Cap 04 - "In a Darkened Room" - "Em um Quarto Escuro"
Ato I?Em um quarto escuro
Além do alcance da fé de Deus
Estão feridos e despedaçados restos do amor traído.?
A chamativa limusine adentrava no coração de Goldenrod, sendo seguida por muitos olhares curiosos.
-... Por que merecemos tamanho desgosto? ? o silêncio dentro do carro era quebrado por Peter.
- Demos tudo ao nosso alcance, as melhores condições e você humilhá-nos dessa forma... ? a esposa complementava, então era interrompida pelo marido.
- O que pensarão de nos? ? Ross mantinha em silêncio, esse contagiava o ambiente por alguns minutos, sendo quebrado novamente pelo chefe da família. ? Por que não corresponde igual a sua irmã? Dentre dois, ao menos um dá a nós motivos para orgulharmos ? as fortes palavras afetavam todos que as ouviram. Marie olhava para o marido surpresa, enquanto as palavras ecoavam no grande vácuo que Ross tornara.
A enorme mansão, que ficava a poucos quilômetros de Goldenrod, transformava de doce lar para uma casa de dor. A beleza da estrutura escondia a verdadeira face horrorosa que a habitava. Os inúmeros cômodos eram inutilizados assim como as afeições entre os familiares. O esplendor do sol não conseguia adentrar naquele quarto, a escuridão presente era o perfeito reflexo do estado mental do jovem.
Sentado em um carregado canto de seu quarto, o jovem esquecido pelo mundo, ou pelo menos por aqueles que consideravam importante. O grande vácuo tornava lentamente em um mórbido sentimento. Uma pequena rachadura no espelho demonstrava a verdadeira face do jovem, uma imagem deformada e distorcida. Aos poucos florescia em sua cabeça pensamentos desfalecidos. Tais pesados sentimentos eram também sentidos pelos dois pokémon do jovem. A ligação entre treinador e pokémon não era normal, e sim um dom que Ross recebia. De fato poucas pessoas naquele mundo eram tão especiais.
As duas pokébolas, que estavam em cima de uma pequena mesa, começavam a movimentar e então, independentemente do comando de seu treinador, abriam-se. O surpreso garoto olhava para os dois pokémon a sua frente.
- Eu acho que o nosso fim chegou ? o garoto caminhava até seus pokémon com tristes lágrimas escorrendo por seu rosto. ? O meu sonho não foi capaz de realizar, mas o de vocês dois ainda sobrevivi. Achem um treinador de verdade na próxima vez ? Ross acariciava a cabeça de cada um, abrindo em seguida uma das janelas de seu quarto. Os dois pokémon aproximavam do jovem. O fim chegava, ao menos era o que pensava Ross. Porém, surpreendendo-se, os seus comandados paravam a sua frente.
O jovem conseguia sentir o sentimento de seu principal pokémon, Zubat. Para Ross, assim como o pokémon morcego, lembravam do episódio em que o jovem tivera a oportunidade de possuir um pokémon mais forte e, consequentemente, mudar toda a situação em que encontrava. Tal reação de Zubat era negar tudo o que seu treinador pedira assim como o seu parceiro pokémon.
Um pequeno sentimento de felicidade pegava de surpresa o garoto. Singelas lágrimas eram o fruto do ato de companheirismo que seus pokémon demonstravam. Uma pequena parte de cinco anos atrás, quando Ross ainda era um inocente garoto, despertara por aqueles que demonstravam afeto ao jovem.
- Eu prometo, não vou decepcioná-los ? o jovem enxugava as últimas lágrimas. O olhar acabado dava lugar a um decidido. A grande parte do vácuo que constituía o jovem era rapidamente preenchida e como forma de materializar o que sentia, mudava o seu estilo de vestir, usando agora uma velha jaqueta que encontrara no fundo de seu armário, além de uma camisa cinza de manga longa. A calça escolhida também possuía um longo tempo de uso. Frente ao espelho, de forma a acabar com a imagem de derrotado, jogava o cabelo para trás, esse por ser um pouco ondulado, dava ao jovem uma nova confiança.
Como forma de finalizar aquele ritual, Ross jogava o velho uniforme em um isolado compartimento do armário e expressava o que sentia naquele momento por meio de poucas palavras, utilizando como meio uma recente prova em que tiraria a menor nota possível. Pegara também uma camisa pólo que jamais usara. Estava guardada para uma ocasião especial, pois quem a dera também era tão especial para o jovem, era Luiza.
