A Dinastia Do Sol

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    Capítulos:

    Capítulo 7

    Dançando Com Sargentos e Generais

    Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Sonoras gargalhadas ecoaram pelo estreito corredor de pedra. A umidade tomava conta do lugar, o musgo crescia nas paredes de tal forma que nelas a água escorria em filetes.

    - O bar Ou Yang? Ah, como fui subestimá-lo...

    - Agora não importa mais. O garoto foi libertado.

    Sentado numa poltrona de veludo vermelho ao lado de uma enorme lareira que agora ardia, um homem parrudo afogava-se em risadas eufóricas. De pé à sua frente estava outro homem, se é que podia-se chamá-lo assim. Parecia perfeitamente normal, mas envergava enormes asas negras, parecidas com as de um corvo.

    - Não quero questionar o senhor, mestre, mas creio que já é mais que tempo de começarmos... Nossa era.

    O homem sentado calou-se. Franziu o cenho e mordeu a ponta do shyroio que estava fumando.

    - A dinastia de lenço preto está perdendo a guerra. As academias sentem-se seguras agora. É a oportunidade perfeita, creio eu.

    Talvez o outro fosse respondê-lo agora, mas ouviu batidas na porta que interromperam seu pensamento.

    - Entre ? disse apenas.

    Os portões daquela enorme sala úmida e fria abriram-se devagar e no meio das duas portas de madeira e metal, surgiu uma criatura que mais parecia um homem, mas era corcunda e sua pele era enrugada, de aspecto apodrecido.

    - M...Meu se...Senhor... Temos noticias de Ririus...

    O parrudo se levantou num salto de empolgação.

    - Ririus você disse?

    - S...Sim, o... O corvo... Está re...Retornando c...Com boas no...No...Noticias...

    - Ora, chega dessa gagueira. Altharie, vá buscá-lo e traga-o para mim.

    - Creio que não será necessário, meu senhor.

    O chão tremeu de leve e as vidraças coloridas dos vitrais nas janelas se transformaram em pó e areia. Uma energia negra se apoderou do recinto e uma densa nuvem de escuridão e trevas se materializou naquele salão. Raios obscuros se convertiam em órgãos, ossos e músculos, depois em pele e veias e por fim, todos, no meio daquela ventania de matéria negra, conseguiram ver um homem inteiramente nu, com asas de corvo iguais às de Altharie. Descendo lentamente do ponto de onde se materializou, até seus pés tocarem o chão suavemente, Ririus estava ofegante. Era um corvo, uma poderosa raça de demônios que caçam e destroem tudo o que lhes for ordenado. São cachorros loucos presos em coleiras e o monstro que controla essas coleiras era um demônio ainda mais poderoso. Viktor, o Senhor do Abismo, Lorde dos Demônios e das almas corrompidas era o homem parrudo, que ali fumava seu shyroio.

    - Prepare-se mestre ? disse Ririus ? pois Dong Xuen decidiu marchar. Estão vindo com seus homens e cavalheiros.

    O lorde demônio primeiramente enrugou a tez, mas depois voltou a rir escandalosamente.

    - Que ótimo dia é hoje, não acham? Merece até uma comemoração. Homens tolos, insensatos. Sabia que não tardaria muito até que decidissem vir. Alerte todos. Mas deixe que os corvos durmam, pois destes, eu mesmo cuidarei. Aliás, eu não. Altharie, você se encarregará da legião dos corvos. ? Viktor estava olhando pelos vitrais, agora recompostos com seus vidros coloridos no lugar. As persianas de linho carmesim se estendiam do teto até o chão. Da janela podia ver ruínas de um templo de mármore branco, coberto por eras verdes e mato alto. Uma grande cúpula, que devia ter sido parte da estrutura, estava caída logo atrás, no mesmo deplorável estado.

    - Que quer que eu faça com os corvos, senhor? ? perguntou Altharie. A expressão de Ririus demonstrava que ele se fazia a mesma pergunta.

