Noite de sexta-feira. Uma garota caminha pela rua sozinha, como de costume, atrás de si, como um quadro a emoldura-la, o sol se encaminha para o esquecimento que antecede o amanhecer; agora podem ser vistos apenas seus rastros alaranjados.
Elektra, indiferente à beleza do dia, acostumada a admirar apenas a escuridão, fixa seu olhar à frente e segue com passos duros rumo a seu destino, fazendo seu vestido de renda preta farfalhar e as correntes de sua bota tilintarem. Sua presença parece expulsar todo tipo de vida, as pessoas a avistam e correm para dentro de suas casas ou, as mais ousadas, fingem não vê-la; os pássaros não cantam para saudar sua aproximação, muito pelo contrário, voam em sentido oposto e até mesmo o vento não se incomoda em soprar sua face branca e sem vida.
A garota não se importa com qualquer um desses outros seres, simplesmente despreza-os, como se sua existência superior fosse importante demais para reparar na ralé. De queixo erguido, ela por fim adentra o local desejado.
Sem olhar para os lados, senta-se no fundo do barzinho e pede uma bebida. Uma banda de garotos góticos está a montar seus instrumentos no palco improvisado atrás do balcão de atendimento.
Acomodando-se na cadeira, Elektra paga a bebida e espera até que a banda comece a tocar, enquanto observa as outras pessoas, a maioria solitária, como ela, com expressões pouco amigáveis.
A banda começa com um cover de Sistem of a down. E ela balança as pernas no ritmo de Sugar, deliciando-se com a letra agressiva, os gritos e os acordes. A platéia delira e a cada música, mais pessoas chegam e espremem-se no espaço pouco amplo. Uma incomum, porém reconfortante, sensação de paz domina a alma de nossa garota rebelde, seu ser regozija-se com a música, mas um instinto estranho obriga-a a desviar o olhar e depositá-lo na figura que acaba de entrar no bar e caminha confiante em sua direção com um ar totalmente decidido, como se ambos já tivessem um encontro marcado há muito tempo.
A garota sente-se imediatamente hipnotizada pelas trevas que parecem desprender do estranho. Ele atravessa o espaço que os separa com um passo lento e a capa preta produz um efeito fantasmagórico em seus passos, quase como se ele estivesse flutuando. Senta-se na cadeira diante dela e segura a mão de Elektra levemente, acariciando-a entre seus dedos longos e extremamente brancos.
-?In the memory of you again but I never know if it?s real, never know how I wanted to feel? ? Ele canta junto com o vocalista, a música Untitled do The Cure. Sua voz, quase um sussurro, é totalmente audível.
Elektra derrete-se pelo desconhecido e mal consegue desviar sua atenção dos olhos absurdamente azuis que a perscrutam quando ele a guia para fora. Somente quando vê-se diante de um Camaro preto é que ela retoma sua sanidade e estaca, abruptamente, assustando o homem que a segura pela mão.
? Eu não vou entrar aí. ? diz, decidida.
? Por que não? ? ele pergunta, sentindo-se ofendido.
Sem esperar resposta, encosta-se no carro e, puxando-a para junto de si, beija-a. Elektra sente sua vontade amolecer diante do beijo carinhoso e apaixonado e quando dá por si, o carro está em movimento, com ela dentro dele.
Uma força parece liga-la aquele homem misterioso e de poucas palavras e, o mais perigoso até para sua mente apaixonada, essa mesma força parece enfraquece-la diante do amado.
Incita-a todo este mistério, silêncio e obscuridade que seu motorista mantêm. Portanto, para não estragar toda a fantasia, ela põem-se a remexer nos pertences dele a fim de descobrir seu nome.
- ?Never quite said what I wanted to say to you, never quite managed the words to explain to you, never quite knew how to make them believable? ? ele recita a mesma música do The Cure, assustando-a levemente e, com a mão que não está no volante, acaricia suavemente o rosto dela.
Ela, por sua vez, segura os dedos frios de seu acompanhante e beija-os. O misterioso gótico retorna sua atenção para a estrada e Elektra, sem se importar para onde está sendo levada, volta a vasculhar documentos no porta-luvas. Finalmente, encontrando o que procurava, ela sente um leve frio na barriga quando percebe que o mistério referente ao nome do sujeito está prestes a ser desvendado. Erguendo a carteira de motorista, ela lê o nome:
- Axel Cobain! Então é este o seu nome? ? sem que ela perceba, os olhos dele escurecem imediatamente e as suas mãos transformam-se em garras que apertam o volante com uma brutalidade demoníaca. Sem tomar consciência de nenhuma destas mudanças, Elektra continua: ? seus pais deveriam ser roqueiros devotos.
De repente, Axel dá meia volta e acelera bruscamente. Sempre cantando pneus, eles seguem para a parte mais escura e menos populada da cidade.
? Eu disse algo que lhe ofendeu? ? ela pergunta, tremendo de medo.
Mas não há resposta. Tão subitamente quanto arrancara com o carro, ele freou. Saiu, deu a volta, abriu a porta e arrancou Elektra pelos cabelos, arrastando-a para fora.
A garota sente seu cabelo sendo arrancado e grita de dor e terror. Seu medo é tanto que lhe fornece forças para desvencilhar-se dos braços brutos. Vendo-se livre, ela procura por um esconderijo e acaba adentrando a única construção que avista sem saber quantas outras garotas já cometeram esse mesmo erro.
Irrompe pela porta da casa do seu sequestrador, corre por um corredor e abre a última porta, como se a simples distância fosse suficiente para salvá-la. Sem pensar, ela se esconde dentro de um guarda-roupa e ali permanece o mais silenciosamente que a sua respiração ofegante lhe permite.
Sorrindo, aquele que em questão de segundos deixou de ser o apaixonado e carente Marcus para dar lugar ao psicótico Axel, entra pela porta da frente. Como que em um transe, sem ao menos olhar, ele pega pelo cabo o seu melhor amigo, o machado.
Vagarosamente, ele caminha pelo corredor arrastando uma das pernas, como um manco. Abre as portas uma por uma e vasculha rapidamente o interior dos cômodos, quando por fim resta apenas uma porta a ser aberta, ele canta outro trecho da mesma música, mas agora sua voz está totalmente desprovida da paixão de outrora e adquire uma loucura tão grande e assustadora que só pode ser fruto demoníaco:
? ?and now the time has gone, another time undone hopelessly fighting the devil futility, feeling the monster climb deeper inside of me?? ? e entrou no quarto, sem parar de cantar: ??feeling him gnawing my heart away. Hungrily, I?ll never lose this pain? ?então escancarou a porta do esconderijo de Elektra e, erguendo seu machado, gritou: ? ?NEVER DREAM OF YOU AGAIN!?.
E, rápido como deve ser o fim de tudo, foi também o golpe de Axel que representou um ponto final em mais uma vida.