Ato II
?E todos os momentos preciosos colocados de lado novamente
E o sorriso da madrugada
Traz a macha da luxuria cantando o meu réquiem?.
A sala estava quieta demais para a hora do jantar. A iluminação do ambiente era dada por um exuberante candelabro e uma charmosa lareira, que também o deixava em uma temperatura agradável. Mesmo com todas as boas condições, os ali presentes permaneciam em profundo silêncio, saboreando a deliciosa comida feita por um dos serviçais.
- Ele ficou trancado naquele quarto o dia todo, é melhor mandar alguém chamá-lo para vir jantar ? a bela mulher bebia um pouco de vinho, enquanto olhava o marido. Esse só exercia uma reação, mandara um dos empregados a servir o jovem no próprio quarto.
Poucos minutos após a ordem ser dada, passos acelerados em direção a sala podiam ser escutados.
- Senhor... ? a empregada tentava obter fôlego. -... O jovem Ross sumiu! Não estava em seu quarto quando fiz o que pedira! ? dizia um pouco desesperada. ? Apenas encontrei isso ? entregava ao pai do jovem o papel em que havia a despedida do garoto.
-... ? assim que terminava de ler o papel, esmagava-o com força enquanto sua aflita esposa apenas observava. ? Já não basta tudo o que fizera, ainda quer desafiar-nos... ? olhava de volta para a esposa de forma a transbordar raiva.
- O que faremos a respeito? ? a mulher finalmente tomava iniciativa.
- Nada! Já rebaixamos demais por conta dele. Além disso, ele mal soube sobreviver em uma simples Academia, imagine no mundo... ? o homem controlava-se, voltando a saborear a deliciosa comida a sua frente. Era seguido pela receosa esposa, que aos poucos retornava ao seu estado normal.
Já a alguma distância de casa, Ross seguia rumo a uma trilha que o levaria próximo à cidade de Goldenrod. O gélido vento da madrugada fazia partes de seu corpo tremer. O silêncio era predominante, ouvindo apenas sons de pokémon com nichos noturnos. Próximo ao National Park, o jovem passaria o restante da noite por aquelas redondezas.
- Ei... Garoto, acorde! Aqui não é lugar de dormir! Ande, saia fora daqui! ? um velho e rabugento guarda que patrulhava o grandioso parque, junto a um companheiro de características semelhantes, chutava lentamente o jovem tentando acordá-lo. ? Não queremos passar para os visitantes a imagem de que o National Park é um refúgio de mendigos! ? aquele dia era um dos poucos da semana em que ocorria um torneio especial.
O jovem abria lentamente os olhos, a claridade do sol ainda os irritava. A sua resposta ao guarda ainda era lenta, irritando o velho e, consequentemente, sendo expulso a força.
A rota ainda estava calma, poucas pessoas passavam por aquela área naquele horário. Ao caminhar próximo a um campo de mato mais alto que o normal, Ross notava um estranho movimento aleatório. Tentava deduzir o próximo local onde o movimento ocorreria, porém sem sucesso até em que um raro momento de sorte, o garoto dava de cara com um estranho pokémon. Não possuia uma Pokédex, mas sabia que tratava de um Abra. Por um segundo ambos encaravam-se até o momento em que Ross rapidamente sacava um pokébola e a lançava.
- Nincada, Leech Life! ? assim que o pokémon era liberado rapidamente obedecia ao seu treinador, acertando o golpe no pokémon psíquico.
Abra recebia um fraco, porém super efetivo, golpe, ficando algum tempo sem reação. Esse era aproveitado por Ross que jogava a sua única pokébola vazia. O mistério sobre a decisão da captura chegava ao fim apos a pokébola chacoalhar rapidamente. O jovem caminhava até a área em que Abra estava presente. Olhava indiferentemente para a região, agachando e por fim pegando a pokébola que lançara. Abra era seu novo pokémon.
- Muito bem Nincada. Agora descanse um pouco ? com a outra mão, Ross retornava seu pokémon. A pokébola de Abra era posta na terceira posição em relação a outras já presentes.
Após algum tempo pensativo o garoto decidira percorrer o resto da rota 35. Apesar do aparecer do sol e o céu estar livre de nuvens, fazia um dia frio; Esse incomodava um pouco o jovem que, inutilmente, juntava os dois braços a fim de esquentá-los. Mesmo com o passar das horas e o sol a pino, a sensação térmica não mudara. A rota permanecia quieta e aos poucos uma estranha sensação de fome era sentida. O jovem jamais havia familiarizado com ela, pois ao berço em que nascera seus pais davam-lhe tudo. Mesmo com aquela necessidade lhe incomodando, o jovem continuava a sua viagem. Uma pequena vila ficaria cerca de uma hora do local onde Ross encontrava e era justamente para ela que dirigia.
