— Nesse mundo, não há bondade… nem maldade. Sabe o porquê disso, jovem Apóstolo? O porquê da grande convergência? O porquê da “Mão de Deus” existir? Tudo está interligado, jovem Apóstolo. Ainda assim, não deve deixar a ausência de parâmetros te cegar…
— Lembre-se do motivo de viver, do motivo que foi escolhido! Matar ou ser morto, devorar ou ser devorado, trair ou ser traído, não importa! Nada importa… nada, a não ser uma coisa… Vontade! Bondade e maldade? Uma falácia! Mentiras e mais mentiras!
— Jovem Apóstolo, nunca se esqueça disso… se tua vontade for mais forte, os fracos se curvarão perante vós… Jovem Apóstolo, não se esqueça também que… se sua vontade fraquejar…
— Eu abrirei seu tronco e devorarei seu coração!
— Arqueiros, lançar flechas!
A ordem foi dada enquanto o general olhava a estranha criança, que pôs-se entre ele e Midland.
Para a surpresa do líder, aquela criança, que não parecia ter mais de quinze anos, desviou de cada flecha.
Para Ash, aquilo era brincadeira de criança. “Céus… que chato.”
— Lanceiros, em posição! Arqueiros, prepararem mais flechas!
O jovem sorriu com a visão das fileiras de escudos e lanças. Pegou duas adagas que carregava consigo e correu.
As adagas não pareciam nada demais. Comparado as espadas que muitos monstros usavam no campo de batalha, era como ver dois palitos de dente… contudo, a força por trás do ataque mandou três soldados voando para trás.
Tentaram algumas estocadas, mas, para Ash, os ataques eram lentos demais. Não sabiam de onde aquele ser vinha, mas tinham uma conquista importante ali. Não podiam deixar que Kushan ficasse com as terras de Midland.
Conforme desviava das lanças, notou como estavam tentando o cercar. Nisso, soltou um sorriso feral.
Seu sangue ferveu.
Com um salto, escapou de um ataque vindo de suas costas e cortou a cabeça do soldado mais próximo. Depois, com um golpe, abriu a barriga de outro, que caiu morto com as tripas do lado de fora.
O manto negro começara a se manchar de vermelho.
As adagas cortaram os olhos de outro soldado, depois a mão de mais um. Com uma rasteira, que arrancara os dois pés de um terceiro, pulou e cravou as adagas em ambos os lados da quarta vítima.
A cada segundo, três novas vítimas surgiam no campo de batalha, o sangue começou a impregnar no chão, membros esquartejados enfeitavam a cidade.
Os cavaleiros foram enviados a mando do general, mas Ash estava pronto. Depois de decapitar um dos soldados, jogou o corpo contra um dos cavalos. A confusão permitiu que ganhasse tempo.
Viu sobreviventes do batalhão correrem em sua direção. Avançou contra eles sem a menor piedade. A cobertura daquela horda de homens permitia que se escondesse das flechas e ganhasse tempo.
Cada movimento da lâmina alimentava o lago de sangue que se formava. No céu, era possível ver alguns corvos, que olhavam aquilo tudo com fome.
Após sete longos segundos, um mar de corpos jazia, mas o assassino não estava satisfeito. Com um sorriso maníaco, correu para onde os outros batalhões estavam.
Foi interceptado pelos cavaleiros, mas pouco se importou. Pulou por baixo de um dos animais e cortou a barriga dele, se levantou e decapitou outro cavalo, tomou a lança de um dos inimigos e atirou contra um grupo de arqueiros.
Aquela lança, diferente de uma arma normal, estava carregada de eletricidade, que explodiu em um clarão, forte o suficiente para cegar os que estavam longe. Não só isso, mas o cheiro de ozônio impregnou o ar, junto ao de gás carbônico.
— Tropas, cuidado! É um bruxo!
O sorriso de Ash se alargou. “Se apenas vocês soubessem…” Nisso, decapitou outro. Um jato de sangue cegou um dos cavaleiros, que não conseguiu reagir a tempo de ter a lâmina cravada no peito.
“… o tipo de monstro que estão enfrentando!” Usou da eletricidade ao seu redor para fritar os cavaleiros restantes, que tiveram o sangue fervido de dentro para fora.
