Não havia luz, não havia som. O mundo era diferente de tudo aquilo que o menino ouviu nas descrições e histórias. Tateando no escuro ele sentia medo, estava sozinho e não sabia como voltar. Ele ansiava conhecer o mar, a luz do sol e as árvores. Mas naquele momento não mais... Naquele exato momento tudo o que ele mais queria era estar novamente em segurança ao lado de sua mãe.
Quanto mais andava mais distante ele sentia estar.
Diziam que no mundo exterior era perigoso, o domínio de sombras e demônios a serviço de um mal maior. Ele fez um grande esforço para não pensar nisso e ficar em silêncio, para que assim os monstros não lhe encontrassem. Não podia chorar, não podia gritar e não podia chamar pela sua mãe. Se permanecesse em silêncio, talvez eles não saberiam que ele estava ali e, quem sabe, ele poderia ser capaz voltar.
Eu já tenho 07 anos, já sou quase um adulto, eu não vou morrer aqui, pensou.
Mas o silêncio foi rompido por um grito estridente. Ouviu a voz desesperada de uma mulher:
- Allan!!! Allan!!! Pelo amor de Deus aonde você está?!!
Mamãe!! Imediatamente ele reconheceu aquela voz. Naquele momento todo o medo que sufocava o seu coração desapareceu. As lágrimas que com tanto esforço o menino segurou começaram enfim a contornar o seu rosto, uma após a outra, incessantemente.
- Mamãe, Mamãe, eu estou aqui mamãe. Me ajuda por favor - Ele respondeu.
Eles não estavam longe e pelo som da voz conseguiram se guiar, até que enfim se encontraram em um abraço apertado.
A mulher nunca sentiu tanto medo em sua vida como quando descobriu que o garoto fugiu do abrigo. Pensou que nunca mais iria voltar a ver o seu filho. Quando lhe deram a notícia tentaram impedi-la de sair para procurá-lo.
- Ninguém que saiu do abrigo conseguiu voltar - Um deles dissera.
- Se você for capturada eles saberão onde estamos e será o fim - disse um ancião.
Mas não adiantou. A mulher ignorou todos os pedidos e advertências e fugiu atrás de seu filho na primeira oportunidade que teve. Ele é apenas uma criança, que tipo de mãe eu seria se deixasse ele morrer lá fora, sozinho....
- Me desculpa Mamãe, eu só queria... - foi a única coisa que o garoto conseguiu dizer.
A mãe do menino não era capaz de repreendê-lo. Não ali, não naquele momento.
Tão logo superada toda a carga de alívio e satisfação, como em um lapso, imediatamente ela se viu surpreendida por um aperto súbito no coração. Imersa a um turbilhão de emoções a mulher não havia pensado no perigo em momento algum, mas agora, com o seu filho em seus braços, não conseguia pensar em outra coisa. Ao finalmente retomar a percepção de onde eles estavam, o alívio que sentiu no início, ao abraçar o seu filho, foi dando lugar ao medo, em um nível de intensidade que fazia com que ela se sentisse imobilizada Ouviu risos. Olhou ao redor e notou formas na escuridão.
- hehe olha só o que temos aqui - uma daquelas sombras zombou.
- Parece que alguém está longe de casa rss - veio de outra direção.
A mulher abraçou ainda mais forte o seu filho, eles nos encontraram. Afoita ela olhou para todas as direções preparada para correr, mas estavam cercados. São muitos.
Em meio a escuridão era difícil enxergá-los, ou mesmo saber quantos eram. Mas dentre todos os vultos e sombras que os cercavam a mulher observou que um deles caminhava em sua direção.
A proximidade revelou pouco. Eram formas monstruosas como chifres e asas, envoltas em uma aura escura, sombria, que mesmo sem trazer luz de alguma maneira se revelava visível, como trevas refletidas pelo brilho macabro do que parecia ser uma vestimenta de metal.
Aquele ser era mais alto que os demais e ostentava um porte solene. Todas as sombras pareciam se curvar diante de sua presença. Era como se os portões do inferno tivessem sido abertos revelando a mais nobre de suas criaturas.
- Este mundo não lhes pertence- A voz do demônio soou grave e rasgada.
A mulher apertou forte o rosto da criança contra o seu próprio corpo, de modo a tentar poupar o menino daquela visão. Buscou encontrar forças para de alguma maneira se manter firme, pois não queria transmitir ao seu filho o medo que sentia naquele momento. Queria se tornar uma fortaleza e blindá-lo. Pensou em implorar, ao menos pela vida de seu filho, mas antes de ter a chance de falar qualquer coisa aquele ser tornou a se manifestar:
- Mulher... Exijo que me diga imediatamente aonde a escória humana se esconde!
Era tudo que ela não poderia dizer. Desde o desaparecimento daqueles que nos protegiam, não havia mais esperança e os últimos seres humanos sobreviventes resistiam escondidos em um abrigo no subsolo. Se Erebús souber aonde eles estão, todos com certeza irão morrer. Mas se eu não responder ele irá....
- Eu te digo! – Disse ela em uma súbita reação - Mas por favor, poupe o meu filho! Se deixar ele sobreviver eu te levo até lá! - Bradou desesperadamente aos prantos.
A criatura não respondeu. Ao invés disto ele vagarosamente ergueu um de seus braços na direção da mulher. Aqueles segundos de silêncio pareciam uma eternidade.
A mulher sentiu um pressentimento pesado, ruim. Uma pressão estranha surgiu entre ela e a criança.
- Não lhe é permitido fazer exigências, humana... - Enfim respondeu o demônio, com uma voz carregada de ódio e desdém.
A pressão se tornou mais e mais forte e o garoto foi puxado agressivamente, como se o próprio ar estivesse exigindo que ela o soltasse. A mulher não conseguiu mais segurar e o garoto foi erguido, levitando, entre a mulher e aquele demônio. A criança, por sua vez, estava sufocando e não conseguia nem mesmo gritar.
- Para por favor! Eu te imploro, solta ele!!!
- Eu não vou perguntar de novo, diga agora aonde eles estão!! - Bradou o demônio.
Ela não sabia o que fazer, não queria entregar seus amigos, a sua comunidade. Até a onde ela sabia aqueles poderiam ser os últimos sobreviventes, a última chama de resistência do que um dia foi a humanidade. Eles viviam juntos, privados da luz, com pouco alimento, suportando as mesmas adversidades. Mas seu filho sufocava ali, bem na frente de seus olhos e ela se sentia impotente. Mesmo que ela dissesse não havia garantias de que o demônio deixaria o seu filho viver. E ela não tinha tempo para pensar, apenas emoções e o instinto que lhe tocava. Precisava proteger a sua amada criança. Precisava salvá-lo! Eu não posso... Eu não consigo mais...
Quando ela estava na iminência de falar outra voz ecoou naquele local, junto a um intenso brilho de luz como a mulher há anos não via.
- PUNHO CINTILANTE!!!
A luz assumiu a forma de um raio e em direção ao demônio.
***BOOMP TUM***
Ao entrar em contato com o demônio aquela luz gerou um estrondo ensurdecedor, se intensificando até desaparecer. Na outra extremidade, havia um guerreiro, envolto a uma energia que trazia mais luz ao local. O guerreiro tinha corpo trajado por uma armadura purpura. A forma era de um unicórnio.
No mesmo momento a criança, que havia acabado de cair ao chão, com os olhos arregalados e uma expressão que misturava alegria e esperança gritou:
- É UM CAVALEIRO!!!