    - Ora, não é obvio? ? respondeu o senhor demônio ? inicie a invasão. Ataque a Estrela de Fogo e traga-me a alma de Wu. Hoje é o inicio de uma nova era. Nós triunfaremos novamente e seremos respeitados pelos homens.

    * * *

    A sopa estava quente, o vapor soprava contra seu rosto e na verdade não gostava muito de sopa de tofu com legumes. Preferia o habitual macarrão com carne do destruído Bar Ou Yang. Mas não diria isso a ele, não se atreveria. Tomou mais uma colherada, e depois outra, em silencio, esperando até que vosso mestre falasse primeiro. Mas antes de falar, o ancião apenas suspirou, tomou mais uma colherada e finalmente rompeu a quietude da aconchegante saleta do piso superior do palácio. Era a área restrita de Bei Si.

    - E como chove... ? disse lentamente.

    - Senhor? ? respondeu o sargento.

    - Faz duas semanas que chove sem trégua. Nesse ritmo, o tempo nos causará problemas. Mas... Não importa agora, creio que temos... Preocupações maiores.

    Sargento Zero assentiu com a cabeça e tomou mais uma colherada, olhando atentamente Bei Si. Era uma oportunidade rara jantar com o maior mago de todos os cinco impérios.

    - És um bom oficial, sargento. Soube que fechou a ultima taberna da cidade...

    O comentário fez o Sargento olhar de volta para sua sopa. Por um instante, o nervosismo o fez esquecer o gosto dos legumes.

    - O homem não quis ceder e... Tivemos que apelar.

    - Ah... Entendo, entendo... ? estava tomando a sopa vagarosamente. Refletiu um pouco sobre tudo e depois tornou a falar ? Sabe, sargento, o senhor é um excelente oficial. Mas não cumprirá todas as ordens. ? não era uma pergunta.

    Sargento Zero ficou sem entender aquilo por alguns instantes:

    - Como disse? ? perguntou enfim.

    - O senhor... Não cumprirá todas as ordens. Uma hora, se questionará sobre o que é certo. Está escrito na sua alma.

    Ah, sim. Como pôde esquecer? Bei Si possui o dom de ler almas, disso todos sabiam.

    - Vossa graça... Com todo o respeito, mas faço apenas o que deve ser feito. E nem sempre é a coisa certa.

    O supremo imperador havia terminado sua sopa. Agora limpava seus finos lábios com um lenço e preparava-se para levantar.

    - Quem me dera todos fossem como você, sargento.

    Estava numa sala privada da Casa Do Conselho, lugar onde está o tesouro da cidade, o fórum e a câmara dos ministros do império. Em suma, era o centro administrativo da cidade. Em sua sala, fazia anotações concentrado. Havia um archote aceso perto de sua mesa, que iluminava o que estava fazendo. Seus olhos estavam afundados no rosto, pressionados pela luz tremeluzente do quarto. Chovia torrencialmente lá fora, mas aqui dentro estava quente e abafado.

    Parou de escrever. Limpou a ponta da pena com um lenço umedecido e a pousou no suporte. Afastou a cadeira e antes de se levantar, pensou nas palavras de Bei Si. ?Não vai cumprir todas as ordens. Está escrito na sua alma?.

    Vestiu um sobretudo preto, apagou o archote e foi até a despensa pegar sua montante. Colocou-a nas costas e saiu.

    Chovia com força. A praça da cidade havia se transformado num pequeno lago raso. Não era nem possível ver a ponta da grama. Apressou-se em voltar para o Posto da guarda, perto das cabanas militares, onde a guarda imperial se alojava.

    Apesar do nome, as cabanas militares eram um conjunto de grandes estabelecimentos onde se recrutava, treinava, e dentre outras funções, alojava o exercito e a Guarda Imperial. Sargento Zero tinha uma ?cabana? somente para si.