Viu vários soldados irem contra si, mas não importava. Uma vez que decidisse algo ou que recebesse uma ordem específica…
Nada ficaria em seu caminho.
Uma das adagas, coberta de eletricidade, encontrou com um escudo. A força do raio fora forte o suficiente para matar o pobre homem. A eletricidade não parara por aí, visto que havia cozido outros guerreiros que estavam próximos.
— Alguém! Alguém mate logo essa coisa! — A esse ponto, o orgulhoso general começou a choramingar.
A visão de corpos expelindo vapor vermelho dos poros era demais para si. Cada clarão era seguido por mais mortos, junto com o avanço daquele monstro.
Com o tempo, a grama verde agora era vermelha. Poucos soldados restavam, mas os que ainda estavam vivos, ou foram paralisados pelo medo ou tinham um membro a menos.
Apenas a morte os aguardava.
Conforme Ash matava cada inimigo, o General começava a se afastar. Tinha que sair dali e reportar ao rei, mas algo o parou.
Aquela… coisa jogou um dos cavalos contra ele, o que esmagou não só o animal, como também algumas costelas do humano.
— Gahh! — Os gritos lamuriosos dos soldados foram silenciados pelo urro de dor do líder, que sentiu o sangue subir a garganta.
Após alguns minutos, nenhum outro grito foi ouvido. O homem sabia o que aconteceria a seguir… seria a sua vez.
Contudo, para a sua surpresa, não recebeu a morte que tanto implorava. Não… Ash teve uma ideia diferente. Invés de simplesmente o matar, mandou um choque elétrico, suave o suficiente para desligar o sistema motor enquanto não matava a vítima.
— Bem… por mais… prazerosa que nossa reunião foi, eu tenho que comer… e eu gosto da minha carne malpassada e com bastante gordura, então…
Nisso, despiu o humano, que olhava incrédulo para o demônio a frente. Sentiu mais medo ainda quando viu uma das lâminas se aproximar do rosto. Mais especificamente, do olho, que foi arrancado com um movimento simples.
O que se seguiu foi o líder orgulhoso de um grande país gritando e implorando pela morte por meio de murmúrios ininteligíveis, enquanto o Apóstolo conhecido como Ash Ketchum apenas cortava mais e mais a carne, até que, depois de um tempo, o homem parou de se mover.
“Hah, por que as coisas ficaram assim?” O garoto olhou para o campo de batalha a sua frente, ou melhor, o que outrora foi um.
As nuvens, ainda carregadas de raios, sobrevoavam os arredores. O vento era quente e carregava um cheiro pesado de ozônio, algo que o Apóstolo só veio a saber o que era depois que chegou a esse mundo.
Algo normal, visto que, por onde quer que passava, o ar se tornava apenas isso. Algo que teria que conviver pelo resto da eternidade.
Tudo graças ao eclipse.
— Ei Ash! — A mulher, se é que aquilo podia ser chamado disso, chamou-lhe a atenção. — Vamos brincar? Tem um vilarejo novo que…
Por mais que fosse bela, de cabelos negros longos e lustrosos, um corpo que faria qualquer santo pecar, tinha algo de inumano nela. Os dentes eram assustadoramente afiados e os lábios eram anormalmente largos.
Ignorou-a por completo. Não se importava com o que tinha nesse vilarejo, afinal, por que se importaria com uma raça inferior como os humanos?
Ash já foi um deles, cheio de vida e de sonhos, que agora jaziam no fundo do oceano, tão profundos que nem mesmo o Deus do Mar conseguiria os desenterrar.
Era melhor assim.
Levantou-se e caminhou para longe da falsa mulher, que continuou o importunando. — Ei, pra onde você vai? Não quer matar os humanos no vilarejo?
— Não.
— Mas… mas… você é um apóstolo! — Gritou e começou a puxá-lo para longe, mas logo levou um choque. — Aii!
— Liragra… — A voz de Ash a calou por um momento. Era tão fria, tão maligna… e tão bela. Se existia um apóstolo que ainda conseguia manter beleza em sua forma, aquele seria Ash. — Não me toque. Se fizer isso de novo, eu te mato.
Nisso, saiu dali. O campo de cadáveres ao redor de si era cheio de humanos, todos de um reino grande, que estava indo de encontro a Midland.
