Espero que gostem do capítulo e, por favor, fiquem cientes de que essa história precede a história principal ;)
Att,
Kitsu
Naquele quarto, só havia sua pequena mala de couro e sua antiga cama, afinal, tudo se encaminhava para que não mais voltasse ali até ter cumprido para com sua obrigação. Passou os dedos longos pelas paredes decoradas com diversos desenhos florais sentindo cada relevo ou depressão dos tecidos, cada um daqueles detalhes tinha uma história a contar e segredos a esconder, afinal, estavam ali há mais de um século, talvez até mais. Alisou o tecido grosso que impedia a entrada da luminosidade no cômodo e sentiu suas mãos começarem a tremer, afinal, não esperava que sua partida fosse se tornar algo tão problemático. Balançou a cabeça vigorosamente, logo abrindo as cortinas e permitindo que os raios matutinos espalhassem-se pelo quarto; sua vida teria um recomeço e nada mais justo do que permitir que o lugar tivesse um também.
Encaminhou-se à porta de madeira e recostou sua cabeça suavemente contra o material, sorvendo pela última vez os mínimos detalhes do lugar que havia sido seu abrigo pelos últimos anos. Sentiu os olhos lacrimejarem e respirou fundo, não podia chorar, seu destino havia sido selado e em nada podia mudá-lo. Virou-se em direção ao amplo corredor da mansão e seu coração começou a palpitar em seu peito; não estava pronta para encará-lo, não queria que essa fosse sua realidade, mas, por infortúnio do destino, era. Elevou seus dedos até o pingente de prata em seu pescoço e começou a brincar com o objeto, um claro indício de seu nervosismo. Estava tão entretida em seus pensamentos que nem percebeu a porta fechada do quarto, sobressaltando-se ao dar de cara com a madeira espessa; mordendo o lado interno do lábio inferior, se permitiu relembrar de que há algum tempo estivera em frente à mesma porta, tão nervosa quanto agora. Tocou a maçaneta pesada e virou-a, ouvindo o clique do material.
Assim que entrou no quarto, pôde sentir o aroma inebriante que emanava dele, o aroma que a cativava e parecia se fixar nela toda vez que entravam em contato; conseguia sentir este perfume em si por semanas e adorava a sensação de pertencimento que ele lhe trazia. Engoliu em seco e fechou a porta atrás de si, era uma conversa privada e não sabia muito bem o que esperar da situação. Pela primeira vez encarou a enorme poltrona perto da janela e seu peito subiu e baixou rapidamente, sua respiração estava completamente descompassada, ela estava a ponto de desmaiar. Apertando com mais força o pingente, decidiu iniciar a conversa que há tanto vinha evitando.
-Eu... –ela se concentrou e fechou os olhos com força. –Eu vim me despedir.
Nenhuma resposta foi obtida da figura sentada em frente à janela. O silêncio se instalou novamente, como se a jovem não tivesse dito nada, mas a atmosfera se tornou mais pesada e desconfortável.
-Me perdoe, mas eu tenho que fazer isto... –disse, os olhos abriram-se lacrimosos e um nó se formou em sua garganta. –Tenho que cumprir com o que me foi imposto, mesmo que isso me custe meu livre-arbítrio.
Novamente, nenhuma palavra foi proferida.
-Não irá dizer nada? –questionou magoada. Decidiu então se aproximar da poltrona carmesim, os passos afobados e atrapalhados, mal conseguia se manter em pé mediante tudo aquilo.
-Retire-se. –falou o homem, a voz rouca ecoou pelo cômodo e fez os pelos da nuca dela se eriçarem.
Os olhos castanho-claros se arregalaram.
-O quê? –sua voz não era mais do que um sussurro.
O homem alto e forte ergueu-se de seu assento e se virou para a jovem. O sol iluminava os fios dourados que emolduravam sua face angulosa, lhe proporcionando um ar divinal e intangível. Seu rosto estava frio e impassível, mas seus olhos cor de mel não conseguiam encobrir a tempestade de emoções que sentia. Uma mecha de cabelo caía sobre suas sobrancelhas angulosas e arqueadas e por um momento, a jovem sentiu as bochechas esquentarem-se; nem mesmo o deus Apolo em todo seu esplendor conseguiria se assemelhar a tamanha magnificência, aquele homem era o epítome da perfeição e perdição. Ele ergueu uma sobrancelha e lhe lançou um olhar duro.
