele está vivo, não lhe disse, mas seu espírito verdadeiro está adormecido.

    Espere... Loki? Mitologia nórdica?! Aqueles idiotas estavam bem? O que ele tinha haver com um ser que nem ao menos existia? Perguntava-se o jovem. Aquilo definitivamente só poderia ser um sonho, o que mais seria? Mas mesmo com essa conclusão, Ulric já estava envolvido demais no que acontecia para desviar do assunto.

    - Nossa tarefa, caro maninho, implica justamente em trazer Loki de volta. Estamos entendidos?

    A essa altura, Hati já havia se calado, e não possuía argumentos para rebater tal ordem de Skoll. Com a face contrariada, repleta de raiva por ter se dado por vencido, o caçula murmurou algo que pareceu um simples “tudo bem”, e com isso o primogênito pareceu se acalmar.

    Sem saber mais o que fazer, Ulric se viu em um poço sem saída. Ele não tinha mais certeza em sua teoria, e agora aquilo era a realidade para ele. Sentindo que corria perigo, seu instinto o fez se preparar para um ataque, mas antes que o movimento chegasse a ser realizado, uma barreira surgiu frente ao jovem que foi repelido, e arremessado para longe, por esta.

    - Oh! – exclamou o até agora calado Managarm. Os olhos ainda eram fixos em qualquer coisa, exceto na conversa de seus irmãos. – Loki planeja fugir.

    Os olhos azuis do irmão do meio brilharam, e seu olhar voltou-se totalmente para o caído Ulric, que levantava no meio da multidão com o tempo parado. Ele parecia estar em transe, pensou aquele que carregava o título de Ookamimun.

    - Ótimo. – replicou ironicamente Skoll passando a mão nervosamente pelos cabelos negros. – Escute. – pediu ao avistar o rapaz novamente em pé. - Você já deve ter reparado que é diferente da maioria, e isso tem um motivo.

    Dolorido pelo golpe surpresa, Ulric tratou de prestar atenção no que Skoll dizia. Ele sabia que ele de fato não era normal. Nunca havia conhecido alguém que pudesse levar uma vida como a dele. A maioria das pessoas que nascia com aquelas habilidades de inteligência, costumava ser portador de alguma necessidade especial, mas não Ulric, e desde criança ele notara que era diferente dos outros.

    - E qual seria este motivo? – rebateu Ookamimun no mesmo tom de voz irônico usado por Skoll.

    - Acalme-se Managarm. – satisfeito por finalmente tudo estar caminhando conforme ele desejava. O líder da missão ordenou ao irmão do meio parar com a magia que realizava no momento, que nada mais era do que uma leitura de mentes, e claro a barreira de defesa que havia repelido Ulric.

    - Não temos muito tempo, mas farei o possível para lhe explicar. – anunciou o primogênito. – Existem diversos mundos, meu caro, e inclusive mundos paralelos a este. Inclusive uma Terra onde sua querida mãe pode jamais ter falecido, ou onde este país não exista. É impossível saber qual o número exato de versões que existem.

    Skoll explicava tudo na mais profunda calmaria. Managarm, agora se preocupava novamente em observar o ambiente, enquanto Hati mantinha-se com uma face emburrada e distante. Mas nada daquilo parecia impressionar Ulric, ele conhecia bem essas teorias loucas de alguns cientistas, livros, quadrinhos, cinemas e afins. Tudo besteira.

    - E o que isso tem haver comigo? – com a sobrancelha erguida, ele questionou duvidoso.

    Um pequenino sorriso surgiu nos lábios de Skoll. Finalmente havia conseguido chegar ao ponto que tanto ansiava.

    - Tudo, meu caro. Mas não se preocupe, em breve poderá nos contar como foi essa experiência, afinal, você está prestes a visitar uma dessas outras versões, não é mesmo, Hati?

