Quando abri os olhos novamente, vi uma criança de cabelos negros e pele pálida. Seu olhar era melancólico e morto. Cravava seus olhos negros no chão, enquanto rabiscava a areia com o dedo. O local em que ele se encontrava era um pequeno parque, e apesar de estar de tarde, nenhuma criança se encontrava ali, tirando o garoto. Quando olhei diretamente para seu rosto, vi que era familiar. O lindo rosto de Allives, parecia tomado pelas trevas. Suas roupas eram resumidas há uma blusa de mangas longas negra, e um macacão marrom. Usava um tênis marrom, e meias até três dedos abaixo do joelho. Algumas crianças, escondiam-se atrás de uma árvore, e apontavam para Allives e riam, como se não ligassem que ele as visse. Allives ergueu a cabeça, e apenas as encarou com um olhar assassino, fazendo-nas correr e chamar pelas mães. Ele sentou-se frustrado. Senti vontade de acariciar sua cabeça, mas, meus braços apenas o atravessavam, como se eu fosse um holograma. Não importava o tamanho amor que sentia por ele, não podia mudar o seu passado, porém, podia amenizar sua dor, nisso que chamamos de presente. Pensar nisso me fizera jurar que o abraçaria quando retornasse.
O ar esfriara, e mesmo com a forma que estava sabia que isso era parte da memória de Allives, que tremera. Passos vinha, de todas as direções, e ao mesmo tempo de nenhuma. Um homem de terno surgira. Não sabia exatamente quando ele tinha surgido, mas, o modo com que aparecera fizera parecer como se sempre estivesse estado lá. Quis dizer para Allives correr, mas, o garoto não parecia com medo, apenas, surpreso. O homem era incrivelmente semelhante ao Allives de agora. Cabelos prateados, porém, mais arrumados. Olhos vermelhos, que pareciam que seus olhos haviam tentado chorar, mas, que estavam tão feridos por dentro que acabaram sangrando. Porém, o que o mais diferenciava de Allives, era sua expressão de raiva, que parecia querer torturar o garoto. Ele era duas vezes mais pálido do que Allives. O homem abriu a boca para falar, e seus caninos ficaram á mostra. Allives recuou, arrastando-se para trás, com uma cara de assustada, que fez de alguma forma, parecer que o homem o desprezava ainda mais.
Com um movimento rápido, ele agarrou Allives pela camisa, e o ergueu do chão, fazendo-o começar a protestar aos gritos. Assim que ele começou a falar, o homem lhe deu um tapa forte no rosto, calando-o imediatamente.
- Assustando-se com um de sua própria espécie? Não creio que responsabilizaram-me de buscar tal ser. - Disse. Mudando especialmente o tom de sua voz ao pronunciar a palavra ''ser''. Como se se referisse á um monte de lixo. - Se disser uma única palavra, juro que cortarei fora, aquilo que chama de língua, moleque.
Allives fez uma expressão aterrorizada, e com as mãos tremendo, ele desesperadamente tentou fazer com que o homem soltasse sua camisa e começou a gritar.
- Me largue! Me largue! Eu nem ao menos o conheço... Eu...!! - nesse momento, Allives parou de gritar, porque o homem, enfiara uma pequena faca, ou pelo menos sua ponta, no ombro de Allives. Uma lágrima escorreu por seus olhos melancólicos.
- A próxima vai ser no rosto. - avisou friamente. - Não quero ouvir uma única palavra sua durante a viagem, entendeu ,moleque?
Allives assentiu de cabeça baixa, enquanto colocava a mão desesperadamente no ombro para parar o sangramento.
Sua alma merece queimar nas chamas do inferno. Seria a primeira coisa que diria se encontrasse o homem. Eu conhecia a faca, a qual ele enfiara em Allives. Devia estar ligada á algo de minhas vidas passadas, porque eu sabia exatamente o que ela faria. Depois de três dias, ela iria cair, e o machucado deixaria apenas uma cicatriz, com o formato da inicial do nome da pessoa que a enfiara. Nos dias que ficaria presa no braço da vitima, ela sentiria dor intensa.
