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O sol poente tingia o Mar de Coral com tons de sangue e ouro quando o Vento de Nápoles cortou as ondas como uma lâmina. No comando, Guido Mista apoiava o antebraço no leme, o bronze da pele reluzindo sob a camisa aberta até o peito. O vento bagunçava seus cabelos castanhos, mas seus olhos ? castanho-avelã, afiados como faca de abordagem ? fixavam-se num ponto distante, onde a água parecia mais clara, quase iridescente.
Ali nadava Giorno Giovanna.
Mergulhava e emergia, a cauda rosa-perolada reluzindo como seda molhada. A trança loira chicoteava a superfície, gotas voando como diamantes. Quando ergueu o rosto, os olhos verdes-esmeralda encontraram os de Mista. Um segundo. Dois. Depois o tritão sorriu ? um sorriso pequeno, quase tímido ? e desapareceu nas profundezas.
Mista sentiu o coração dar um salto de abordage.
?Sex Pistols?, murmurou para o revólver no coldre. ?Ele sorriu pra mim.?
As balas encantadas ? seis espíritos minúsculos de chapéu ? rodopiaram em torno dele, rindo.
?Capitão, você tá mais vermelho que o pôr do sol!?
?Calem a boca ou vão limpar o convés com a língua.?
Mas Mista já descia a escada, botas ecoando. No tombadilho, Narancia e Fugo trocavam moedas apostando quanto tempo levaria até o capitão pular no mar atrás do tritão. Abbacchio apenas resmungou algo sobre ?piratas apaixonados serem os primeiros a afundar?.
Na noite anterior, Mista ancorara numa ilhota deserta para remendar velas. Sozinho na praia, acendera uma fogueira. As chamas dançavam quando uma sombra surgiu na água ? Giorno, meio corpo fora d?água, apoiado nos antebraços. A cauda batia suavemente, espalhando faíscas de luz.
?Você sempre persegue o que não pode ter?? perguntara o tritão, voz suave como concha polida.
Mista sentara-se na areia, a poucos metros. ?Só quando vale a pena.?
Giorno inclinara a cabeça. ?E eu valho??
O pirata rira, rouco. ?Você é o tesouro que nenhum mapa aponta.?
O tritão se aproximara mais. A luz do fogo pintava reflexos dourados em sua trança. ?Humanos mentem.?
?Esse aqui não.? Mista estendera a mão, palma para cima. ?Posso provar.?
Giorno hesitara. Depois, com um movimento fluido, colocara a mão na dele. Pele fria contra pele quente. Dedos entrelaçados. Nenhum dos dois se moveu por um longo instante.
Agora, dias depois, o Vento de Nápoles seguia a trilha de pérolas que Giorno deixava ? um jogo. O tritão nadava à frente, às vezes sumindo por horas, às vezes emergindo ao lado do casco, rindo quando Mista quase caía no mar tentando tocá-lo.
Naquela tarde, o céu escureceu. Nuvens de tempestade engoliram o sol. Mista ordenou recolher velas, mas o vento virou traiçoeiro. Um redemoinho surgiu ? não natural. Um kraken menor, invocado por algum feiticeiro rival, talvez. Tentáculos negros chicoteavam a água.
Giorno emergiu ao lado do navio, olhos arregalados. ?Mista!?
O pirata já estava na amurada, revólver em punho. ?Fique atrás de mim!?
?Você não entende!? O tritão nadou até ele, agarrando seu braço. ?Kraken sente medo. Se eu cantar??
Um tentáculo surgiu, grosso como mastro. Mista atirou ? plink, plink, plink ? as balas encantadas ricochetearam nas escamas, desviando o golpe por centímetros. Mas eram muitas.
Giorno respirou fundo. Um som saiu ? não palavras, mas uma melodia antiga, em camadas, como corais cantando em uníssono. O kraken hesitou. Os tentáculos recuaram.
Mista aproveitou. ?Sex Pistols, agora!? As balas voaram em curva, acertando os olhos da criatura. O monstro urrou e mergulhou, deixando um rastro de tinta negra.
Silêncio. Só o mar respirando.
Mista virou-se para Giorno, ofegante. ?Você? canta como os deuses.?
O tritão sorriu, cansado. ?E você atira como o diabo.?
Sem pensar, Mista pulou na água. Nadou até ele, abraçando-o pela cintura. Giorno arquejou ? a cauda se transformou em pernas humanas num clarão de luz rosa. Agora estavam peito contra peito, água até a cintura.
?Você tá louco?, sussurrou Giorno, mas não se afastou.
?Por você? Completamente.? Mista tocou a trança loira, desfazendo-a com dedos trêmulos. Cabelos caíram como ouro líquido sobre os ombros do tritão. ?Quero te ver assim. Todo dia.?
Giorno ergueu o rosto. Seus lábios roçaram os de Mista ? hesitante, depois firme. O beijo sabia a sal e mel. Mãos do pirata na cintura, mãos do tritão nos cabelos. O mar os embalava.
Quando se separaram, Giorno sussurrou: ?Eu não posso ficar em terra. E você não pode viver no mar.?
Mista sorriu, aquele sorriso torto de quem já perdeu tudo e ganhou o mundo. ?Então vamos inventar um meio-termo.?
Semanas depois, o Vento de Nápoles navegava com uma figura nova no convés: Giorno, agora com pernas encantadas por um feitiço temporário (renovado a cada lua cheia). Usava calças de Mista, enroladas nos tornozelos, e uma camisa aberta que deixava à mostra a tatuagem de concha no peito ? marca de tritão.
À noite, deitavam na proa. Giorno apoiava a cabeça no peito de Mista, ouvindo o coração do pirata bater no ritmo das ondas.
?Você já pensou em parar?? perguntou Giorno uma vez, traçando círculos na pele bronzeada. ?Deixar de ser pirata??
Mista beijou sua testa. ?Só se for pra ser seu.?
Giorno riu, baixo. ?Você já é.?
E sob as estrelas, com o navio cortando a noite, Guido Mista ? o temido capitão dos sete mares ? descobriu que o maior tesouro não estava em baús de ouro, mas nos olhos verdes-esmeralda que o fitavam como se ele fosse o único porto seguro do mundo.
E Giorno Giovanna ? o tritão que nunca pertencera a ninguém ? soube que, pela primeira vez, queria ser capturado.
Fim.