    Com força, abriu os pesados portões de madeira, clamou por fogo, e com magia, os inúmeros archotes se incendiaram, iluminando todo o interior do lugar. Secou os pés, e cansado, subiu as escadas para o segundo andar, onde ficava sua pequena biblioteca. Gostava de lá. Talvez seja por causa do divã de couro vermelho perto da lareira. Quando tinha tempo livre, ou quando não conseguia dormir, apenas deitava-se lá e relaxava.

    Ele era o Sargento Zero, sua função era cuidar e proteger a cidade dos meliantes e outras ameaças. Era liderar a Guarda Imperial, porque esta dependia de um líder. Era manter a calma e a ordem numa cidade que, há duas semanas estava controlada por vândalos e assassinos.

    Estressava-se muito, é claro. E por isso, precisava relaxar. Mas algo o incomodava. Deveria estar aliviado por ter concluído com êxito a operação de fechar todas as tabernas. Não com total êxito, mas ainda sim, foi bem sucedido. A morte daquele homem mexeu um pouco com ele, pois Natako era famoso por ser o dono do que havia sido a maior taberna de todo o Norte. Mas sacrifícios são necessários. Sem sacrifício não há vitória, era o que estava escrito logo acima das portas de entrada de sua Cabana.

    Quando se deu conta do que se passava ao redor, estava quase adormecido no divã.

    Pesquisou em sua mente o que poderia o estar incomodando de tal forma. Um Capitão da Guarda deve manter a postura de homem feroz. Sussurrou algo para a lareira e ela também se incendiou, ardendo em chamas aconchegantes.

    Fogo. As chamas o trouxeram algumas lembranças. Lembrou-se de sua cidade nas Terras Prósperas. Aquele mundo selvagem, cercado de demônios assombrosos e entidades renegadas, monstros e aberrações inimagináveis... Um lugar sem lei, onde apenas o mais forte sobrevive. Ouviu dizer que havia alguma hierarquia demoníaca, regida por uma alma negra denominada com o nome dos homens. ?Viktor?, pensou.

    As terras prósperas. Lá forjaram sua montante, fiel companheira. Estava sempre com ele, aliás, a espada de lamina verde era a sua marca. Fez fama demonstrando seu poder, seus instintos de sobrevivência. Era muito amigo dos Lazulis e freqüentemente ia à Terra dos Guardiões, onde a raça era mais concentrada. Sabia que havia um Lazuli na cidade, mas ainda não teve tempo de encontrar-se com ele.

    Quando se aprofundou na memória renegada, um turbilhão de lembranças trouxe uma forte emoção. Uma dor profunda, uma cicatriz na sua consciência.

    A invasão de Harjero, uma região Lazuli na Terra dos Guardiões, pelos Corvos Negros. Esteve lá, viu a chacina e foi poupado por ser humano. E também, o que poderia fazer? Incontáveis demônios com asas de corvos encheram o céu e as terras da região, incendiaram as casinhas e todas as cidades, massacraram o povo Lazuli. Foi a maior chacina desde a carnificina comandada pelo Septo após a morte de Bess. Mas aquela lembrança ainda o assombrava. Seus amigos estavam mortos e durante dois ou três anos, ou até mais, teve que aprender a viver em meio ao caos e à destruição, sobre as ruínas das ruínas. E então, tomou a decisão de ir para o Norte. Conheceu Dong Xuen e procurou uma vaga na guarda imperial, pois era tudo o que sabia fazer: matar. Mas a convivência com os homens o fez lembrar de que tem sentimentos mais poderosos. Lembrou-se do respeito e da honra, acima de tudo. E desde então, vem cumprindo ordens sem questioná-las. Ordens que talvez não tenham respeitado o direito dos homens, mas ainda sim, foram cumpridas. Matou meliantes e alguns monstros e casualmente, disparou contra alguns jovens descontrolados. Ainda assim, não era um homem mau, apesar da fama que criou entre a população que o temia. Quanto tempo estaria completando naquele cargo? Duas semanas? Três? Não conseguia lembrar, não se concentrava em mais nada.

