Liandan

  • Finalizada
  • Kiia
  • Capitulos 12
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 4 horas

    16
    Capítulos:

    Capítulo 3

    Aposta II

    Álcool, Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Os passos lentos e sensuais da mulher de corpo escultural, em contato com o chão, realizavam um barulho alto que ecoava pelo imenso corredor vazio. O piso era bem ilustrado, e composto por enormes janelas mogno de madeira que eram as únicas companhias da jovem de longos, e sedosos cabelos ruivos.

    Graças a sua magia, Hel podia ser tão bela quanto desejasse. Mas, de fato, sua aparência verdadeira era longe de ser bela graças a sua metade em decomposição.

    Calma, e completamente confiante, a mulher abriu com delicadeza as enormes portas de ouro que levavam ao grande salão do trono, chamado de Hlioskjálf, onde podia se observar tudo o que ocorria nos nove reinos.

    O palácio de Valaskjálf, era o maior e mais belo de Asgard. Também pudera, aquele era o antigo palácio onde o falecido Odin vivia. Após o Ragnarok, Magni, aquele cujo nome significava “Força”, e Modi, com nome que poderia significar  “Coragem”, governavam os nove reinos com o auxilio do martelo Mjollnir. Magni, após Thor, era o deus mais forte, seguido pelo deus Vidar. Por esse motivo, apesar dos irmãos comandarem no lugar do avô, Magni havia sido a escolha certa para ser a primeira voz do povo Asgardiano.

    Quando adentrou o enorme salão repleto de relíquias de ouro, a deusa do submundo pode visualizar os filhos de Thor com a giganta Jarnsaxa. Antes de seu casamento com Sif - cujo Thrud, a Valquíria mais violenta, Uller e Lorride, haviam sido fruto dessa união –, o deus do trovão havia tido como amante uma das nove damas, também chamadas de mães de Heimdall.

    - Seja bem vinda, Senhora de Helgardh. – a voz imponente e rígida de Magni ecoou por todo o ambiente.

    Hel curvou-se solenemente após o cumprimento formal do deus mais velho. Ela sabia muito bem o motivo de ter sido chamada ao palácio, mas não se importava. Hel já imaginava que isso pudesse acontecer quando propôs aquela oferta a Loki há dezoito anos. Agora, mesmo sabendo o que provavelmente iria lhe acontecer, a deusa não se importava, pelo contrário, ela sabia que no final sairia vitoriosa.

    - Saudações, meu senhor. – retribuiu o cumprimento com sua voz espectral, porém feminina.

    Modi estava sentado no trono ao lado do irmão, calado e atento a todos os detalhes. Ele não confiava totalmente em uma das crias de Loki, e tinha motivos para isso.

    Logo após a coroação dos irmãos, os deuses sobreviventes haviam sido convocados para decidir o futuro dos nove reinos, e a permanência de Hel nos domínios de Helgardh, fora um dos assuntos mais discutidos na época.

    - Aproxime-se Hel, filha do gigante Loki. – anunciou Modi finalmente pronunciando algo.

    Gigante Loki... A mulher repetiu as palavras mentalmente. Após a guerra causada pelo senhor do fogo e da mentira, os deuses remanescentes chamavam Loki de gigante, considerando-o assim um eterno inimigo, e causa da morte de muitos companheiros.

    Agora, finalmente de frente aos deuses, a senhora de Helgardh curvou-se novamente, e esperou a ordem dos senhores, para ergue-se. Um aceno de cabeça de Magni bastou para a deusa assumir uma posição ereta. Seus sentidos eram aguçados o suficiente, para poder ouvir o movimento do pescoço, e a suave respiração de seus soberanos, assim como a maioria dos deuses.

    - A que devo a honra de minha presença, meus senhores? – mesmo já sabendo, Hel indagou séria, porém fazendo-se de inocente.

    - Loki é o assunto. – começou Magni massageando as têmporas. – Ao que parece, as Nornas dizem que o Ragnarok não ocorreu de fato como os antigos pensavam. - Os olhos castanhos, quase verdes do senhor, voltaram-se para a mulher. Ele buscava respostas, afinal, se era verdade aquilo, significava que não somente Asgard estava em perigo, como todo o universo.