    O lobo branco rodopiou os olhos e assentiu. Logo uma fraca ventania teve inicio mesmo que estivessem em uma época tão quente quanto aquela. A brisa logo tratou de ganhar vida e começou a dar voltas em Ulric, que a principio não se surpreendeu, até que a corrente de ar tornou-se forte o suficiente para roubar-lhe oxigênio por alguns segundos, e então ele sentiu algo gélido e fofo tocar-lhe a pele. Era neve. Mas como isso seria possível se a estação estava próxima da época das férias, o Verão? Foi então que o rapaz teve sua resposta. Ele não estava mais no terreno de antes, ou sequer na cidade de Sapporo. Estava perdido, abandonado no meio da mais pura, e branca neve, e ao que tudo indicava uma nevasca se aproximava.

    ...

    Após o Ragnarok, um dos favores que a deusa do submundo realizava a sua família, era manter o espírito de seu querido irmão, Fenrir ao seu lado, como um imenso e agressivo lobo de guarda. E naquele dia, o animal prestou seus serviços novamente, ao ter o pelo eriçado e rosnar de forma ameaçadora para quem se aproximava do trono de sua querida irmã.

    - Você esta amolecendo, Hel. – Uma voz familiar, e repleta de uma zombaria subiu as escadas que davam acesso ao salão forrado por crânios onde a deusa descansava e comandava Helgardh.

    A senhora do submundo nada fez. Esperou o visitando aproximar-se, e manteve uma calma invejada por muitos. Os corvos, que sempre ficavam empoleirados em seu trono de ossos humanos, piaram, anunciando a chegada de um dos filhos de Odin.

    - Para um filho do falecido Odin, você não acha que se arrisca demais ao visitar meus domínios sem minha permissão, Vidar? – a voz de Hel, como sempre era espectral. Muitos se assustariam com a aparência que a mulher exibia naquele momento, fazendo assim, jus à voz.

    Em suas dependências, a senhora de Helgardh poupava sua energia, exibindo assim sempre sua forma original. A carne podre da coxa estava exposta já que, Hel mantinha-se sentada com as pernas cruzadas, e com a ferida por cima da saudável. O capuz não lhe ocultava a fase, exibindo assim a metade necrosada do rosto.

    Vidar era um homem de aparência forte, cabelos curtos e ondulados nas pontas, cuja cor, assim como a da barba era negra. A pele era levemente escura pelas horas de treinamento em artes marciais ao sol, já os olhos ganhavam um tom castanho, banhado em seriedade e sabedoria conquistada após anos de lutas.

    A mão necrosa da mulher afagou Fenrir para que este se acalmasse, o que logo ocorreu, e com isso Vidar sorriu satisfeito, aproximando-se mais do trono da senhora. Os corvos obedeceram à vontade de sua senhora, e logo o silêncio se fez novamente, exceto pelo som do crepitar de tochas que iluminavam o salão.

    - Não seja tão severa, Hel. – Sem formalidades, ou cortesias, era assim que o deus tratava a filha de Loki, de igual para igual, algo que para muitos indicaria intimidade.

    Os olhos ágeis da deusa mantinham toda a sua atenção no filho de Odin, que estava apenas a meio metro de distância. Durante a batalha contra seu pai, Vidar havia sido um dos guerreiros mais bravos, e um dos poucos sobreviventes. Justamente por esse motivo, muitos deuses desejavam que Vidar, o vingativo, assumisse a antiga posição de seu falecido pai, porém, no final os irmãos Magni e Modi saíram vitoriosos para ira do deus.

    - A que devo a honra de sua presença? – indagou sem rodeios.

    - Não se faça de inocente, Hel. Asgard inteira não fala em outra coisa. Loki, seu pai está vivo. – respondeu o homem que só tinha sua força superada por Magni, já que Thor, seu irmão mais novo encontrava-se morto. – Meus sobrinhos, podem ser ingênuos, mas sei bem quem você é senhora de Helgardh. Sei que você é engenhosa o suficiente para arquitetar algo deste porte. Mas a questão é? O que você ganha com tudo isso?

    Satisfeita, e achando graça, Hel permitiu-se exibir um pequenino sorriso, que logo endureceu a face novamente, afinal, era algo horrendo observar aquele tecido podre formando uma fileira de dentes alegres.

    - E o que pretende fazer agora que sabe de tudo, Vidar?... Ou quase tudo – corrigiu a si no último instante. E o deus riu divertido.