    Viu a Antiga Taberna ardendo em chamas. Os olhares desolados nos rostos tristes dos homens e mulheres que perderam o emprego, fitando sua preciosa taverna sendo consumida pelo fogo. Era tão grande que ocupara todo um quarteirão, e agora, desabava não resistindo às chamas que lhe foram ateadas.

    Enfim dormiu. Dormiu e sonhou com demônios. Fazia tempo que se questionava sobre o que todos andam chamando de ?tempos sombrios?. A volta dos demônios... Não tinha certeza se acreditava naquilo. Talvez sim, mas não queria aceitar. Homens já dão trabalho o suficiente, agora demônios... Talvez o fato de que, segundo os mais recentes relatórios, os índices de criminalidade baixaram, tranqüilize as pessoas. Talvez as faça esquecer, por alguns momentos, que os demônios realmente podem estar voltando.

    Naquela manhã, Sargento Zero acordou sabendo o que andava o incomodando.

    * * *

    Os tempos têm sido duros e cruéis. Kyshme já estava desacostumado com as quentes terras do sul, onde as estradas não eram tão ruins. Estava cansado da viagem, exausto e com a mente dominada de receios e preocupações. Ganhou um novo uniforme e um quarto de luxo no palácio, cortesia da casa imperial de Pompéia. A viagem teria sido melhor, se não fossem as lentas carruagens do império Pompeano.

    As lendas da cidade diziam que ela foi fundada sobre um vulcão adormecido e o cavalheiro quase acreditava nelas, absurdo era o calor que ali fazia. E realmente, mesmo com a crise, a cidade resumia-se em vielas, ruas e avenidas lotadas de estandes e barracas de feiras intermináveis e mercados de luxo sempre lotados. O barulho lá fora era ainda mais insuportável do que na capital de Dong Xuen. As rodas das carroças rangiam mais, os mercadores gritavam ainda mais alto. Havia mais cavalos e mulas nas ruas, um trânsito incomparável de carruagens e uma grande aglomeração de pessoas ziguezagueando pelos centros comerciais. Pompéia era, para muitos, um inferno.

    O sol poente estava vermelho cor-de-sangue e dava uma tonalidade alaranjada em seu quarto, invadindo-o pelas duas janelas triangulares. Uma guerra violenta aguardava por ele. Uma guerra que não era dele, mas ainda sim, o coube a tarefa de terminá-la.

    Nesse momento de certo desamparo, gostava de pensar em Miyasa. Gostava de pensar na sua futura casinha em Yun-Lu e em seu filho... Miyasa está grávida... E sozinha... Isso o desconfortava. Questionava-se se realmente era certo esconder esse amor, proibido por um juramento, de seus amigos. Talvez se Selenium soubesse a respeito da moça, saberia também cuidar dela... E agora, meio arrependido, escrevia cartas, que amassava e queimava antes mesmo de prender na pata do pequeno dragão do Nick, o qual é chamado de Dewk.

    Dewk gostava de Kyshme. Recebia caricias quando pousava na beirada da janela e, algumas vezes, Kysh deixava-o dormir num lençol rasgado que estendia no chão, ali no canto escuro do quarto.

    Escrevia e amassava várias cartas por dia, ainda indeciso sobre o que faria antes de partir para a Cidade De Arafa.

    Passaram-se três dias nessa monótona rotina de escrever e amassar cartas, cumprimentar membros do palácio, comparecer a tediosas reuniões sobre economia...

    No segundo dia em Pompéia, foi apresentado ao seu novo escudeiro, Assis. Era não mais que um garoto com seus dezesseis ou dezessete anos. Assis lhe mostrou todo o palácio, os jardins e as Cabanas.

