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Boa leitura
Era fim de tarde na cidade na qual eu morava, o céu estava nublado e ressoava o som de grandes trovoadas que parecia rasgar os céus como um tigre faminto diante de sua presa. O vento balançava fortemente os galhos das árvores com alvoroço e sem nenhuma piedade, enquanto pequenas gotas finas de chuva caíam do céu, aumentando o seu ritmo em seguida.
As pessoas caminhavam sobre a calçada em volta de seus guarda-chuvas em passos largos e apressados, algumas delas procuravam um lugar para se abrigar e se contorciam por conta do frio e medo. O objetivo era esperar a amenizar a chuva, que agora estava mais forte.
Eu, por outro lado, as observava atentamente de dentro de casa através das janelas de vidro que embaçavam e formavam pequenas gotas de água que escorria até chegar o seu fim. Estava entediada, e a minha irmã caçula que estava na cozinha assaltava a geladeira com voracidade para saciar a sua fome infinita, como se ela estivesse dias sem comer, ou talvez ela esteja pensando em uma hipótese que poderia existir um suposto ataque zumbi sobre a capital, e que a melhor forma seria guardar a comida dentro de sua barriga para que enfim pudesse morrer feliz e satisfeita o problema é que a mesma se esquecia que existiam outros moradores sobre a casa. Em outras palavras, como mamãe e o papai. Acabar com toda a comida da geladeira em um só dia não era uma boa ideia.
O vento forte agita as cortinas de voil bordado rosa, enfeitado como as flores de primavera que decoravam a sala de estar. O frio era gélido e molhava o chão que esbravejava sobre as janelas abertas.
O som era audível. Cruzo as minhas pernas e permaneço sentada em uma das cadeiras da cozinha, completamente imóvel e continuo a observar a movimentação da rua deserta.
— Hey, Maitê? Você não vai enxugar o chão e fechar as janelas? Talvez a sua vista não seja tão agradável quanto a da mamãe ao ver a sala dela toda molhada.
Escuto a minha irmã mais nova me chamando e que agora deixará de comer para prestar atenção em mim.
— Eu vou. Já terminou de comer? Lembrou que existe papai, mamãe e a mim para comer também? Ou você já acabou com tudo? Digo isso olhando para ela do canto do olho, levantando da cadeira na qual estava sentada e indo em direção à sala de estar para fechar as janelas e secar o chão. Talvez eu não deveria ter ido
— Por acaso está dizendo que eu sou gulosa e egoísta? Eu não sou. Só como exagerado quando estou ansiosa e você sabe disso. — Falava a garota quase gritando.
— Ashley, você sempre está ansiosa, essa não é a primeira vez. Como sua irmã mais velha, na ausência de nossos pais, eu sou a responsável pela casa e de você também. — Rebati na mesma altura, quase gritando para que ela ouvisse bem e me respeitasse.
Ashley: Você se gaba por ser a irmã mais velha e acha que tem o direito de me dar ordens, porém não há tantos anos de diferença assim, afinal, Maitê, você tem vinte e seis anos e eu apenas dezesseis e eu posso muito bem cuidar de mim. O que você mais precisa no momento é colocar um prumo na sua vida do que ficar se preocupando com a minha. — Falava de uma forma mostrando a sua indignação, porém na cabeça dela a idade entre as duas não existia tanta diferença assim.
Maitê: Ashley, quem te deu o direito de responder à sua irmã desse jeito? Já começou a fase da sua rebeldia? — Falo me aproximando dela.
Ashley: Você não é a mamãe e o papai, querida. Lembre-se disso! — A garota sorria de uma forma sínica e zombeteira, enquanto olha para dentro dos meus olhos tentando me intimidar.
Maitê: Ashley, estou terrivelmente ofendida com o seu comportamento e devo te avisar que comunicarei imediatamente aos nossos pais já que são a eles que você preferi obedecer. — Tento manter uma postura séria, mostrando a ela quem é autoridade naquele momento.
Ashley: Jura Maitê? Está tentando mostrar autoridade diante de mim? Afinal, quem é você? Você é uma garota chata, com conversas chatas e ainda por cima é igual a mim. Adolescente não manda em adolescente. Entendeu?
Os olhos de Maitê encheram-se de lágrimas por um momento.
Maitê: Sei que você está aborrecida por ter te entregado aos nossos pais sobre os seus esquemas em relação aos seus amigos. Eles não eram uma boa companhia para você. Eu sei o que é melhor para você.....
Ashley: Blá, blá, blá, vai começar aquela conversa chata de novo? Nem mamãe e papai falam assim. Afinal, você só faz isso porque não tem amigos e por isso quer tirar os meus. — Falava interrompendo a sua irmã mais velha.
