Um olhar.
Tudo o que foi necessário para estraçalhar os restos de seu coração foi um maldito olhar.
Porque? Ele se perguntava encarando fixamente a garota que um dia desejara tão intensamente.
Porque? Porque ela ainda tinha tanto poder sobre ele? Mesmo depois de tudo...
Porque? Porque ela era apenas mais uma asquerosa sangue-puro? Porque ela se foi? Porque ele a deixou ir?
Sentimentos contraditórios e dúvidas sufocantes surgiam com apenas um olhar.
Foram apenas alguns segundos, mas mais lhe parecera uma eternidade.
Seus olhos se chocaram contra os dela. Tão doces e inocentes... Por um momento chegou a acreditar que aquela ainda era a sua Yuuki. Ele finalmente sentira-se em paz novamente. Como se, enfim, tivesse chegado ao seu destino após uma árdua batalha.
Ela sempre seria seu destino. Ela sempre seria sua redenção e uma de suas piores maldições.
E como uma droga, ele simplesmente não conseguia ter o suficiente. Por mais que seus olhos absorvessem cada singelo movimento, cada detalhe... Ainda não era o suficiente.
E nem que ele por fim conseguisse tê-la ao seu lado, só e apenas sua, ainda não seria o suficiente.
Que tipo de monstro ele era, afinal?
O mesmo que ela, lembrou-se. E com um baque, o frenesi se dispersou.
Desviou o olhar e se dirigiu a direção contrária da princesa sangue-puro.
O homem de cabelos prateados como a lua, evitava mais do que tudo falar o nome dela.
Talvez porque quisesse preservar o nome como um tipo de lembrete de que sua menina, a garota humana pela qual fora imensamente apaixonado, não existia mais. E aquele sentimento inútil e pesado que costumava carregar com tanta dor em seu peito, também.
Tudo aquilo era um passado que fizera questão de enterrar o mais fundo o possível em sua memória. Ele sabia que sempre haveria um vazio no lugar onde ela costumava ficar, uma falta de sabe-se lá o que. Mas Zero não sabia que seria um vazio tão grande. Zero não tinha ideia de que ele, por inteiro, ficaria oco. Ele simplesmente não imaginava que uma garota tão pequena pudesse ocupar um espaço tão grande dentro de si. Agora sabia, um pouco tarde demais, que a existência dela jamais fora pequena em seu coração.
Desde o início. Ela sempre fora tão gentil, tão doce. Sempre o protegera de tudo e de todos, até de si mesmo, inúmeras vezes. Mesmo não conseguindo nem proteger a sua própria pele. Como quando ele a conheceu. Naquela noite, Zero sentia-se enojado. Enojado da mulher que o mordera, enojado de ter sido mordido. Enojado de si mesmo e daquela eterna sensação de desgosto próprio. Ele simplesmente não conseguia controlar.
Sentia-se contaminado, e por mais que a marca da mordida não estivesse mais ali, por mais que ele se levasse... Zero não conseguia se livrar daquela sensação.
Mas toda vez que ele tentava se libertar daquele veneno , com suas unhas, pequenas mãos o paravam.
Ela não se importava de limpar o sangue que manchava sua pele, pelo contrário, suas mãos trabalhavam rápidas e agilmente. Pequenas e quentes mãos...
?Eu sempre irei segurar suas mãos?, ela prometera. Prometera que sempre estaria ali, ao lado dele. Onde está você agora? Ao lado dele, Kaname Kuran, o homem que ela sempre amou. Segurando as mãos dele.
Você está feliz agora, Yuuki? Perguntara a si mesmo em um tom melancólico.
Porque, apesar de tudo, ele queria vê-la feliz. Nem que para isso fosse necessária a desistência de sua própria vida. Se ela estivesse feliz e em paz, então tudo estaria bem.
Era assim que ele sempre se sentiu. A sua vida sempre estivera nas pequenas mãos dela, desde aquela noite fria de inverno.
Esse tipo de sentimento... Era mesmo amor? Se sim, que tipo de amor é esse, tão submisso, e ao mesmo tempo, tão autoritário? Quantas contradições apenas um sentimento poderia conter?
Honestamente, Zero não sabia. E nem se importava em saber. Afinal, sendo isso amor ou não, esse sentimento seria ignorado até o dia de sua morte.
Ele iria fazer de tudo para sufocá-lo dentro de si, adormecê-lo... Matá-lo.
Essa estranha devoção, fascinação... Iria partir. Teria que partir, certo? Um dia, aquele aperto em seu peito, aquele poder que Yuuki exercia sobre ele... Iria embora.
Com mais um último olhar para sua pequena princesa, deu meia volta e foi embora, sem conseguir evitar um pequeno sorriso no canto dos lábios. Ela estava linda. E estava bem, segura. Com o homem que poderia passar a eternidade, sem jamais ficar sozinha. Sorriu mais uma vez, satisfeito com o fato. Yuuki sempre tivera medo da solidão.
Também tinha medo de quem era antes de perder a memória.
E ele prometera que não importava, ela sempre seria a Yuuki e ponto.
Zero estava certo. Ela sempre seria aquela Yuuki que segurava suas mãos gentilmente e sorria, convidando-o para esquecer suas dores e mágoas... Convidando-o para a verdadeira e única felicidade.
De um jeito ou de outro, ela fora sua salvação.
Ninguém, nem mesmo Yuuki, sabia disso. Mas ela o salvou de todos os jeitos possíveis e impossíveis ao qual um homem podia ser salvo.
E isso, Zero nunca esqueceria. Nem que tentasse. Porque no fundo, a imagem daquela Yuuki de antes, a guardiã humana de seu coração, permanecia intacta. Mesmo que agora ela fosse uma vampira puro-sangue. Ela ainda era a Yuuki. A sua pequena Yuuki.