    As cabanas foram, definitivamente, a melhor parte de seu passeio pela cidade. Maravilhou-se com o poderoso exercito de Pompéia e torcia para que tantos homens fossem soldados bem disciplinados e treinados.

    Ao verem o novo Capitão, trajando o uniforme do Império de Pompéia, os soldados pareceram menos nervosos. Que estavam nervosos era notório.

    Foi no quarto dia na cidade que Kyshme foi avisado da marcha. Estavam prontos para marchar rumo à Arafa. Todo um contingente de soldados estava alinhado em frente à grande sacada do palácio Imperial. Pompéia nesse dia estava com menos gente nas ruas, para dar espaço a todas aquelas legiões de guerreiros. Algumas feiras foram desmontadas para liberar espaço nas avenidas. Mais de cem caravanas estavam montadas, prontas para encarar uma semana de viagem até Arafa. Estavam levando também alguns gigantes domesticados. O exercito carregava o estandarte do Império Pompeano, cujas bandeiras exibiam um vulcão em erupção e dele escorria uma lava de ouro e moedas de prata, representando a fúria e a riqueza da cidade. Kyshme estava ali na sacada, acompanhado de alguns conselheiros. Tornou-se a entidade mais poderosa na cidade. Um general da Dinastia do Sol sobre o comando de uma legião de apoio formada por homens de Pompéia.

    Essa guerra não é minha.

    E então partiram. Foi tudo muito rápido, sua estadia na cidade... Talvez os homens não estejam confiantes no novo general. Prestariam mesmo lealdade a um homem cuja experiência na guerra é desconhecida por eles?

    Mas tal confiança foi adquirida no caminho.

    Kyshme estava na primeira caravana. Era composta por dois mil homens, entre eles, Pangeanos e Atiradores, mas a tropa era quase toda formada por Lutadores. Com eles estavam alguns poucos gigantes. Eram muitas carroças e carruagens também. Por volta do meio dia, as primeiras caravanas alcançaram Derba, uma grande cidade no Pantanal Proibido. A cidade estava sobre um regime monárquico separatista. Passaram um dia lá para reabastecer. A viagem consumia suprimentos em demasia, devido aos gigantes e aos cavalos. Armaram um acampamento nos campos da cidade e durante a noite, visitaram suas tabernas.

    Kyshme viu de perto a repressão sofrida pelo povo. A independência era puramente do interesse dos regentes e não da populaça, como pensavam.

    Naquela manhã, os homens do acampamento acordaram com fortes barulhos na cidade. Era o protesto do povo, em frente ao palacete dos regentes. Parecia que toda a cidade se reunira ali.

    O cavalheiro da dinastia e seu escudeiro observavam a confusão montados em seus cavalos, longe da praça onde agora havia um mar de gente. Clamavam por justiça e pela união com o império. As cidades separatistas estavam se empobrecendo. Kysh estava pronto para sair dali e acompanhar a vagarosa retirada da caravana quando na sacada surgiu um homem atarracado e armado com um enorme machado de dois gumes.

    Esferas de fogo choveram sobre a multidão, e os gritos de protesto transformaram-se em gritos de terror e desespero. Kyshme segurava o cabo da espada com força, assistindo aquela cena horrível. Mas não podia fazer mais nada. Os Separatistas eram um assunto para mais tarde. Agora, seu foco era na guerra contra a Dinastia de Lenço preto.

    No quarto dia, a caravana do General acampava na fronteira com o Caminho dos Raivosos quando um corvo cinza pairou sobre a sua cabana. Tinha uma carta das caravanas de retaguarda. Haviam perdido oito legiões numa tempestade de areia.

    Nesse dia, estavam se sentindo isolados. As caravanas de vanguarda somavam doze ali. Atravessaram o deserto com sucesso e estavam a três dias de distancia de Arafa.

