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A água batia suave na cintura dos dois, fria como o fundo do mar, quente como o sangue que ainda corria acelerado nas veias de Mista. O kraken desaparecera, deixando apenas o cheiro acre de tinta e o eco distante de um rugido abafado. O Vento de Nápoles balançava ao largo, as velas recolhidas, a tripulação em silêncio ? até Narancia, que espiava por cima da amurada, fora chutado por Abbacchio com um ?respeita, moleque?.
Mista não via nada além de Giorno.
O tritão ? agora homem, pernas trêmulas sustentando-o pela primeira vez ? segurava-se nos ombros do pirata como se o mar pudesse roubá-lo de volta a qualquer instante. A transformação ainda faiscava em sua pele: escamas rosa-perolado dissolvendo-se em luz, deixando apenas a suavidade humana. Seus cabelos, livres da trança, colavam-se ao pescoço e ao rosto, gotas escorrendo como lágrimas de pérola.
Mista ergueu a mão lentamente, como quem se aproxima de um animal selvagem. Tocou a bochecha de Giorno ? fria, lisa, viva. O tritão estremeceu, mas não recuou.
?Você tá tremendo?, murmurou Mista, voz rouca de batalha e algo mais profundo.
?É a primeira vez que tenho pernas?, respondeu Giorno, quase inaudível. ?E a primeira vez que alguém me toca assim.?
Os olhos verdes-esmeralda estavam arregalados, mas não de medo. Era algo mais perigoso: confiança. Mista sentiu o peso daquela confiança como um baú de ouro no peito.
Ele deslizou o polegar pelo lábio inferior de Giorno ? macio, salgado, ligeiramente entreaberto. O tritão inspirou fundo, o peito subindo contra o dele. A camisa molhada de Mista grudava na pele; a de Giorno (emprestada, larga demais) escorregava de um ombro, revelando a clavícula delicada e a tatuagem de concha que pulsava levemente, como se ainda ligada ao mar.
?Posso?? perguntou Mista. Não era o capitão falando. Era só Guido. Um homem pedindo permissão para cruzar um abismo.
Giorno não respondeu com palavras. Inclinou-se para a frente, devagar, até seus narizes se tocarem. A respiração dele era quente contra a boca de Mista ? cheirava a algas, a tempestade, a algo doce que não tinha nome. Mista fechou os olhos.
O beijo começou como um sussurro.
Lábios roçando, hesitantes. Mista sentiu Giorno tremer de novo ? não de frio, mas de descoberta. Ele segurou o rosto do tritão com as duas mãos, polegares acariciando as maçãs do rosto, e aprofundou o beijo. Devagar. Como quem abre um mapa antigo, com reverência.
Giorno soltou um som baixo ? meio suspiro, meio gemido ? e correspondeu. Seus lábios se moveram contra os de Mista com uma curiosidade quase infantil, mas logo aprenderam o ritmo. A língua dele tocou a de Mista, tímida, e o pirata quase perdeu o equilíbrio na água. Ele apertou a cintura de Giorno, puxando-o mais para si, até não haver espaço entre seus corpos.
O beijo se tornou fome.
Mãos de Giorno subiram para os cabelos de Mista, puxando-os com força suficiente para doer ? e doer era bom. Mista mordeu o lábio inferior do tritão, arrancando outro som abafado. A água agitava-se ao redor deles, como se o próprio mar estivesse ciumento.
Quando finalmente se separaram ? ofegantes, narizes ainda colados ?, Giorno tinha os olhos vidrados, pupilas dilatadas como conchas abertas. Mista sorriu, aquele sorriso torto que fazia marinheiros tremerem e agora fazia um tritão corar.
?Você beija como quem já navegou mil tempestades?, sussurrou Giorno, voz trêmula.
?Você beija como quem nunca precisou de ar?, respondeu Mista.
Giorno riu ? um som cristalino, quase infantil ? e enterrou o rosto no pescoço do pirata. Mista sentiu os dentes dele roçarem a pele, não uma mordida, apenas uma marca. Uma promessa.
?Me leva pro navio?, pediu Giorno contra sua clavícula. ?Quero aprender a andar. Quero aprender tudo. Contigo.?
Mista o ergueu nos braços ? sem esforço, como se Giorno não pesasse mais que uma rede vazia. O tritão envolveu seu pescoço com os braços, pernas ainda desajeitadas pendendo, e beijou-o de novo. Desta vez, foi rápido, urgente, como quem sela um pacto.
Enquanto nadava de volta ao Vento de Nápoles, com Giorno agarrado a ele como um tesouro vivo, Mista pensou que nunca mais precisaria de mapas.
Porque agora, seu norte tinha nome. E estava nos seus braços.