Maitê: Você sabe que não é isso, Ashley, aquelas pessoas iam te levar para o mal caminho, será que você não consegue entender? — Sua voz era voz de choro.
Ashley: O que eu entendo e também o que eu consigo ver é uma garota chata com a vida chata, encalhada com vinte e seis anos que não tem filhos, não consegue arranjar ninguém porque ninguém se interessa por ela, não estuda e nem trabalha e nem tem amigos para sair, e vive vinte e quatro por quarenta e oito dentro de casa sem fazer nada e não se preocupa com nada. Não sei como consegue viver uma vida assim. Não tem graça e muito menos sabor. — Falava enquanto passava por ela, quase a empurrando.
Maitê: Basta! Não vou ficar aqui ouvindo você me humilhando, você não tem o direito de fazer isso comigo, Ashley. JÁ PARA O SEU QUARTO, ISSO É UMA ORDEM. — Lágrimas caiam sobre o meu rosto enquanto eu aumentava o tom de voz para a fazê-la obedecer.
Ashley: Eu vou quando quiser e já disse, você não manda em mim.
A jovem garota começa a andar em direção à porta da rua, pegando o seu guarda-chuva. Quando estava prestes a sair, ela escuta a sua irmã mais velha a chamando.
Maitê: Ashley, para onde você vai? — Pergunta Maitê curiosa, afinal de contas ela não tinha dado à jovem autorização para sair.
Ashley estava de costas com o guarda-chuva aberto. A mesma vira lentamente a cabeça e olha para a sua irmã do canto de olho, sorrindo. Um sorriso zombeteiro e desafiador.
Ashley: Irei sair e não tente me impedir. Ah! Outra coisa, querida irmã, que gosta de me dar ordens, o que eu disse sobre você não é humilhação e sim dizer a verdade. Você sabe o que essa palavra significa?
Enquanto ela falava, sua irmã mais velha apenas a observava com lágrimas nos olhos e cheia de raiva. Vontade ela sentia de dar umas pauladas nela, mas infelizmente a garota saiu sem dizer para onde ia, deixando completamente furiosa pela rebeldia.
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Algumas horas depois, mamãe e papai haviam chegado em casa cansados e cheios de sacos de compras nas mãos. Afinal, ter uma adolescente de dezesseis anos em casa que, quando resolve ficar ansiosa, acaba com todo o estoque de comida antes do mês acabar, é necessário manter a despensa cheia, porém o orçamento do mês sempre fica desequilibrado.
O nome de minha mãe se chama Verônica e do meu pai Otávio. Eles se conheceram em uma festa de aniversário de minha tia Hadassa, que completará dezoito anos comemorando a sua maior idade. Um ano mais velho do que a minha mãe. Desde então, eles começaram a conversar, namorar até decidiram morar junto por conta da gravidez dela (de sua primeira gravidez), nunca se casaram, porque toda vez que a minha mãe Verônica conversava com o meu pai sobre esse assunto, ele falava aquela famosa palavra: "não porque os gastos são muito caros", e eu não quero fazer algo simples". Na verdade, isso era uma desculpa de quem não tinha interesse em oficializar a união deles e sim permanecer do jeito que está, como sempre foi desde o início e só assim ele não gastaria além do necessário, era o que ele a fazia acreditar. Mas eu acredito que seja por outros motivos.
— Maitê e Ashley chegamos. Onde estão vocês, minhas queridas filhas? — Verônica chamava as suas duas filhas por achar estranho a casa escura e o silêncio.
Nenhuma das duas responderam. Verônica pensava que talvez elas estejam dormindo, apesar de ser muito cedo para isso. Afinal eram 19:15 da noite. Otávio caminha em direção ao seu quarto, estava cansado e precisa de banho deixando os seus sapatos espalhados pela casa. Coisas que somente homens fazem.
Verônica revira os seus olhos, não dando importância pela bagunça de Otávio, deixando as compras postas sobre a mesa da cozinha e caminha em direção às escadas para os quartos das meninas.
Subindo as escadas ela bate na primeira porta que seria o quarto de Ashley sua caçula. Nenhuma resposta foi ouvida, deduzindo novamente que ela esteja dormindo e não queira ser incomodada. Então ela decidi bater na segunda porta que seria de Maitê. Ouviu um "entre" abriu a porta e entrou, se deparando com a sua filha deitada de bruços sobre a cama, com o rosto virado para a parede.
Verônica: Maitê anda, levanta! Eu comprei aqueles chocolates que você gosta e trouxe para a sua irmã também. Venha! — disse isso sorrindo.