    Novamente, Hel optou por manter-se na inocência. Ela aprendera muito com o pai desnaturado. Ela mantinha-se séria, porém, permitiu-se negar suavemente com a cabeça.

    - Como meus senhores, bem sabem... Meu pai jamais me manteve informada de suas peripécias, mas... – Ponderou. - Devo admitir que meu pai, era astuto o suficiente para bolar um plano como este, meus senhores.

    - De fato, Loki sempre foi um mestre nesse quesito. – concordou Modi imparcial. Seus olhos azuis eram fixos em cada movimento de Hel, não deixava escapar nem um mínimo detalhe.

    - Sim. – Afirmou o outro deus da conversa. – Nosso próprio pai, e mesmo Odin já foram enganados por suas travessuras...

    - Porém. – Modi voltou a falar. – As Nornas jamais erram em suas previsões.

    Pela primeira em meio ao diálogo dos deuses, o mais novo permitiu-se lançar um discreto, porém vitorioso sorriso. Ele suspeita da mulher a sua frente, e sabia que com as previsões das Nornas a seu favor, Hel com certeza tombaria. Porém, diferente de como pensava que a senhora agiria, ela manteve-se calma conseguindo sair bem da situação.

    - É verdade, meu senhor. – assentiu com um aceno de cabeça respeitoso. – Mas, com todo o respeito, o senhor esquece que as previsões das Nornas muitas das vezes são distorcidas como metáforas. Muitas das vezes, até alteradas são através de algum aviso de Skuld. – a face mantinha-se séria transbordando um falso respeito que não seria jamais percebido pelos irmãos.

    Skuld, junto de suas outras duas irmãs, Urd e Verdandi, controlavam as visões do passado, presente e futuro. Essas eram as Nornas, sendo que a mais jovem era a encarregada de vigiar o futuro, enquanto Urd, a mais velha, era o passado, e Verdandi, a irmã do meio, o presente.

    Modi sentiu-se contrariado, e irritado. As sobrancelhas franziram, e ele meteu-se a passar a mão pela curta e rala barba loira.

    - Compreendo. – admirou Magni igualmente pensativo. – Mas... – voltou a falar. Dessa vez levantou-se e caminhando a passos lentos pelo salão, chegou a uma enorme janela mogno que ficava a direita de seu trono.

    Hel observava tudo com extrema tranqüilidade, mas devia admitir que estava impaciente para acabar de vez com toda aquela conversa.

    - Como você bem sabe senhora de Helgardh, após o falecimento de Odin, Hugin e Munin, permaneceram neste castelo, a espera de seu próximo mestre. – enquanto falava, o deus mantinha-se observando a paisagem do lado de fora. – Infelizmente, esses corvos não nos reconhecem como mestres. – lamentou balançando lentamente a cabeça.

    Os corvos da memória e do pensamento. Refletiu a jovem. Se eles conseguissem comunicação com os animais alados de Odin, com certeza já saberiam a muito mais tempo que Loki estava vivo, porém com nome diferente, e até mesmo aparência. Se perguntassem a este garoto sobre sua real identidade, era capaz do ser no mínimo estranhar. De fato, ele não se lembrava de quem um dia fora.

    - É realmente uma lástima, meu senhor. – comentou com os olhos verdes fixos nas costas de Magni. – Porém, se meu pai realmente vive, creio que a melhor opção seja as Valquírias retomarem sua antiga profissão, e buscarem súditos para esta possível guerra. – sugeriu.

    - Thrud já esta cuidando disso. – replicou o deus mais novo. Ele ainda permanecia com as expressões contrariadas, mas mantinha a calma. – Entre, irmã. – completou com o pedido.

    No salão havia diversas portas de grande tamanho, sendo de ouro maciço. E justamente a da direita abriu-se, e dela saiu uma das mais belas deusas e das valquirias, Thrud.