    Kyshme havia saído para tomar um pouco de ar enquanto lia a carta, quando olhou para o horizonte ao norte e viu que algo brilhante subia disparado ao céu. Não soube identificar o que era até que percebeu que a coisa começara a perder altitude e aproximava-se do acampamento. Estava quase completamente noite, mas ainda havia alguns rastros da luz do sol escalando as montanhas.

    E a coisa era então uma bola de fogo, atirada provavelmente por uma catapulta. Acertou o acampamento em cheio, produzindo um baque surdo. Abriu uma cratera no chão e destruiu duas grandes cabanas, incendiando mais outras que estavam ali perto.

    Por ordem do general, as trombetas foram soadas. Em menos de cinco minutos estavam todos acordados e prontos para o que vier.

    O chão começou a tremer e ouviram os gritos de glória descendo as altas dunas ao norte. Eram os separatistas.

    Os Atiradores se colocaram em posição. Os inimigos não tinham cavalos, nem gigantes e nem consideráveis armaduras. Mas eram muitos. Seria difícil dizer quantos eram, mas eram realmente muitos. As cabanas em chamas iluminavam parte do campo de batalha. Kyshme finalmente desembainhou sua montante, que estava guardada na cabana e juntou-se à batalha.

    Tiros de mosquete, o retinir de metal em metal, metal em madeira, sangue e tripas jogados no chão, explosões de bolas de fogo que choviam do céu, barulhos típicos de uma batalha.

    Assis cobria seu General e este, por sua vez, nunca viu tão bela cobertura. Não gostava de lutar acompanhado, mas tinha de reconhecer que talvez este fosse o dom nato do garoto.

    O primeiro homem partiu para atacá-lo. Kyshme rapidamente cortou seu braço e abriu sua barriga. Empurrou-o para longe, dando espaço para lutar contra o próximo que vira enfrentá-lo. Abateu um, e mais outro e assim foi por toda a noite. Depois de meia hora com a pesada espada na mão, estava se cansando. Já havia apelado para a magia, usando golpes poderosos para abater vários inimigos de uma vez. Encontrou mais homens seus defendendo o acampamento, pois onde estava lutando agora era apenas um campo de sangue e corpos.

    Havia cavalos mortos no chão na fronteira do acampamento e as cabanas foram arrasadas. Mas os homens de Pompéia provaram ser bravos. Lutaram em grupo, cobrindo todos os flancos possíveis, não deixando o inimigo permear ainda mais seu território.

    O céu negro estava clareando e as estrelas aos poucos sumiam uma a uma. A lamina verde da montante de Kyshme era agora vermelho e negro, com sangue seco e sangue úmido.

    O sol já se exibia por completo pairando no céu meio nublado e revelando no que se transformara aquele campo desértico quando a batalha cessou. A terra e as areias eram agora vermelhas. Corpos e mais corpos, de homens e cavalos, jaziam ali. As armas foram recolhidas e o que sobrou do acampamento, grande parte, na verdade, foi desmontada. Doze caravanas se prepararam para dormir e agora, oito permaneciam acordadas. Perderam meio milhar de homens nessa batalha sangrenta no meio do deserto, mas enfim estavam prontos para partir.

    O general Kyshme estava quase certo de que agora os homens confiavam nele.

    Enquanto as chuvas castigavam o Norte, no Sul o sol escaldante judiava dos viajantes. No fim da tarde do quarto dia de viagem, encontraram com quinze caravanas, que, pelo estado em que se encontravam, ou foram pegues de surpresa por uma tempestade de areia, ou também foram atacadas.

    Havia uma pequena cidade na estrada para Arafa. Era a ultima antes da grande metrópole.

    Ali pararam para novamente, se reabastecer. E era possível ver do acampamento as grandes muralhas de Arafa, onde a Dinastia do Sol esperava pelas tropas de apoio.

    E a guerra final entre as dinastias estava se aproximando.


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