Maitê: Mãe, já chegou? — Pergunta Maitê com o rosto inchado de tanto chorar e sonolenta.
Verônica: É claro que já cheguei, se não eu não estaria aqui falando contigo. O que foi? Por que o seu rosto está assim desse jeito? — Pergunta Verônica curiosa para a sua filha.
Maitê: Mãe... Eu estava pensando sobre a minha vida e estou preocupada com o meu futuro. Eu sinto como se o tempo estivesse passando ao ponto de eu não ter conseguido construir nada, sabe? Um sentimento de fracasso e, ao mesmo tempo, como se estivesse perdida, sem expectativa e sem objetivo, mesmo não sendo isso. Tenho metas e sonhos, mas não consigo realizá-los. O que eu sou afinal de contas? O que eu tenho? O que construí no qual eu possa me gabar? Eu não tenho nada e não sou nada. — dizia aos prantos.
Verônica: Filha, já conversamos sobre isso.
Maitê: Mãe, se é verdade. Os meus antigos amigos do colegial, eles todos se formaram e se deram bem na vida, alguns viraram empresários, iniciando os seus comércios super lucrativos, outros já se formaram na faculdade de medicina, direito, arquitetura e urbanismo e entre outros. Agora me diga, mãe, e eu? O que eu fiz? Pelo contrário, não tenho emprego, nunca trabalhei na vida porque a senhora sempre me dizia que não era o momento. Não tenho experiência de nada e nem cursos para colocar no currículo para dizer que pelos menos eu sei fazer alguma coisa, não tenho namorado e nem sei o que é beijar, e a senhora e o papai não me deixam ter amigos para sair, porque dizia que para sair precisaria ter algum adulto para fazer companhia para eu não me perder na rua e depois não saber voltar para casa. Minha vida é aqui trancada dentro de casa, parecendo uma prisioneira. Não sei sair sozinha e pegar um ônibus para qualquer lugar ou resolver qualquer questão minha, ou de outra pessoa. Eu me tornei uma criança no corpo de um adulto. Não tem pesadelo pior do que esse.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto e caiam sobre a cama. Maitê se sentia frustrada em relação à sua vida e pela incompreensão de seus pais. Na pior das hipóteses, Ashley tinha razão.
Verônica: Maitê, não me culpe pelos seus erros, você sabe o que eu sempre quis: o melhor para você e a sua irmã. E o que você decidir, minha querida filha, eu te apoiarei desde que a sua decisão não atrapalhe a mim, o seu pai ou a nossa família.
Maitê: Mãe, você sabe que eu não tenho experiência com trabalho e então fica difícil conseguir um se for depender por esse meio. Principalmente pela minha idade. O que eu quero é que me ajude por conhecidos seus uma oportunidade de trabalho. Alguma coisa serve para que eu não precise mais ter que pedir dinheiro para o meu pai que às vezes dá e depois joga na cara ou ter que convencê-lo e trazer uma boa justificativa para essa tal coisa para no fim conseguir esse valor ouvindo depois que ainda quer troco. Isso é humilhante e vergonhoso demais.
Verônica: Tudo o que fizemos foi para o seu bem, mais se você quer tanto assim trabalhar eu vou o que eu faço para tentar te ajudar. Tudo bem? O que eu quero é que você não fale sobre isso novamente, principalmente na frente de seu pai.
Maitê: Eu irei falar na frente dele, uma hora ou outra. Você sabe que isso é importante para mim. Principalmente quando se trata da realização dos meus sonhos. Não quero me acomodar com pouco, eu quero ir além. Isso nunca será o suficiente para mim. — Falava sorrindo, imaginando o momento.
Verônica: Você é ambiciosa e cuidado para não tropeçar e cair nesse seu ir além. Seu pai não vai gostar muito da ideia, ele acha que trabalhar é coisa de homem e não de mulher. Agora vamos esquecer isso por agora e venha ver o que comprei para você.
Maitê: Ok, vamos. — Seu olhar era triste, infelizmente sua própria mãe tinha um pensamento pessimista e não conseguia entender. Se os seus objetivos dependessem deles para concretizá-los, jamais aconteceria, principalmente se dependesse do seu pai. A voz dele era única e absoluta dentro de casa, um homem severo e carrasco.
Duas horas haviam se passado. Maitê e a sua família estavam todos sentados na sala de estar assistindo televisão a um programa que para ambos era considerado interessante. Quando de repente, Ashley aparece surpreendendo a todos, entrando em casa completamente molhada pela chuva. Ainda chovia, porém, não trovejava mais.