As próximas cenas, se resumiam á dez dias de viagem, em que Allives era arrastado pela camisa, pelo impiedoso homem de terno. Durante esses dias, ele quase não fora alimentado, sendo que sofria consecutivas e terríveis agressões, tanto físicas quanto verbais. Tive medo de saber como estaria a sanidade de Allives depois daquilo. Ele, que agora sempre sorria para mim, e me apoiara, mesmo eu tendo o conhecido há... Posso ter perdido a noção do tempo depois do ataque á vila, porém, sabia que o conhecia há pouco tempo, e que já o amava muito; Ele... Ele passará por essa experiência tão ruim. Talvez tivesse pai e mãe que o esperassem em casa, talvez tivesse tido algum amigo, em meio aquelas crianças malditas. Nesse ponto, talvez ele se parecesse comigo. Minha vida mudará drasticamente, na mesma velocidade que a dele. Talvez por isso ele fosse tão gentil comigo... Não... Havia algo mais... Com certeza havia. E eu descobriria, se prosseguisse, nas terríveis memórias de Allives. Com o coração doendo, me forcei a olhar para a cena novamente. O homem arrastava Allives, semi-inconsciente. Eles finalmente pareciam ter chegado á algum lugar.
Enormes grades de ferro cercavam a enorme mansão á qual eles se dirigiam. Os portões abriram e o homem jogou Allives, fazendo-o cair alguns metros á frente a porta. Ele não se moveu.
- É ele? - uma mulher surgiu, e logo em seguida se ajoelhou, tocando a cabeça de Allives. - É ele? responda Xeax.
Xeax caminhou lentamente até o lado da mulher e disse.
- Sim. Esse pedaço de lixo é a pessoa que você obrigou-me a buscar. - disse com desprezo.
- Não se irrite tanto. Vamos contatar o mestre. Ele pode ser apenas inútil, mas, o nosso senhor saberá como resolver. - ela disse, mirando a fala em Allives. E logo em seguida rindo com Xeax. Ela o pegou pela barriga, e o colocou entre o braço esquerdo, carregando-o até uma cabaninha no fundo da propriedade. Algumas horas depois, Allives abrirá os olhos, e levantou-se do chão em que fora colocado. Parecia tonto, e muito assustado. Seus olhos demonstravam cansaço. Ele apertou com força o braço, como se a cicatriz em forma de X, ainda lhe causasse dor. Recostara-se num canto da parede, e encolhera-se o máximo que pode. Assim como eu, ele tivera um momento, onde ficará completamente sozinho para criar hipóteses do que estava acontecendo, ou considerar a ideia de tirar a própria vida. Depois de vinte minuto ele andou até a porta com esforço, e quando tocou a maçaneta, Xeax abriu a porta, e ao ver Allives, o empurrou no chão com força, e trancou a porta. Sua expressão era extremamente irritada e frustrada. Allives recuou com uma cara chorosa, o que pareceu irritar ainda mais Xeax.
- Você vai pagar caro, sucessor. - rosnou, e colocou-se por cima de Allives, que parecia prestes a gritar. Xeax abriu a boca, e seus caninos ficaram expostos. Allives pareceu entende imediatamente, porque seu rosto começara a empalidecer. - Vamos ver do que é capaz. - Xeax disse , cravando as presas no pescoço de Allives. Durante os segundos em que perfurara o pescoço do garoto, os cabelos de tal ficaram prateados, e os olhos vermelhos. Algo pareceu despertar nele, no momento que notou o que acontecia, encontrando forças para empurrar Xeax para o lado.
- N-não... - ele disse. - apertando forte a cabeça com as mãos. Um colar surgira no pescoço dele. - O que você fez?!! - ele começara a gritar e a chorar.
Xeax tinha uma expressão surpresa, o sangue ainda escorria da boca dele. Ele se levantou e começou a se aproximar, mas, ao perceber isso, Allives começará a correr muito rápido. Xeax fora atrás.
- Espere! Acalme-se, mole... Garoto! - sua expressão se amansará drasticamente, parecia até arrependida. - Eu não vou mais... Espere... Eu...!
Algumas pessoas apontavam , mas, nenhuma tentará pegá-lo, provavelmente não o reconhencendo.
Allives passará pelos portões, e desaparecerá pela névoa que cortava a paisagem.
A visão mudará, tive medo de olhar, porém, me mantive firme, e vi, Allives, batendo na porta da casa dos sonhos, meu lar.