-Está surda? Mandei que se retirasse. -seus lábios grossos se apertaram e ela soube que ele estava falando sério. -Saia daqui agora, Antoine, antes que a pouca paciência que me resta acabe e você se arrependa profundamente. -rosnou.
Antoine levou os dedos ao camafeu em seu pescoço e pendeu a cabeça, um claro gesto de submissão que costumava reproduzir quando estava sob muito estresse, e isso não passou despercebido pelo homem à sua frente. Todavia, ele foi surpreendido ao vê-la erguer o rosto e fitá-lo com audácia.
-Não. -falou. -Não vou mais seguir suas ordens, Dio. -não sabia se aquilo era uma resposta ao comportamento dele ou ao seu próprio. Estava cansada de ser obrigada a compreender a todos e jamais ser compreendida; sua decisão não mudaria e nem mesmo Dio seria capaz de fazer o que ela julgava contrário à sua moral. -Antes de ser de qualquer um, eu sou minha propriedade. -cuspiu aquilo conforme se aproximava de seu alvo, seus passos eram calmos, mas sua voz começava a se erguer e sua altivez se fazia presente. -E não vim aqui para pedir sua permissão a fim de seguir com as minhas obrigações. Eu vim te comunicar que estou deixando a mansão, quer você queira ou não.
Ela parou de caminhar. Os corpos estavam tão próximos que o próprio ar se tornava pesado e quente, tão próximos que conseguiam ouvir o coração acelerado do outro e sentir o formigar de suas respirações se unindo. Ela olhou para os lábios avermelhados e mordeu o seu próprio, sabendo que sentiria falta de provar aqueles maliciosos e amargos lábios. Fechou os olhos amendoados e foi diminuindo a distância entre os rostos, esperando a familiar sensação de formigamento em sua boca e as mãos ávidas percorrendo seu corpo… Mas ela não chegou. Antoine abriu os olhos confusa e percebeu que Dio havia sentado-se mais uma vez. Ela passou a mão pelos cabelos e encarou a poltrona onde ele estava, os olhos arregalados de incredulidade; não esperava que ele fosse aceitar sua decisão, sabia que não iria, mas ainda tinha esperança de que ele lhe daria ao menos um último beijo. Estava errada.
-Eu não me importo se você se for ou não… -comentou o homem enquanto observava a vista que sua janela lhe proporcionava. -Você nunca passou de um divertimento momentâneo para mim. -a frieza em sua voz fez o coração da jovem se estilhaçar. Conhecia Dio há tempo suficiente para identificar quando mentia e, infelizmente, sabia que não era uma dessas ocasiões. Ele inclinou-se sobre o braço da poltrona e olhou-a de cima a baixo com desdém. -Não preciso mais dos seus serviços, meretriz. -e voltou-se a seu lugar.
Lágrimas começaram a brotar novamente em seus olhos e havia um nó em sua garganta que a impedia de falar. Sentiu-se suja. Caminhou em direção à porta de madeira com passos lentos, ainda não acreditando no que acabara de descobrir e de quão burra havia sido em se apaixonar por Dio, especialmente depois de Jonathan tê-la advertido inúmeras vezes. Ao abrir a porta pesada, lembrou- se do colar em seu pescoço, um antigo presente que recebera do homem assim que se conheceram, e enfureceu-se. Agarrou a corrente, puxando-a com força, o que ocasionou um ferimento em sua nuca, e lançou o objeto com força contra a janela, fazendo o vidro estilhaçar para todos os lados e muito provavelmente (torceu para que sim) ferindo Dio. Não esperou para saber o que aconteceu a ele, pois bateu a porta pesada de madeira e caminhou em direção ao primeiro andar, onde seria levada à carruagem que a esperava. Enquanto andava, pôde sentir lágrimas escorrendo por sua face, mas aquilo não mais importava para ela.