Cada corpo foi torrado por ondas elétricas. Isso era o poder da praga conhecida como Ash Ketchum.
Normalmente, não teria interesse em matar milhares, mas era o mais próximo dali. Sabia da importância de Midland, por isso, reconhecia a importância de proteger esse reino.
Seu trabalho era eliminar qualquer ameaça séria à Midland até o nascimento daquele humano que a Mão de Deus está esperando.
Pisou num dos corpos ali e ouviu um som. — Ué, acho que você deixou um vivo. — Liragra comentou, indo até a origem do barulho. — Quem será que foi? Algum soldado? — A morena soltou um suspiro desapontado. — Olha só, é um bebê…
Ash arqueou a sobrancelha e foi até a criança. Por ter atacado o acampamento, podia haver crianças ali, mas era improvável. Afinal, todas as vilas no caminho foram queimadas, logo, faria sentido que as… necessidades dos soldados fossem satisfeitas ali.
“Parando pra pensar… o acampamento foi montado próximo a um vilarejo pequeno… será que essa criança se arrastou até aqui?”
— Bem, não tem porquê manchar seu histórico perfeito. — Segurou a criança a frente do Apóstolo, seus olhos azuis e frios se encontraram com a da criança, que sorriu e balançou os braços, feliz com a atenção.
“Por que não tem medo?” Estreitou os olhos e foi até a criança. “Humanos… uma raça tão inferior que não consegue nem usar seus instintos básicos…” Levantou a mão, a criança parou de se balançar e o olhou com curiosidade. “Sim… humanos são realmente irritantes… mas…”
Foi instantâneo. Em apenas um segundo, Liragra sentiu um corte na pele, assim como uma doença horrível se espalhar de dentro para fora. Perdeu a força nas pernas e estava para desabar.
Ash segurou a criança com uma mão e, com a outra, fritou a mulher caída, de forma a não sobrar nem mesmo os ossos.
— Ai ai, acho que estou ficando velho… — Carregou a criança para longe dali. Não havia muita esperança para ela, visto que os pais deviam estar mortos, mas algo dentro de si não queria deixar que acabasse assim.
Não sabia o que era, mas supôs que ficou comovido com a vontade da criança em seguir viva.
Algo que deveria ser frívolo para um apóstolo como ele. Olhou para os olhos azuis daquilo, que ria, feliz com o carinho. — Vamos… vamos encontrar seus pais. — Escondeu-a em sua capa e começou a andar.
Teve que ir devagar, visto que sua velocidade normal poderia machucá-la. Supôs que se tratava de uma fêmea, mas não quis olhar.
Ao menos, não voluntariamente.
— Dá pra calar a porra da boca! — A bebê começara a chorar já fazia algum tempo. Normalmente, quebraria o pescoço e deixaria por isso mesmo, mas decidiu que a entregaria de volta para o pai dela, depois estaria livre.
Tirou-a do casaco e a aproximou de si. Naquele momento, percebeu o que havia de errado. — Só pode ser piada…
Ash olhava para o céu estrelado, uma expressão de profunda irritação no rosto. Mesmo após todo o trabalho que teve, a criança continuava chorando.
Não importava o que fizesse, aquela coisa não se acalmava. “Isso é trabalho demais…” Nisso, se levantou e começou a caminhar para longe. “Não vale a pena ficar bancando a babá se não vou ganhar nada pela humilhação.”
A bebê parou de chorar, mas o garoto não se virou para trás. Naquela hora, ouviu o bebê balbuciar.
Virou-se para trás e estreitou os olhos. A criança estava caminhando por si própria, tentava o acompanhar. Estalou a língua e continuou caminhando. “Se podia caminhar, por que raios me fez te carregar, pirralha de merda?”
Olhou para a criança uma vez mais. A inocência daquele ser, que não o temia ou mostrava reverência para si, era irritante. Achava que seria mais simples simplesmente matá-la.
Já matou mais por menos, por isso, não entendia o porquê daquela pirralha ainda estar viva. Era simples. Apenas uma descarga elétrica e ficaria livre desse problema.
Naquele momento, a criança caiu de cara não chão, mas continuou a caminhar para o seu lado. Estava claro que aquele ser se tornou apegado a si.
Nisso, pegou-a no colo e voltou a caminhar em direção ao vilarejo.