De fato era uma pequena vila. As casas semelhantes eram justapostas ao redor de uma simpática praça, essa era usada para causar alegria a crianças, além de servir como palco para encontro de namorados e amigos. Os mais velhos, pelo menos os desocupados, ficavam apoiados na janela exercendo o trabalho de vigília do local, por mais que houvesse um projeto de delegacia. A presença de um Pokémon Center junto à um Pokémon Market era contrastante com a falta de importância daquela vila.
O pouco e mal calculado resto de dinheiro do jovem era usado para garantir suas necessidade. Como a pensão de um quarto pequeno duraria por um dia, permanecia naquele local. Usava o tempo livre para descansar e recuperar seus pokémon. Perguntava se alguém sentia sua falta, até chegar a triste conclusão que não. O frio que sentia enfim era explicado, nuvens carregadas ocupavam o antigo céu limpo, indicando a aproximação de uma forte tempestade. Embora raramente saísse de seu quarto, o jovem era visto com desconfiança por todos os moradores. Como era uma pequena vila, quase irreconhecível no mapa, recebia poucos forasteiros, e com a não-familiarização, aquelas pessoas tornavam-se fechadas a novidades.
Ato III
?Como posso encarar o dia enquanto sou torturado em minha crença
E assistir isso cristalizando
Enquanto minha salvação vira pó??
As gotas de água batiam na janela, fazendo o típico barulho de chuva. O garoto ainda estava acordado, apesar de que a silenciosa madrugada já iniciara. Pensativo, sua cabeça passava rapidamente por todas as desagradáveis situações em que passara, parando o ritmo assim que a imagem da única garota que amava era formada. Se pudesse materializar os sentimentos do garoto em uma balança, provavelmente os dois lados ocupados pela raiva e pelo amor estariam a mesma altura. O jovem estava em constante conflito. Sentia-se em uma profunda antítese, a alegre e inocente criança que era e o vazio jovem em que o mundo tornara-o.
A longa e silenciosa madrugada, junto com a cascata de pensamentos que inundavam a cabeça do jovem, eram brutalmente interrompidas por sons de potentes motores. Assim que Ross aproximava das janelas, observava o espetáculo de vandalismo que uma gangue, de fato essa era grande, exibia. A idade dentre os integrantes variava, assim como o sexo. Podia-se notar a intensa participação de jovens garotas, alguma delas até belas. Porém de todos os elementos, um destacava do restante, um belo jovem. Seu rosto, junto ao negro e rebelde cabelo, além dos olhos azuis, eram de tal forma penetrantes e intimidadores. Era um líder nato. Comandava sua gangue como um general comandaria seu exército.
A vila acordava com o nascer do sol, estava toda machucada. Muitos empreendimentos haviam sido furtados. Várias casas pichadas e até algumas destruídas. Porém o que mais entristecia era a completa destruição da simples praça.
- Abra logo essa porta! ? a voz rígida era seguida por fortes murros na porta, essa quase vindo abaixo. ? Nós sabemos que você está ai! ? outra voz, porém com o mesmo tom duro, ecoava dessa vez. Em seguida podia perceber que uma multidão o esperava.
-... ? o jovem sonolento calmamente caminhava até a porta, abrindo-a no mesmo tempo em que dava um longo bocejo e esfregava rapidamente o olho esquerdo. Olhava indiferentemente para aqueles que o olhavam furiosamente.
- Maldito, saia da nossa vila! ? uma voz ao fundo tomava iniciativa, sendo seguida por outra. ? Ele também faz parte daquela gangue de marginais! ? por fim, uma terceira voz retificava a anterior. ? Sim, eu o vi ontem fazendo baderna! ? e então os insultos coletivos começavam.
Frente ao local onde estava hospedado, Ross era expulso do recinto, o que não era muito difícil, pois o jovem possuía poucos pertences. Ao caminhar pela pequena vila, seguiam-no olhares transbordando raiva e ódio. De certa forma sentia-se em uma situação semelhante as que passava na Academia.