    - Ainda me pergunta o que pretendo? – questionou em meio às gargalhadas. – Não é obvio? Desejo o que é meu por direito, desejo o trono dos nove reinos e para isso, cara Hel, conte comigo, pois serei seu servo fiel.

    Fenrir levantou os olhos para o deus que ria de maneira exagerada. Diferente de seus dois filhos, ele não conseguia assumir forma humana, mas compreendia bem a linguagem humanoide, e assim podia comunicar-se com eles. Mas com a deusa era diferente, ele a conhecia bem o suficiente para saber o que se passava na mente da mulher, e para ele, nada estava tão claro, quanto o pensamento de vitória de Hel nesta partida de xadrez.

    ...

    Os preparativos finalmente haviam sido feitos. Tudo ocorria conforme o planejado, e o salão negro, repleto de runas mágicas desenhadas em todas as partes, com giz branco era a prova disto. Os objetos específicos para o inicio do ritual já estavam todos em seus devidos lugares.

    O homem alto, de aproximadamente dois metros de altura já se encontrava igualmente preparado para tal ato que requereria enorme poder mágico. A túnica branca destacava-se bem no quarto inteiramente mergulhado no umbral. O feiticeiro utilizava por cima da vestimenta, diversos colares prateados, que nada mais eram do que raras relíquias para ampliar o poder mágico, ou até mesmo proteger o usuário contra ataques no momento em que ele estivesse fadigado pelo uso do ritual de invocação. Mas essa proteção funcionaria somente em caso de feitiços, ataques normais, não poderiam ser detidos pelos medalhões.

    Um pequenino ser negro, felpudo, e praticamente imperceptível a olhos humanos, subiu de repente na roupa que o homem trajava, porém, este não se surpreendeu. O que mostrava que o ser era um conhecido do feiticeiro.

    A mão direita, repleta de estranhos anéis de dragões, rosas com espinhos, e caveiras afagou o confortável pelo do pequenino animal mamífero, era uma raposa.

    - Depois de dezoito anos, Mitsuki Chi... – o mago falava ao ser negro que parecia satisfeito com o carinho. – Finalmente consegui juntar todos os itens necessários para trazer meu senhor de volta a vida. Heimdall finalmente colocará um fim em toda essa loucura.

    O semblante antes calmo do encapuzado, tornou-se maníaco, como se estivesse obcecado com essa ideia há séculos. Mitsuki Chi, a pequenina raposa saltou do ombro de seu companheiro para sumir nas sombras do salão.

    Uma energia azul clara formou-se nas mãos do mago que estendeu os braços gargalhando, enlouquecido pela possibilidade do que iria ocorrer a seguir. A forte luz tomou conta de tudo, e o quarto antes negro, tornou-se impossível de sequer manter os olhos abertos. Apenas o farfalhar da magia sendo executada, e da risada do homem eram ouvidas naquele ambiente, e quando essa teve fim, pode-se ver um corpo masculino, nu esticado ao chão. O resto do ambiente estava intocado, perfeitamente igual à antes.

    A negritude havia retornado, e com isso, o feiticeiro mostrava-se exausto, e um esforço tremendo devia ser realizado para o enlouquecido portador de magia, aproximar-se rastejando do jovem desnudo.

    - Mestre... Meu senhor... – sibilou o fadigado homem.

    Para a infelicidade do executor do ritual, não houve resposta com palavras, mas fisicamente houve, pois o jovem movia-se, buscando forças para se erguer. Motivado por isso, o mago apenas forçou-se a ajudar o suposto Heimdall a se recompor. Mas a gratidão não foi bem o que ele recebeu por ajudar seu mestre. A mão forte do deus agarrou a face do humano, e com um simples movimento, esta explodiu, expelindo sangue para diversas partes do quarto. De pé, o homem arrancou a vestimenta de seu salvador, para trajar ele mesmo. Estava atrasado... Muito atrasado, e isso era uma coisa imperdoável aos olhos do ser oniciente. Ignorando o cenário que deixara para trás, Heimdall saiu do salão para dar fim aquilo, que uma vez, seu maior inimigo havia começado.

    Fim Aposta III


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