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Oi, meu nome é Katsuhiro Tadashi, tenho 14 anos. Tenho algumas coisas para dizer a vocês, é uma coisa que aconteceu comigo uma vez, bom não sei se usei as palavras corretas para descrever este "fato".
A vida sempre nos surpreende. Quando acordei pela manhã, nunca imaginava que esse dia quente de verão acabaria desse jeito. Vou mais além no meu comentário: "Nunca na minha vida imaginei que aquilo pudesse acontecer.".
Sempre fui tímido, escondido. O "invisível". Amigos? Um ou dois. Namorada? Nenhuma. Sentia atração por garotas, mas nunca tive coragem de chegar em uma delas. E elas, obviamente, não chegavam em mim.
Aos 10 anos, foi constatado que tenho dislexia. Uma doença que faz meu cérebro se embaralhar. Todos os médicos e familiares sempre disseram que eu não sou burro, eu apenas sou diferente. Que inteligência e capacidade de aprendizado são diferentes. Mas eu sempre me senti excluído. Mais que isso, eu sempre tive medo. Sabe quando a professora manda você ler na frente de toda a sala e você fica com medo? Bom, comigo é pior: Pânico era a palavra que se encaixava melhor. Quando vejo uma frase qualquer, as letras simplesmente se embaralham e tenho que me concentrar muito para conseguir decifrar. Por isso sempre me distanciei do mundo ao me redor.
Satoshi Kobayashi eu o conheci aos 11 anos. Na época, ele tinha 13 anos, quase 14; é filho de uma amiga da minha mãe. Na verdade, já o conhecia antes de descobrir a minha doença, mas não éramos verdadeiramente amigos. A maldita dislexia sempre me fez sentir inferior as outras pessoas e eu raramente brincava com outras crianças. Mas depois de descobrir o porquê da minha timidez, minha mãe começou a pagar o Satoshi para me ensinar em casa. Ele sempre foi muito inteligente, mas não era popular. Era quase como eu, ao contrario de mim, ele sempre se saia bem na escola, inclusive com amigos.
Depois de nos conhecermos, nos tornamos bons amigos. Adorava quando estávamos juntos. Era a melhor hora do dia. Às vezes, tinha vontade de nem ir para a escola; preferia passar o dia com ele. Mas claro que não era possível, afinal, dentre outros motivos, nós também tínhamos que estudar. Quando os professores explicavam para mim, tudo parecia complicado. Mas quando Satoshi me ensinava, as informações entravam na minha cabeça com muita facilidade. Muitos garotos da escola faziam brincadeiras maldosas sobre a nossa sexualidade, mas não ligávamos. Éramos como irmãos.
O dia mais especial da minha vida foi o dia em que eu quase morri - Pode ser meio estranho isso, mas foi um dia maravilhoso para mim -. Havia ido para um hotel-fazenda com a escola. Depois do almoço todos foram jogar futebol, mas eu nunca tive reflexos e coordenação motora suficiente, então fiquei lendo um livro à beira de um lago que havia ali próximo com os pés na água. Satoshi estava em algum lugar por ali, com os seus colegas de classe. A professora de ciências dele havia convocado toda a sua sala para fazer um trabalho em grupo. Estava distraído com meu livro, tão concentrado que lia num ritmo quase normal para que não seja disléxico. Estava tão envolvido em minha leitura que não notei o perigo que corria. Um dos garotos da minha sala veio correndo em minha direção e se jogou em cima de mim, derrubando ambos dentro d'água. Ele me agarrou e eu não pude nadar. Ele me dizia coisas nojentas e ofensivas, como:
- Você que dar para mim, bichinha disléxica? Quer que eu te coma, quer?
Eu me debatia como se minha vida dependesse disso - e realmente dependia - mas o outro garoto continuava a segurar meus braços e a enroscar suas pernas nas minhas. Por alguma razão irracional, um dos meninos que gargalhava na margem da piscina jogou uma pedra em nós. Não sei qual a intenção dele, mas com certeza não era de acertar seu amigo. Mas foi o que aconteceu: a pedra bateu na nuca do outro garoto, que desmaiou e começou a afundar me levando junto. Os idiotas que nos assistiam correram. Não sei se por medo do que fizeram ou se foram chamar ajuda, mas nos deixaram sós. Não podia nadar, com outro corpo muito maior e muito mais pesado encima de mim, com as pernas enroladas nas minhas. Comecei a afundar; não deu ter ficado debaixo d'água mais que poucos segundos, mas pareciam horas. Até que desisti de lutar. Minha vida passou em minha frente, ela também sempre fora solitária. Exceto por Satoshi e minha família, eu não tinha nada. E eu só causava tristeza e decepção a eles, mesmo que eles me dissessem o contrário. Então decidi me entregar a Senhora Morte e deixá-los viver sem mais um peso nas costas. O fôlego faltou e eu me desesperei. Pensei em voltar a trás, mas meus braços e pernas doíam e o outro garoto ainda afundava me levando junto ao fundo da piscina.
Fechei os olhos. Fiquei imóvel, e senti uma lágrima quente escorrendo de meus olhos. Então senti a água se agitar. Um som grave estrondou nos meus tímpanos, como se algo caísse na água. Abri os olhos e vi um borrão passar rapidamente pelo horizonte azul e me agarrar. O outro garoto continuou no túmulo aquático. Fui parcialmente lançado para fora da piscina, logo em seguida levando outro impulso para fora d'água. Minha respiração estava pesada, e eu ainda tinha água nos pulmões. Logo, os dois garotos saíram da água. Aquele que me atacou foi jogado aos meus pés, ainda desmaiado. E o outro, o que nos salvou, correu para mim. Era Satoshi. Ele pôs minha cabeça para trás, ligou seus lábios nos meus, e soprou. O ar voltou aos meus pulmões, e ele começou a pressionar meu peito. Logo após, voltou a soprar em minha boca. Se não fosse a recente experiência de terror, teria conseguido aproveitar melhor aquele momento. Aqueles lábios quentes e doces nos meus. A água saltou de dentro de mim, permitindo que eu voltasse a respirar. Olhei para cima e vi o rosto de meu salvador: Satoshi Kobayashi. Com dificuldade, perguntei:
- Como você soube que eu precisava de você?
- Não sei. - disse ele - Estava fazendo o trabalho e senti que deveria te ver. Perguntei para os garotos de você e eles disseram que você havia caído na piscina.
Não sabia como ele pode sentir meu pavor a distancia, mas ali, deitado, olhando seu rosto molhado, pude ver no interior de seus olhos verdes que tínhamos uma ligação. Algo mais forte que não podíamos compreender.