A temperatura não subira, permanecendo um dia frio. Além disso, aos poucos as nuvens começavam a fazer uma camada cinzenta no céu. Mesmo que decidia sair daquele ambiente hostil, o caminho estava barrado. Certamente, a barreira teria sido feita pela gangue da noite anterior.
Ao sentar em um dos poucos bancos que restavam naquela praça, Ross tinha a companhia até de olhares raivosos das pequenas crianças que acostumavam brincar por lá.
A cada hora que passava, aquela estranha sensação de fome reaparecia, porém nada podia ser feito uma vez que seu orçamento já havia expirado. Mesmo que a fome transparece-se, nenhum morador fazia um gesto de solidariedade ao jovem, esse então perdia uma das duas únicas virtudes que ainda possuía. Como sentia estar diante a um enorme letreiro escrito com luzes de néon ?Bem vindo à selva?, o garoto tornava-se então um animal a fim de garantir sua sobrevivência. Os dois dias que passavam eram sobrevividos por meio de pequenos furtos de suprimentos. Ao final do segundo dia, Ross não sentia mais fome e muito menos o significado de honestidade. O buraco na alma do jovem crescera.
O tão esperado dia em que ocorreria a partida daquele lugar aproximava. A barragem feita dias anterior finalmente terminaria de ser retirada. Embora não caísse mais uma tempestade semelhante há dois dias anterior, aquela noite as nuvens trairiam o garoto ao fazer cair uma tempestade torrencial. O frio que Ross sentia era incalculável e mesmo que tentasse procurar um local para abrigar, resultava em um fracasso.
O familiar barulho de motores ecoava por toda aquela pequena vila, novamente.
- Olha o que temos hoje! ? um dos vândalos fazia um pequeno círculo ao redor de Ross, esse tremendo do frio que sentia. ? Um garotinho assustado? ? alguns integrantes davam gargalhadas, até que um membro mais sério dirigia-se ao líder do bando.
Pouco tempo em que alguns vândalos brincavam com o jovem, um grupo mais sério aproximava. Era formado por quatro pessoas, o líder, já conhecido, uma linda jovem ao seu lado, que possuía traços semelhantes com o jovem líder, e, por fim, um homem mais experiente, que transmitia seriedade, além do delator. O jovem líder, de apenas vinte e um anos, parava frente à Ross. Instantaneamente todos afastavam.
- Isso é o que essa vila de m... Tem a oferecer? Uma criança! ? olhava intimidando aquele que seria a próxima vítima e como era intimidador. ? Já está tremendo? ? dava um sorriso debochado.
-... Por que... Não desliga esse farol... E não vê com os próprios olhos se... Estou com medo. - o jovem mantinha uma das mãos frente ao rosto. A fala não era continua, sendo interrompida em vários momentos por conta dos tremores resultantes da contração dos músculos.
- O quê? Ousa me desafiar moleque? ? o já exaltado jovem desligava então o farol. Aos poucos Ross retirava a mão frente ao rosto. Assim como aquele que tentava intimida-lo, respondia com um olhar semelhante por mais que tivesse tremendo. ? Você é ousado... ? parava a fala com um sorriso, continuando em seguida. ? Mas é muito burro! ? exaltava, acelerando rapidamente.
- Espera! ? a delicada voz proveniente da bela jovem que ali estava interrompia o ato do companheiro. ? Irmão, eu gostei dele. Deixe-me ficar com ele! ? surpreendia a todos. O irmão tentava contra-argumentar, porém sem sucesso, acabava sucumbindo ao pedido da irmã.
- Você merece coisa melhor... ? o jovem dava a volta, seguido por todos, exceto pela garota.
A jovem caminhava até Ross, esse apenas a observava. Não sentia atraído pela beleza ou incomodava ser apenas uma mercadoria.
- Você dará um ótimo divertimento ? ela dava um sorriso malicioso. Enquanto encobria o garoto com uma jaqueta, o delicioso perfume de seu cabelo pairava no local, e por fim dava um beijo nos frios lábios do jovem.
O jovem não hesitava, era preferível aquela situação a nada, talvez até beneficiava-se em certos pontos. Levantava e subia na garupa, apertando firme o fino e definido abdômen da nova parceira. O frio que sentia aos poucos era amenizado pelo íntimo contato dos dois jovens. Com um sorriso de excitação, a jovem acelerava em direção ao grupo.
"Diga-me quando o beijo do amor virar uma mentira
Que atrás da cicatriz do bem lá no fundo
Para me esconder do medo de correr até você
Por favor, deixe que haja luz
Em um quarto escuro"