Verônica: Ashley. Onde você estava? Meu Deus, está ensopada.
Ashley estava séria e de cabeça baixa, parecia preocupada com alguma coisa. O meu pai e eu ficamos apenas observando, sem dizer uma única palavra.
Verônica: Ashley, onde você estava até essa hora? Você saiu e não deu satisfação para ninguém. Todos nós estávamos preocupados com você. — Reclamava Verônica para a sua filha que apenas emudeceu.
Maitê: Vai ver que ela saiu com os amigos e não queria ser incomodada. — Agora é a minha vez de provocá-la e colocar os meus pais contra ela, afinal eu ainda não tinha me esquecido do que ela fez mais cedo.
Por um momento, senti minha irmã caçula olhar para mim como se fosse me fuzilar com os olhos, eu apenas sorri de canto, provocá-la seria o meu prazer como duas irmãs que se amam, minha vingança estaria completa.
Otávio: Verônica, isso é culpa sua por criar essas crianças mal e rebeldes.
Olho para o meu pai, surpresa. A única rebelde aqui seria a Ashley, mas por que ele me culpa também?
Verônica: Eu não as criei sozinha, se estão rebeldes, você também tem uma parte de culpa.
O olhar de Otávio mudou de repente, ele não gostou do que ouviu. Seu olhar transmitia raiva.
Otávio: O que você disse? Você me culpa pelas rebeldias dessas crianças mimadas? Eu as educo, mas você é muito mole e as mimas, por isso elas fazem o que fazem e ainda desdém da nossa cara. — Sua voz saía cheia de raiva, porque Verônica não assumia os seus erros.
Otávio olha para Ashley, que apenas o encarava seriamente sem dizer absolutamente nada.
Otávio: Ashley não importa qual justificativa você possa dar, você sabe que o seu comportamento é inadequado e intolerável debaixo do meu teto, você não tem o direito deixar a sua mãe preocupada sem necessidade, e por causa disso estará proibida de sair para qualquer outro lugar que não seja a escola ou ao mercado quando solicitarmos. Você me entendeu? Fui bem claro?
Ashley: Pai, deixe-me explicar o que aconteceu, não seria justo me punir dessa forma sem me ouvir primeiro. — Ashley tentava se explicar, mas Otávio não estava interessado em ouvir.
Otávio: Eu achei que tivesse sido bem claro quando disse que não "importa a justificativa que você possa dar". Ainda me desobedece? É melhor você ir para o seu quarto, pois eu não quero mais te ver por hoje. — Falava em um tom ameaçador.
Verônica: Você está sendo ignorante, deixe que ela se explique. — Verônica tentava defender a sua filha, pois acreditava que por trás de tal comportamento havia uma justificativa. E essa tal justificativa o faria pensar diferente.
Ashley: Não estou me sentindo muito bem, estou enjoada, vou me retirar.
Otávio: Poupe-me de seus argumentos.
Verônica: Otávio não precisa ser duro com ela, eu tenho certeza de que ela deve ter uma boa explicação para isso. — Falava tentando tranquilizá-lo, pois estava vendo ele perder a pouca paciência que tem.
Otávio: Verônica, não me faça deixar as duas sem comer se continuar rendendo esse assunto. — Seu olhar estava sério e sombrio, assustando sua esposa, que apenas se calou.
— PAAAAAAI. — Ashley chama o nome de seu pai, aos gritos, assustando a todos, fazendo com que eles voltem a sua atenção para ela novamente.
Otávio: Você quer atenção, praga? — Falava enquanto levantava do sofá. Verônica o segurou.
Ashley: Pai, por que você me trata assim? Você não me entendi e jamais poderá me entender, não importa o que eu diga. Eu queria que você fosse uma pessoa melhor, um pai mais carinhoso, compreensível e amigo. Por que é tão difícil de ser assim? E ainda por cima, mesmo que você se importe ou não, ou queira saber da minha justificativa, eu falarei assim mesmo. Eu estou grávida.
O silêncio se fez presente por alguns segundos até que a mensagem fosse processada por todos. Uma adolescente de dezesseis anos grávida? Quem seria o pai? Logo a princesinha do papai e da mamãe aprontando às escondidas e trazendo vergonha para nossa casa e família. Provavelmente não deixará despercebida pelos parentes e vizinhos quando descobrirem. Eles irão rir do papai que, diante de tanta exigência e protocolo, sua filha caçula cospe na sua cara.
Ponho a minha mão sobre a minha boca incrédula. É muita informação para um dia só, será que Ashley irá sobreviver até amanhã de manhã?
Senti por um momento o medo e a preocupação tomarem conta de mim, e agora?
Continua.