    Seus cabelos eram loiros como os raios do sol, a pele era alva e macia ao toque, e isso era algo visível mesmo com a vestimenta da mulher. Ela trajava naquele momento, um fino vestido de tecido azul claro como seus olhos, uma capa de mesma cor, porém em tonalidade mais escuro, e claro a armadura típica das valquirias.

    - Soberanos. – exclamou a jovem a curva-se frente aos seus irmãos. Os belos olhos eram calmos e concentrados no que faziam.

    Hel franziu o cenho. Não lhe agradava a presença de Thrud, na verdade, a senhora de Helgardh, despreza toda e qualquer criatura possuidora de beleza. Aquela, cujo ela não tinha verdadeiramente. Felizmente, para a mulher semi decompostada, Modi não pareceu perceber, ou ao menos fingiu não perceber seu olhar.

    - Relate. – Exigiu novamente o deus que permanecia sentado. Quando a meia irmã dos deuses supremos adentrou o grande salão, nenhum deles deu a graça de seu olhar sobre o corpo da jovem loira. Exceto por Hel, que apesar do desgosto, permanecia com sua farsa.

    - Sim meu soberano. – assentiu a Valquíria em um movimento respeitoso. – Nossas tropas estão avançando bem. Graças às guerras estúpidas dos humanos, não é algo difícil de encontrar guerreiros dignos de nos servirem.

    Magni, que ainda permanecia inerte frente ao vidro transparente, pareceu se alegrar com a notícia. Caso Loki ainda estivesse vivo, ele e seu irmão estariam preparados, assim como Odin, e seu pai estavam. Ao menos assim, ele esperava.

    ...

    Deitado sobre o mar de ossos, o lobo branco parecia entediado. Algo comum para Hati nos últimos anos. Desde que seu avô, o deus do fogo e da mentira, perdera o duelo do Ragnarok, sua vida e a de seu irmão, Skoll, eram sempre assim. Mas eles não se viam mais, não viviam mais no mesmo ambiente. Apenas o Tédio, e a morte existiam naquele escuro, e sombrio lugar.

    Mas algo naquele dia aconteceu para seu martírio ter fim. As orelhas feupudas, e atentas ao menor dos ruídos, se erguem. Algo, ou alguém se aproxima de seu território, e qual não foi sua surpresa quando seu nariz sentiu o cheiro tão bem conhecido?

    Os olhos se estreitaram. Ele sabia que devia ser cuidadoso com esta pessoa. Rapidamente, ele se pôs em guarda. Seus músculos não estavam tensos, apenas alerta, chegando a sentar-se no piso forrado por crânios e demais partes de esqueletos.

    Finalmente os olhos claros, em um tom quase branco, enxergaram uma silueta masculina aproximando-se. Ela ainda estava longe, tanto era verdade, que olhos humanos, ou mesmo de alguns deuses, poderiam não notar a presença do rapaz em meio à tamanha escuridão.

    Hati não era paciente, ou sequer amigável. Por esse motivo seu nome significa “Odioso”. Mas nos anos que se seguiram antes do inicio do Ragnarok, ele havia aprendido a controlar seus nervos, e até mesmo a ser mais compreensivo. Porém, os dias mergulhados em tédio, apenas sobrevivendo, sem viver de fato, lhe fizeram mal.

    Exercendo o pouco de paciência que lhe restava, Hati esperou. Não tinha animo para caminhar até sua visita. A lerdeza do homem a cada passada, apenas servia para apressar a areia da ampulheta, que representava o bom senso do lobo, a cair mais depressa.

    Hati sabia que a visão, audição e demais sentidos do rapaz, eram tão bons quanto os seus. Tanto era verdade que se eles quisessem, poderiam ter mantido uma conversa normal da distância inicial em que se encontravam, pois um tinha certeza que o outro iria escutar com perfeição o que era dito. Mas apesar disso, o lobo branco continuava sem mexer sequer um músculo, apenas esperava desconfiado da estranha presença daquela pessoa em seu lar.

    Os ouvidos captaram o som de uma caveira sendo chutada levemente, apenas para ser retirada de seu caminho, pensou Hati. Após o gesto, o intruso finalmente parou. Exatamente cinco metros os separavam, o que para eles não era uma grande distancia, era bastante pequena para a velocidade dos dois.

    - Há quanto tempo... Irmão. – O visitante foi o primeiro a falar. Sua voz como sempre era estranhamente calma, distante até. Era difícil saber o que se passava na cabeça do lobo. Sim, lobo, pois apesar da forma humana na qual ele se encontrava, se desejasse, poderia assumir sua forma verdadeira, o que no caso, era a forma de um enorme lobo negro de olhos azuis, e patas flamejantes de mesma cor que os olhos.

    A forma original de Hati era igualmente enorme, porém, para facilitar sua própria vida, ele preferia permanecer no tamanho de um lobo normal. Havia se acostumado a ficar naquela forma por tanto tempo...

    Houve uma intensa troca de olhares. Apenas o olhar de Hati parecia atento. O outro chegava a passar uma imagem desleixada, desligada. Mas o lobo branco havia aprendido a não confiar no ser a sua frente.

    - Verdade? – questionou Hati com uma voz irônica. – Nem ao menos senti o tempo passar. – mentiu. Os dias se arrastavam lentamente para ele, mas rever Managarm era algo que definitivamente não estava em seus planos.

    Hati preveria morrer de fome e sede ao ter de olhar novamente para a face do meio-irmão.

    - De fato... – voltou a falar o senhor do ambiente escuro, sem vida e fétido. O cheiro de carnificina e podridão já não incomodava mais o olfato aguçado do predador. Mas agora, Managarm já não poderia dizer o mesmo. O animal sentia que o rapaz estava ligeiramente incomodado com o aroma, provavelmente não estava acostumado a aquilo.

    - Eu preferia não ter que contemplar mais sua face repleta de vermes. – acrescentou Hati aparentemente calmo, porém, apenas aparentemente.

    O lobo em forma humana não pareceu se ofender, nem sequer era possível dizer o que se passava na cabeça do rapaz ao fitar sua face. Suas feições eram calmas, inertes e completamente avoadas.

    - Diga-me. A que tenho o desprazer de sua presença, caro irmão. – pediu após notar que seu comentário não teve o efeito esperado em seu anfitrião.

    - Negócios, Hati. – com um leve, e quase imperceptível sorriso no rosto, Managarm finalmente esboçou alguma expressão decifrável. – Há boatos de que Loki está vivo. – esclareceu com a face normalizada. O sorriso não havia durado muito.

    - Loki? – incrédulo, questionou com uma das sobrancelhas erguidas. Era algo impossível... A não ser que Hel... Hel! Era isso, só podia ter a ver com sua tia.

    Hel, assim como Loki, era famosa por gostar de participar de jogos, apostas onde sabia que iria vencer. Ela nunca entrava em uma competição caso soubesse que iria perder, e reviver Loki para causar um novo Ragnarok, seria uma ótima maneira de envolver a todos nesse jogo.

    - Isso significa que... – Hati parecia não saber bem o que pensar, o que dizer. Estava perplexo. Nunca pensou que a tia iria tão longe.

    - Exatamente, caro irmão. – outra voz adentrou a conversa,  a qual Hati conhecia igualmente bem. Mas não foi isso que surpreendeu o lobo, e sim a proximidade desta. As vibrações de voz, o cheiro, o som do respirar era algo tão próximo, que chegava a ser algo quase possível ao toque.

    Os olhos claros viraram-se arregalados. Queria a confirmação do que já sabia, porém não acreditava. Skoll, o lobo do dia estava atrás de si. Parado, igualmente em forma humana e sorrindo zombeteiro como sempre.

    Como ele havia conseguido chegar tão perto de Hati sem ao menos, este sentir sua presença, seu cheiro, ouvir seus passos? Que velocidade, ou magia era aquela? Nada jamais escapara dos ouvidos atentos do lobo branco. Mas ao que parecia, Skoll era o primeiro. Ele observou os lábios do irmão mais velho se abrirem para decretar uma profecia que agora, ele sabia que iria se concretizar.

    - O fim está finalmente próximo.

    Fim Aposta II


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